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2. QUADRO TEÓRICO

2.2 Definição do objecto de comunicação “programa de televisão narrativo”

2.2.4 A gramática do texto audiovisual linear

2.2.4.1 A mise-en-scène, sintaxe espacial

A mise-en-scène é da responsabilidade do realizador e estipula o que se filma e como se filma. Esta área profissional não é específica do cinema e televisão uma vez que os enquadramentos e composição evoluíram da pintura e a direcção de actores evoluiu do teatro.

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Monaco, James., Film Glossary, citado em Cinemania 96; traduzido do inglés: “The process of determining the narrative structure of a film and splicing the shots of a film together into final form.” 12 Texto traduzido do inglés: “The term montage as it is generally understood today is associated with the work and theory of Sergei Eisenstein, in which it came to represent the rhetorical arrangement of shots in juxtaposition so that the clash between two adjoining images creates a third, independent entity and a whole new meaning.”

Todos os códigos representados na imagem são partilhados com as outras artes pictóricas como a pintura, escultura, fotografia. Nesta área Arnheim (1954) sugere dez campos de estudo sobre as representações visuais, são elas o equilíbrio, volume, forma, desenvolvimento, espaço, luz, cor, movimento, tensão e expressão.

No entanto este autor, baseado na psicologia da forma (gestalt), defende que a leitura e interpretação das formas não é um processo reservado aos especialistas da arte uma vez que todo o ser humano interpreta as formas do mundo real de onde extrai mais ou menos informação.

Monaco (2000, p.179) em vez dos dez campos de estudo sobre as formas visuais propõe estudar a imagem usando apenas duas características, que são:

1ª Limites do enquadramento

2ª Composição da imagem dentro do enquadramento

Os limites do enquadramento são condicionados pela relação entre a largura e altura da imagem. No caso do cinema o formato mais vulgar é de 1,33 mas podem ser usados outros formatos como o CinemaScope e o Panavision com proporções entre a largura e a altura de 2,33. No caso da televisão existe o formato inicial de 4 por 3 e o novo formato panorâmico 16 por 9.

Associados aos valores semânticos da forma da imagem é possível enumerar um conjunto de leis que ajudam a construir e interpretar a forma como seja:

- A base é mais importante que o topo; - A esquerda é vista antes da direita; - A base é estável; - O topo é instável; - Diagonais da esquerda baixa para direita alta sobem, em virtude da forma como os ocidentais lêem; - As linhas horizontais têm mais peso do que as verticais de igual tamanho; - Se existirem linhas na imagem tendemos a percorrer o olhar da esquerda para a direita.

O plano pode ainda ser caracterizado espacialmente por características como seja escala do plano, foco, ângulo da câmara em relação aos objectos, movimento da câmara, ponto de vista.

Monaco acrescenta outro factor importante a ter em conta a nível da composição que é a característica de a representação ser auto suficiente ou aberta.

Uma representação auto suficiente designa um plano completo e que não precisa nem pressupõe elementos fora de campo para ser completamente compreendido.

Uma representação aberta designa uma imagem onde o espectador pressupõe algo importante e relevante fora do enquadramento e que é essencial para o significado da imagem.

As diferenças de concepção da sintaxe espacial do filme entre Monaco e Bordwell reside em dois factores.

A sintaxe espacial a que Monaco (2000) designa de mise-en-scène, Bordwell (1997) segmenta-a em duas partes distintas, que são a mise-en-scène e a direcção de

fotografia (cinematography). Neste caso a direcção de fotografia abarca as características que estão ligadas com o posicionamento e movimentos da câmara, escolha de lentes e iluminação.

Dentro do âmbito da cinematography devemos realçar a escala de plano que designa a grandeza com que os objectos e a figura humana são enquadrados no ecrã de televisão ou cinema.

As escalas de planos têm por base a figura humana e embora tenham diferentes designações em termos gerais todas elas estipulam as partes do corpo humano que estão em campo.

No capítulo sobre o método e instrumentos de análise faremos referência com maior detalhe às diferentes escalas de plano, temos que salientar no entanto que esta característica da cinematografia é extremamente importante na medida que

condiciona a comunicação não verbal que o ser humano é capaz de exprimir e “ler” através do rosto e dos olhos.

Plantinga defende a tese de que o uso do rosto humano é um aspecto essencial para gerar empatia entre o espectador e o personagem13. (Plantinga, 1999)

Também Bélazs (1952) atribui relevo determinante ao poder comunicativo do rosto humano pelo facto de ser um meio de comunicação entre seres humanos anterior ao uso da linguagem.

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Texto traduzido do original ingles: “A central way the visual aspect of film is significant is in the use of the human face in the scene of empathy.”

A escala do plano ou proximidade com que a câmara enquadra o personagem assume por isso uma importância não apenas no campo da forma ou estilo da cinematografia de um realizador mas porque acima de tudo facilita ou dificulta a forma como o espectador “lê” as expressões faciais e o olhar do personagem.

Além disso Bordwell (1997) considera ainda um outro elemento específico de estudo no texto audiovisual que é a relação do som com as imagens.

Este factor é importante porque considera dois canais de comunicação que são paralelos à imagem e que contêm três tipos de linguagens: a música, os diálogos e os ruídos ambientes directos ou pós-produzidos.

Estas três pistas de som misturadas na banda sonora do texto audiovisual podem ser segmentadas de outro ponto de vista que não considera o grupo linguístico a que pertence o som mas sim a origem do mesmo. Deste modo os sons podem ser considerados homodiegéticos ou heterodiagéticos.

Estes dois termos derivam do conceito de narrador heterodiegético e homodiegético e foram introduzidos no domínio da narratologia por Genette (1972, p.251) e têm o seguinte significado:

- Som heterodiegético designa qualquer som do canal da música, diálogos ou ruídos que não fazem parte do universo diegético. Por exemplo uma música que não tem origem na acção de uma personagem ou num aparelho músical que esteja em cena.

- Som homodiegético designa as músicas, diálogos ou ruídos com origem na própria representação dos espaços e acções do filme.

Arijon (1976) apresenta uma visão bastante objectiva e concreta sobre a forma como se constrói um filme em termos de mise-en-scène.

Fazemos referência a este autor no contexto desta investigação porque nos parece que ele propõe uma tipificação de cenas muito rígida e que por isso teoricamente é criticável mas que do ponto de vista de análise é um conceito poderoso porque relaciona movimentação e verbalizarão de actores.

Vamos primeiro definir como é que Arijon tipifica as cenas e depois analisaremos os pontos fracos deste conceito.

O filme é constituído por 24 fotogramas por segundo o vídeo por 25 frames por segundo. Os fotogramas e os frames juntos constituem planos, os planos por sua vez constituem cenas. A cena de um texto audiovisual define-se como uma unidade fílmica na qual existe continuidade temporal e espacial do ponto de vista diegético. O que Arijon propõe é catalogar as cenas de todo e qualquer filme ou programa de televisão em basicamente três tipos. O primeiro tipo de cena é a cena de dialogo e acção que se caracteriza por uma mise-en-scène em que as personagens falam e agem fisicamente em simultâneo. O género típico de filme que usa estas cenas é o filme de aventuras também conhecidos por filmes de acção em que os personagens estão permanentemente a fazer coisas enquanto falam entre si.

O segundo tipo de cena é a cena de dialogo e sem acção, que se caracteriza por fazer uma mise-en-scène de actores que falam mas não agem. Este tipo de cena é muito frequente em documentários baseados em depoimentos, talk shows televisivos, telenovelas e filmes cinematográficos que usam a verbalização para transmitir a maior parte do seu conteúdo.

O terceiro tipo de cena considerado por Arijon é a cenas de acção mas sem dialogo. Este tipo de cena designa uma mise-en-scène em que os personagens agem mas não existe em simultâneo linguagem verbal na banda sonora. Este tipo de cena é a mais difícil de conceber no sentido em que através da acção se tem de descrever a acção, o que os personagens pensam e o motivo porque os personagens agem. Existem na história do cinema poucos filmes que conseguem transmitir uma intriga baseados exclusivamente neste tipo de cena mas é possível encontrar numerosos exemplos de desenhos animados para crianças e a longa metragem A guerra do fogo (Annoud, 1981).

Esta tipificação das cenas ajuda a definir géneros de filmes, definir estilos de realizadores e até segundo a nossa opinião a identificar a diferença entre os filmes típicos de hollywood e o cinema europeu.

Existem no entanto algumas críticas que podem ser feitas a esta concepção.

1ª Por um lado uma cena pode ter no seu interior partes diferentes. Uma só cena pode começar por exemplo com acção sem diálogos mas acabar com diálogos e sem acção.

2ª Existe uma situação que Arijon não considerou mas que em certos filmes é muito frequente e que consiste em situações em que o actor não fala nem age. Estes

momentos podem ser insignificantes num filme de aventuras, mas por exemplo num filme de Manuel de Oliveira pode ocupar uma parte substancial da duração do filme. Em virtude desta tipificação de cena vir a ser usada nesta investigação propomos uma leitura do capítulo sobre o método onde explicamos como propomos ultrapassar os problemas que apontamos para esta classificação de cenas e a forma como

tornámos possível quantificar os estilos de cenas usados num filme.