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PARTE A – BIOGRAFANDO UM LÍDER NEONAZISTA

A.6 Do julgamento à morte de Lane na prisão

No julgamento de Lane, Zillah Craig, 31 anos, a segunda esposa de Bob Mathews, implicou todos os réus em julgamento no Tribunal Distrital Federal na morte de Alan Berg. Ela assegurou que Lane delineou o "passo 5" do plano, o assassinato de judeus proeminentes, em janeiro de 1984. Esse ponto corroborou o testemunho dado anteriormente por dois ex- membros do grupo. Um incidente crucial, de acordo com todas as testemunhas, fora a entrevista de Berg com Pete Peters e Jack Mohr. O episódio terminou em uma explosão de raiva depois de Berg ridicularizar a ambos. O júri então ouviu uma fita de três horas desse programa e ouviu uma voz que se identificava como David Lane para reclamar que Berg era injusto com seus convidados. Durante todo o período da fita, que passava por diversos programas, ele afirmava: "Você deveria ter um nazista em seu show". A isso Berg respoderia: "Você está doente, seu pervertido". "Você é um nazista137".

Zillah informou ainda que Jean Craig visitou a estação de rádio onde Berg trabalhava, fez perguntas e tirou fotos das câmeras de segurança da estação. Ela mesma compilou informações sobre Berg a partir de fontes na biblioteca pública local. A mãe dela trouxe, da residência que ela dividia com Mathews e sua outra esposa, uma pasta com todas as informações compiladas. Ela testemunhou que Mathews decidira os papéis de cada um depois que Bruce Pierce se ofereceu para atirar em Berg: Mathews e Richard Scutari seriam vigias e David Lane dirigiria o carro de fuga. Segundo Zilah, na manhã seguinte ao crime, todos eles leriam em vários jornais sobre o assassinato e comemorariam o feito. Assim terminou o depoimento da ex-esposa do Líder da Order138.

Todas as testemunhas afirmaram que apenas Lane não estava dentro da casa de Berg, por estar no carro, aguardando para fugir. Lane negou isso sempre. O juiz de primeira instância condenou Pierce e Lane à prisão por 150 anos139, e Lane passou por três presídios

137 UNITED STATES OF AMERICA v. David Lane, Bruce Pierce, Richard Scutari, and Jean Craig, case

number 87-CR-114, transcript, October 30, 1987, 3-5, United States District Court for the District Court of Colorado, Denver, Colorado; Schlatter.

138 Cf. ZESKIND, Leonard. 2009, Blood and Politics: The History of the White Nationalist Movement from the

Margins to the Mainstream. New York: Farrar, Straus and Giroux. Para a pesquisa, além da leitura dos próprios

arquivos do júri, realizei consulta em inúmeras fontes de notícias. Algumas, como os arquivos do New York Times, deram detalhes de como a mídia lia o julgamento – vide

https://timesmachine.nytimes.com/timesmachine/1987/11/08/582587.html. Último acesso em dezembro de 2017

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Os dados do julgamento de Lane, além dos presentes em seus escritos, vêm, principalmente de Hamm, Mark S. Crimes Committed by Terrorist Groups: Theory, Research, and Prevention de Mark S. Hamm, Final Report

(United States Penitentiary, Marion, United States Penitentiary Administrative Maximum Facility em Florence no Colorado, e a Federal Correctional Complex em Terre Haute) antes de falecer.

Em seu recurso à Suprema Corte, e em muitos escritos, Lane afirmou que estava sendo julgado três vezes diferentes ao mesmo tempo pela mesma coisa (o assassinato de Berg). Afirma que ―as maquinações do governo atual‖ eram ―praticamente ilimitadas‖ e usavam a mesma ofensa alegada, adicionando motivos para as acusações, ―mudando jurisdições do Estado para tribunais federais, ou de um tribunal federal para outro, ou incluindo a alegada ofensa com outras ofensas na Lei RICO‖ para o ―demonizar‖. Lane chega a argumentar também que não havia provas suficientes de um elemento do crime – que ele teria de fato participado do assassinato de Berg e que ele havia atacado os direitos civis da vítima, porque Berg estava ―desfrutando de emprego‖.

Na verdade, Lane foi julgado pela Lei RICO num tribunal; pelo assassinato de Berg, num outro; e por crimes contra direitos civis de Berg num outro140, e as provas eram as próprias fitas de Lane gravadas no talk show. Ele jamais reconheceu a variabilidade das leis que ofendeu141 e sempre afirmou que foi condenado por ser impopular com os judeus, que estavam no poder. Sua morte desencadeou no mundo milhares de homenagens ao ―prisioneiro racial‖. Surge uma desordem, que gera novos sentidos e paradigmas, um verdadeiro drama social, tal como descrito em Social Dramas and Stories about Them, de Victor Turner (1980), drama esse que foi capaz de inter-relacionar ―loops‖, nos quais, de maneira performática, os aspectos estruturais retoricamente implícitos denunciam contradições estruturais da vida

Submitted: June 1, 2005. Além disso, foram consultados os próprios arquivos, em United States of America v.

Bruce Carroll Pierce et al. Cr. 85-001M. United States of America v. Randolph Duey et. al. Cr. 85-001M,

Superseding Indictment. Os recursos a Suprema Corte também foram consultados. In. United States v. David Lane, United States of America v. Bruce Pierce, 883 F.2d 1484 (10th Cir. 1989). Os arquivos dos processos estão disponíveis a partir de https://www.courtlistener.com/opinion/528433/united-states-v-david-lane-united- states-of-america-v-bruce-pierce/

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O texto do processo afirma que em 18 de junho de 1984, no Estado e distrito de Colorado, DAVID LANE, BRUCE PIERCE, RICHARD SCUTARI e JEAN CRAIG, ajudando e encorajando uns aos outros, pela força e ameaça de força, intencionalmente feriram e interferiram com Alan Berg, por causa de sua raça, religião e origem nacional, isto é, porque ele era judeu e porque ele estava desfrutando de emprego e de suas gratificações por um empregador privado, resultando na morte de Alan Berg por tiros. In. United States v. David Lane, United States of America v. Bruce Pierce, 883 F.2d 1484 (10th Cir. 1989)

141 A Suprema Corte afirmou no julgamento: ―Berg chamara a atenção de Lane por causa de seu emprego como

apresentador de rádio, que Lane não gostava de Berg por causa da maneira como Berg usava seu emprego. O apresentador de talk show de rádio ridicularizava as crenças que Lane adorava, e que Lane participara do assassinato de Berg para impedi-lo de continuar a realizar seu trabalho de uma maneira que Lane achava ofensiva. Consequentemente, rejeitamos o desafio de Lane à suficiência da evidência.‖ (Tradução minha)

social. Fazem parte desses dramas sociais diversos tipos simbólicos: os traidores, os redentores, os vilões, os mártires, os heróis, entre outros, narrados na tessitura dos dramas sociais como personagens exemplares e paradigmáticos, que dessa forma garantiriam sua imortalidade social (TURNER, 1980: p. 150-156). Lane exemplifica muito bem esse uso do drama social que, para Turner, funcionaria como uma matriz de experiências, por meio das experiências performáticas da cultura, de modo a estabelecer uma declaração contra a indeterminação e oferecendo, portanto, elementos para narrativas jurídicas, literárias, morais, complexificando, portanto, todas as modalidades de ação social.

Os escritos de Lane foram lidos nos Estados Unidos por mais de seiscentas e cinqüenta mil pessoas, nos últimos dez anos. Nestes dez anos de pesquisa, localizei seus textos em dez idiomas, mas estimo que deva haver muito mais traduções. Os textos fundadores estão disponíveis em mais de trinta línguas. Há milhares de vídeos póstumos em sua homenagem. Todos os sites analisados em minha pesquisa citam os textos de David Lane em profusão. Os adeptos do movimento supremacista buscam nele uma espécie perversa de inspiração para tornarem-se, como ele, cada vez mais ―arianos‖.