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PARTE A – BIOGRAFANDO UM LÍDER NEONAZISTA

A.4 Explorando categorias do neonazismo: a codificação dos textos de Lane no N*VIVO

A.4.4 Natureza e Cultura

Encontrei inúmeras passagens que descrevem as concepções de Lane a respeito dos conceitos de Natureza e Cultura. Para ele, cultura ―equivaleria tanto a tantos outros termos como raça e nação‖. Não há distinção106

. Além disso, o mundo contemporâneo seria controlado por uma ―religião multirracial‖ criada e gerenciada pelos judeus visando destruir ―a cultura das verdadeiras pessoas‖. Mais de uma vez ele argumentou no sentido de que

105 Falarei do cultivo do ódio adiante. 106

Em todos os sites neonazis há concordância com Lane. Mesmo para os menos nazificados, a afirmação

―cultura‖ seria privilégio dos ―arianos‖, que são ―pessoas‖. O restante do mundo vive imerso na ‖religião multicultural‖. Apenas ―a raça superior e uma nação superior tem uma cultura‖; essa cultura não possuiria limites e se sustentaria na masculinidade e no heroísmo de seus membros (nesse ponto ele volta a insistir na poligamia).

Os estrangeiros (ele fala dos judeus muitas vezes dessa forma), segundo ele, tentaram impor aos ―arianos‖ que ―nação não é uma raça, nem cultura, nem parente, nem herança, nem mesmo face semelhante‖. Esse seria o ponto central do plano judaico de destruição dos brancos do mundo, em especial dos brancos dos EUA, por negar a singularidade da ―grande raça superior‖. A única forma de recuperar isso é fazer das ―14 PALAVRAS a única prioridade‖. Lane torna a advertir a seus leitores: ―não confie em nenhum homem que não age em nome das 14 PALAVRAS‖.

Por outro lado, ao discursar sobre a natureza, Lane se alongou muito mais, e os próprios 88 preceitos se apóiam muito num conceito de natureza que, apesar de cunhado por Lane, esteve presente em todo movimento nacional-socialista, desde Hitler e, particularmente, em Reisemberg. Partindo da ideia de que ―qualquer religião ou ensino que nega as Leis Naturais do Universo é falsa‖, Lane atacou o que ele denomina de ―religião multicultural‖ dos judeus, que seria o sistema de pensamento do mundo contemporâneo, sistema que tenta inviabilizar a sobrevivência racial dos ―arianos‖. Lane construiu um panorama de guerra, em que apenas um dos lados pode sobreviver, e para sobreviver, os arianos devem compreender as ―forças e leis da natureza‖. Entre elas, ele cita: ―a Lei da Natureza é o trabalho‖, e ―de acordo com as Leis da Natureza, nada é mais justo do que a preservação da própria raça‖.

Não existe igualdade na natureza, assegurou Lane em muitas passagens: ―o conceito de ‗igualdade‘‖ seria ―declaradamente uma mentira por todas as evidências da natureza‖, pois ―a busca da igualdade é a destruição da excelência‖. Portanto, a meritocracia, a preservação dos superiores, é também uma ―Lei Natural‖, e a ―miscigenação‖ contraria a lei natural de sobrevivência racial, pois enfraqueceria o ―arianismo‖.

Nesse sentido, o preceito nº 26 de Lane diz:

<DL>26. A natureza apresenta uma certa antipatia entre as raças e espécies para preservar a individualidade e a existência de cada um. </DL>

A ideia do sujeito individual é muito forte em Lane e em todo o neonazismo107. Mas é um sujeito eminentemente egocêntrico, pois Lane afirma também que ―a compaixão entre espécies é contrária às Leis da Natureza e, portanto, é suicida‖. Em muitas passagens, ele volta a falar da necessidade masculina de dominar as mulheres, e da poligamia como uma força da natureza para gerenciar as forças masculinas e tornar os homens heróis e guerreiros.

Por toda essa evocação da virilidade, para Lane, qualquer desvio de seu programa é patológico. Ele acrescenta: ―a homossexualidade é um crime contra a natureza‖. A ―natureza‖ também ―repulsa relações sexuais inter-raciais‖. Em sua obra de ficção, Lane rejeita o sexo entre mulheres, e o personagem principal assegura à mulher que o sexo com um homem, ainda que não consentido, possa corrigir essa questão (ou seja, Lane defende o estupro ―corretivo‖ para lésbicas). ―E se os gays defenderem seu modo de vida, que espalha doenças, devem ser mortos‖, o protagonista afirma. A homofobia do pensamento neonazista não poderia estar mais explícita.

Lane assegurou ainda, de muitas formas e em muitas passagens, que ―o instinto dos homens brancos para preservar a beleza de suas mulheres e um futuro para crianças brancas nesta terra é ordenado pela Natureza e pelo Deus da Natureza‖, pois seria ―um comando divino de AllFather W.O.T.A.N., como a vontade da nação ariana‖ – esclarecemos aqui que a ideia é de que Wotan seria o pai de todos os neonazistas, um pai furioso, que odeia os outros, em substituição ao Deus amoroso dos cristãos. Ele denomina a religião Wotanista como ―indígena‖, nativa, ―natural‖ e ―original‖ dos ―arianos‖. A tentativa de organizar o neonazismo como fé neo-pagã é extremamente perigosa, pois poderia, e parece pretender, invocar a proteção da liberdade religiosa.

107 Individualidade aqui pode ser lida como ―rostidade‖ ou, ainda, como ―a máquina abstrata de rostidade‖ que

pensam Deleuze e Guattari no 3º volume de Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia: a forma pela qual se dá a produção social do rosto. Escrevem os autores: O rosto não é um invólucro exterior àquele que fala, que pensa

ou que sente [...].mas uma língua cujos traços significantes são indexados nos traços de rostidade específicos [...]. Os rostos concretos nascem de uma máquina abstrata de rostidade, que irá produzi-los ao mesmo tempo que der ao significante seu muro branco, à subjetividade seu buraco negro [...].

A.4.5 Civilização

O conceito de civilização de Lane confunde-se com a ―cultura ariana‖. ―A civilização ocidental é a criação do homem branco‖. Isso lembra muitas afirmações de fórum neonazis, como a que explicita:

<etno 11> Nenhum povo experimentou a civilização sem o contato com os arianos</etno BHUS- Fórum>

Segundo Lane, a presença do homem branco está em todas as invenções: ―desde saneamento e encanamento das casas e o aquecimento central até invenções mais sofisticadas, como orquestras sinfônicas, comunicações modernas e anestésicos‖.

Nos textos codificados com o N*VIVO, o conceito de civilização aparece menos vezes (65) que os termos natureza (338 vezes) e cultura (82 vezes).

A.4.6 Racismo

Nas discussões de Lane sobre o racismo, podemos obter algumas contradições. Por um lado, ele defendeu a neutralidade da palavra: ―a adição de um sufixo‖, como "ist" ou "ism", não demoniza uma palavra‖. Por outro, seus textos também falam de toda uma ―raciologia‖. A ideia de raça é levada ao extremo, e raça é um tema central. Nesta passagem, vemos como ―racismo‖ é algo positivo, pois relacionado à preservação da própria espécie:

<DL> Assim como um Batista adora e sustenta sua religião, então um racista ama e sustenta sua raça. A preservação do próprio tipo é a primeira e mais alta Lei da Natureza, quando a existência da própria raça é ameaçada, então o racismo se torna um imperativo da natureza ordenado da mais alta ordem. O Manifesto do Genocídio Branco não cumpre com a corrupção da linguagem, como nos exemplos dados, ou com outra terminologia politicamente sancionada, mas falaz.</DL>

No entanto, aos que o chamam de ―racista‖, Lane denomina ―enganadores‖, ―movimento de milícia‖, ―covardes recrutadores de coração em coalizões de arco-íris108‖, mostrando claramente como ele considera ―racista‖ um insulto, algo negativo. Ele afirma que

os grupos LGBT, ―as coalizões do arco-íris‖, seriam ―EXATAMENTE o que os assassinos da nossa raça querem‖.

Assim, identificamos dois grupos antagônicos de abordagem do racismo em Lane: num deles, o positivo, ser racista não é mais do que defender a preservação da própria espécie; no outro, o negativo, racista é um insulto dirigido pelos assassinos da raça branca (tais como judeus e grupos LGBT) contra seus defensores. Há 13 referências ao termo ―racista‖ nos 74 textos decodificados pelo N*VIVO, sendo 6 delas no grupo positivo e 7 no negativo.

A.4.7 Ódio

Embora Lane tenha afirmado apenas uma vez nos textos que ―não é construtivo odiar aqueles de outras raças, ou mesmo de raças mestiças‖, em todos os outros momentos o ódio transparece. Nessa mesma citação, ele acrescentou: ―mas uma separação deve ser mantida para a sobrevivência da própria raça‖. Um motivo para odiar mais ainda é dado ―é preciso odiar com o ódio puro e perfeito aqueles da própria raça que cometem traição contra o próprio tipo e contra as nações do próprio tipo‖. Os brancos que se casaram com membros de raças inferiores ou que adotaram crianças dessas raças devem ser odiados e eliminados, segundo Lane. No caso de mulheres ainda em condições de gestar filhos, deveriam ser recuperadas, ainda que à força, pelo povo branco (como ele sugere no manifesto/ficção KD REBEL) para parir os filhos arianos.

Lane nunca se conformou com o fato de que, segundo o que ele escreveu, ―defender a sobrevivência de nossa própria raça‖ seria um "crime de ódio". Ele sempre advertiu os neonazistas de que poderiam ser presos por crime de ódio ao ―repetir ou espalhar as 14 palavras‖. E por isso é preciso ―odiar o governo federal e os ZOG‖, e ―estar ciente de que a luta é perigosa‖.

Para Lane, um dos mais odiados nazistas de todos os tempos, Rudolf Hess deveria ser ―legitimamente ser homenageado como mártir entre os mártires‖. ―Nunca traiu sua raça e lutou pela sua preservação‖. Lane discute com ódio profundo o julgamento de Nuremberg. Ainda cita como mártires dos judeus ―e de sua odiosa religião multirracial‖ Bob Mathews e outros presos de grupos neonazistas.

No texto ―14 Por quês‖, Lane afirma109:

1. Por que nos chamam de "portadores de ódio" quando a nossa causa á a preservação da beleza das nossas crianças?

3. Por que é considerado um mal falar com orgulho da nossa própria raça Branca, quando todas as outras raças são encorajadas a fazê- lo?

4. Por que repudiam os mídia o fato provado historicamente de que a integração racial resulta em genocídio cultural e biológico?

7. Por que é que um ato de autodefesa executado por um homem Branco é processado como um "crime de ódio"?

O termo ―ódio‖ e seus equivalentes aparecem 214 vezes nos 74 textos codificados com o N*Vivo, de uma forma extremamente repetida. Sempre é uma referência aos traidores da raça, ou ao ódio aos judeus, ou ao ―absurdo‖ de ―defensores da raça ariana‖ terem sido denominados, pelas ―autoridades ZOG‖ de ―criminosos de ódio‖. O ódio é um elemento central de todo o discurso neonazista, e mais adiante farei algumas considerações acerca disso.