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Gostaríamos de registrar que são escassos os trabalhos que tratam da cultura política dos jovens rurais. Sobre a relação entre a TL e juventude, encontramos um trabalho de pesquisa elaborado por Normélio Weber junto ao Programa de Pós- Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina, que explorou a atuação das Pastorais da Juventude e a formação de militantes populares, e a dissertação de autoria de Sueli Martins por várias vezes já citada neste trabalho, defendida na UNICAMP no ano 2000.

O trabalho de Normélio Weber (1990) revela questões bastante relevantes para nossa problemática de pesquisa. Nele percebemos a existência de duas concepções de juventude no interior da Igreja Católica. A primeira concepção surge no período de 1966 a 1978, quando a repressão política a todo e qualquer movimento de contestação, com o uso da violência, tomou conta de nosso país, e deu origem a um novo tipo de movimento de jovens (o encontrismo), com posturas de não-enfrentamento ao Estado. Segundo o autor, “esse novo movimento juvenil ficaria sob domínio total e controle

A Teologia da Libertação e a formação político-cristã de uma geração de jovens rurais militantes...

absoluto da igreja e manter-se-ia alheio a qualquer participação política, a qualquer confrontação com o Estado. Permaneceria nos limites da instrução religiosa e da preocupação com a fé e conversão pessoal” (WEBER, 1990. p. 46). Esse movimento é inspirado no movimento de adultos, chamado Cursilho de Cristandade. Os participantes são jovens preponderantemente urbanos e originados de classes mais abastadas. A linha doutrinária é espiritualista e personalista, difunde uma fé ingênua e sem comprometimento com qualquer projeto de transformação da sociedade. Acrescenta o autor que esse tipo de movimento

é dirigido por adultos oriundos do movimento de cursilhos que visavam, além do mais, a aceitação pacífica por parte dos jovens, das estruturas autoritárias da família, da igreja e do Estado. Era um processo de cooptação. Os jovens eram ‘domados’, para inserir-se na sociedade e aceitá-la como fruto positivo e irremediável do devenir histórico [...]. Um dos objetivos principais era eliminar o conflito de gerações através da aceitação resignada das limitações paternas cuja autoridade não pode e não deve ser questionada [...] (WEBER, 1990. p. 48).

A segunda concepção de juventude que identificamos no trabalho de Weber surge na década de 70, a partir da Conferência de Medellín (1969), dando início no interior da Igreja Católica da América Latina a uma profunda revisão de posturas e atualização da doutrina. Medellín propunha adaptar-se às resoluções do Vaticano II para a situação concreta da América Latina. Assim nasceu a Teologia da Libertação, que no âmbito doutrinário tem como principal novidade uma visão do mundo e da história a partir do social. A década de 70 é marcada pelo surgimento de movimentos sociais que perpassam a igreja, levando-a a assumir uma postura mais aberta e democrática, comprometida com o povo; nesse contexto, surge a Pastoral da Juventude ligada à Teologia da Libertação.

Nessa nova perspectiva da igreja, os próprios jovens assumem um papel político significativo, assumem coordenação e lideranças dentro dos movimentos emergentes. A partir de 1978 surgem a preocupação e a necessidade de uma maior articulação entre os grupos regionais para que o movimento ganhe alcance nacional.

Os grupos articulam-se, criando uma coordenação paroquial. Da junção de diversas paróquias, surge a organização comarcal e das diversas comarcas, a coordenação diocesana. As diversas dioceses dão origem aos blocos regionais, e a partir desses, chega-se a uma pastoral nacional. Esse tipo de articulação tem origem em Santa Catarina e fica configurado a partir de 1983. Essa articulação possibilita a interiorização e periferização do movimento [...]. Em

Santa Catarina isso dá origem ao movimento juvenil em áreas rurais que é onde atingirão maior influência concreta (WEBER, 1990. p. 52).

Weber observa ao longo de seu trabalho que a tarefa específica da Pastoral da Juventude não consiste em dirigir concretamente a transformação da sociedade, mas em fornecer a outros movimentos indivíduos teoricamente bem preparados, conscientes, para levar adiante o processo de transformação da sociedade. Para o autor, a Pastoral da Juventude constitui uma espécie de espaço de iniciação da vida política, em que ocorria o primeiro contato com a experiência política, e da vida social, pois surgiu a possibilidade de assumirem alguma função para se sentirem úteis (WEBER, 1990, p. 78).

O autor afirma que a PJ “não chega nem mesmo a constituir um movimento etário uma vez que os seus postulados não dizem respeito (pelo menos as propostas políticas) especificamente aos problemas da sua idade, da juventude, mas sim da sociedade em geral” (WEBER, 1990. p. 92). Na temática debatida pela PJ, não se enfocam questões como mercado de trabalho para os jovens, o ensino público e gratuito, mas sim questões mais estruturais, como a pobreza, a luta de classes, a questão do trabalho, da terra, do índio, as relações capital/trabalho, fé e política. Em relação às questões próprias da juventude, aparecem temas de ordem individual, subjetivos, como sexualidade, afetividade e assim por diante (WEBER, 1990).

Essa síntese do trabalho de Weber fornece questões sobre a juventude que precisam ser exploradas analiticamente; elas abrem caminhos para o nosso trabalho na medida em que parecem confirmar algumas hipóteses que pretendemos verificar, como, por exemplo, se a concepção de juventude na doutrina da TL é entendida apenas como uma fase da vida, uma faixa etária associada ao desenvolvimento biológico, uma questão de classe, ou uma questão geracional. Consideram os problemas que surgem nesse momento da vida apenas de cunho subjetivo, individual, ou consideram o jovem em seus diferentes espaços e contextos, portador de uma sociabilidade própria?

Já o texto de Sueli Martins (2000), anteriormente referido, analisa o processo de socialização política implementado pela PJ no interior da Igreja Católica nos anos 80 e 90 em Londrina - PR. Destaca a efetividade da formação político-social da PJ a partir da prática concreta de seus agentes, em vista das mudanças clericais e sociais ocorridas durante as décadas referidas (MARTINS, 2000. p. 80).

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As análises de Weber (1990) e Martins (2000) a respeito da PJ têm em comum a percepção dessa pastoral como um espaço de aprendizagem política, uma escola que prepara quadros que assumirão papéis de lideranças em outros movimentos (sindicais, MST, partidos políticos, etc.), como aponta o trabalho de Weber, ou representa a busca pela cidadania através da prática política na medida em que os jovens demonstraram em seus depoimentos que as associações de moradores, grêmios estudantis, sindicatos, partidos políticos seriam instâncias onde deveriam atuar e materializar a sua ação política. Assim sendo, um estudo que aborde a intervenção da Teologia da Libertação junto aos jovens rurais e como eles responderam a esta formação e a influenciaram é extremamente pertinente para compreender como se organizam, quais suas práticas e estratégias políticas de intervenção nos espaços em que vivem.