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3.2 Elementos indicativos da modernização no oeste catarinense

3.2.2 A Peste Suína Africana

A Peste Suína Africana (PSA) foi uma doença que ocorreu, em 1978, no Município de Paracambi, Estado do Rio de Janeiro, espraiando-se para todas as regiões do Brasil. Foram relatados 223 novos focos entre 1978 e 1979, nas regiões Norte, Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul com focos adicionais em 1981. Consta de 15 de novembro de 1981 o último caso relatado, e em 5 de dezembro de 1984 o Brasil foi declarado livre da PSA. Segundo pesquisadores17, em artigo intitulado O surto de Peste

Suína Africana ocorrido em 1978 no município de Paracambi, Rio de Janeiro, os

animais se infectaram pela ingestão de restos de comida de aviões procedentes de Portugal e Espanha, países nos quais a doença existia. Os pesquisadores desenvolveram seu trabalho com base na análise de todos os dados publicados sobre o tema, na possível ocorrência de falso-positivo, na falta de informações sobre o isolamento e caracterização do vírus, bem como na ausência de dados sobre a doença, sinais clínicos e doença em outros supostos focos. Os pesquisadores concluíram que o surto de

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Carlos Hubinger Torkania e Paulo Vargas Peixoto do Depto Nutrição Animal e Pastagem, Instituto de Zootecnia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Jürgen Döbereiner Convênio Projeto Sanidade Animal, Embrapa – UFRRJ, bolsista do CNPq; Severo Sales de Barros Pesquisador visitante do CNPq, Depto de Patologia Animal, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e Franklin Riet-Correa do Centro de Saúde e Tecnologia Rural, Universidade Federal de Campina Grande, Campos de Patos, Paraíba.

A Teologia da Libertação e a formação político-cristã de uma geração de jovens rurais militantes...

Paracambi constituiu a única ocorrência de PSA no Brasil e que a doença ficou restrita a esse local, provavelmente em função do diagnóstico precoce e da rápida adoção de medidas de controle pelas autoridades sanitárias. Foi realizado abate dos suínos daquele rebanho, iniciado 10 dias depois da primeira morte e 3 dias após o diagnóstico.

A comprovação, nessa pesquisa, de ocorrência única da doença no município de Paracambi abre a possibilidade de nos interrogarmos sobre a sua disseminação no Estado de Santa Catarina. A análise da documentação consultada sugere que a rigor nunca se obteve comprovação da existência da doença neste estado e a hipótese mais aceita no meio dos agricultores é de que foi uma invenção por parte das grandes empresas voltadas para a execução do plano de alteração das matrizes de raças suínas “crioulas”. No decorrer de nossas análises, evidenciou-se que, apesar de passados 25 anos após o surto de PSA, muitos agricultores mantêm a hipótese de que esse surto foi uma invenção, com o objetivo de introduzir novas raças de suínos visando a aumentar a produtividade e assim fomentar o fortalecimento da agroindústria, que viria com toda força nos anos seguintes. Com isso, os empresários da agroindústria oestina estabeleceram um discurso de que a sua atividade constituiria uma espécie de “vocação natural” da região. Para ter uma produção de suínos à altura de abastecer o mercado nacional e internacional, era preciso alterar a produção. Para o historiador Odillon Polli (2002), a PSA trouxe as seguintes conseqüências para o Estado de Santa Catarina: “Diminuição do mercado da carne suína, baixa dos preços, abandono da produção de suínos e êxodo rural. Por outro lado, houve crescimento da produção integrada e com novas raças” (POLLI, In: UCZAI, 2002, p. 184).

As conseqüências dessa estratégia de acumulação do capital agrícola se manifestaram imediatamente na vida da população oestina. Da produção em escala doméstica para a produção em larga escala, era preciso alterar toda a maneira de produção do suíno, desde a infra-estrutura da propriedade com pocilgas adequadas para a exigência das agroindústrias até a reorganização do trabalho familiar. Vejamos na passagem a seguir o discurso que representa a versão dos agricultores sobre a PSA:

Nunca se tinha ouvido falar, no Brasil, de Peste Suína Africana. Ela não existia aqui. Nem sabíamos se esta peste existia em algum lugar do mundo. Mas no mês de maio de 1978, os suinocultores de todo o Brasil foram pegos de surpresa com a notícia de que havia sido descoberto, no Rio de Janeiro, um foco de peste suína africana. A notícia desta peste, que ninguém conhecia, pôs medo em muitos criadores de suínos, porque sobre ela se ouviam as piores coisas. A primeira notícia espantou todo mundo e foi se espalhando com

rapidez. A informação que veio dos órgãos do governo dizia que não existia vacina nem cura para esta peste africana. A solução era matar todos os porcos afetados. Além disso, dizia-se que essa peste era mais perigosa do que a peste suína clássica; que a peste africana matava 100% dos animais afetados e que era preciso queimar os chiqueiros onde se detectava a peste. O mais estranho de tudo foi a informação do Ministério da Agricultura de que somente um laboratório do Brasil, o instituto de Virologia da Universidade do Rio de Janeiro, ligado a um laboratório dos Estados Unidos, tinha condições para analisar e detectar o vírus da peste suína africana. (...) Semanas depois de o laudo confirmar tal peste, começava a matança dos porcos. O primeiro caso ocorreu no Rio de Janeiro, onde foram abatidos cinco mil animais. Depois seguiram dezenas de outros focos, com o extermínio de milhares de cabeça em todo o país. O estranho é que em todos os lugares onde fora constatado algum foco, aqui no oeste, depois da morte de algum porco, que segundo as análises estaria contaminado, mais nenhum porco morria. Ao contrário, todo o rebanho era sadio, comia, dormia, engordava. Como acreditar que houvesse doença, se no rebanho não se percebia nenhum porco doente?! (...) No início de junho de 1978, um porco de um agricultor morreu por motivos de uma castração mal feita. Um técnico coletou uma amostra e mandou-a para o Rio de Janeiro. Meses depois veio o resultado: foi encontrado o vírus da peste suína africana. Tanto o chiqueiro desse agricultor como os demais de seus vizinhos foram interditados em agosto desse ano. Dias depois veio a ordem para o extermínio. (Valter Fiorentin e Ivo Pedro Oro, In: UCZAI, 2002, p. 181-182).

Esse evento, no entanto, não foi um processo passivo. Houve resistência dos agricultores que foram coagidos a aderir aos anseios das integradoras, empresas que surgiram e se instalaram no oeste catarinense, especializadas no campo de processamento de carnes suínas e aves. Os agricultores resistiam na forma de organização de passeatas e mobilizações em espaços públicos ou em frente a prédios públicos, numa forma de afrontar e chamar a atenção do governo, que, acreditavam, estava por trás dos acontecimentos ao propalar a doença, tomando partido das agroindústrias. O canto a seguir ilustra a resistência dos agricultores. Cantando seu drama, zombam do governo

Peste Africana

Deixemo de planta feijão Governo não garante não Plantemo só soja e milho Quem ganha são os grandalhão. E agora vem este governo

Trabalhando não sei pra quem Mas saiba que a nóis não engana Esta peste africana conosco não tem.

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Não vemo mais galinha gorda Andando nos nossos terreiros Nós semo tudo integrado Pagando os galinheiros Eu acho que semo empregado Dos grande lá do estrangeiro. Passemo a cria uns porquinho

Pro banco não por nós em cana Mas pra acabar com o colono Inventaram esta peste africana.

E agora vem este governo Trabalhando não sei pra quem Mas saiba que a nóis não engana Esta peste africana conosco não tem Pra nóis esta peste não vinga

Tomemo uma pinga e vamos festejar. (In: UCZAI, 2002, p. 191).

Para o historiador Odillon Polli (2002), o discurso da Peste Suína Africana

gerou drásticas conseqüências para a produção camponesa regional, provocando crises e mudanças na economia camponesa tradicional.

O fechamento das exportações durante um longo período e a diminuição do consumo de carne suína no mercado nacional reduziu (sic) drasticamente o mercado desses produtos e os preços despencaram. Muitos criadores tiveram que permanecer com os suínos prontos para entrega dentro de suas propriedades (...) Os prejuízos foram muito grandes e grande parte dos camponeses abandonou a produção de suínos. Estimativas divulgadas pelos sindicatos de trabalhadores rurais da região dão conta de que dos mais de 80 mil criadores independentes que havia na região, restaram menos de 20 mil. Outra conseqüência disso foi o crescimento da produção integrada de suínos, controlada nesse caso, diretamente pela indústria. Essa forma de produção, em poucos anos tornou-se hegemônica na região, o que tornou praticamente inviável a produção independente. Em termos sociais as conseqüências da modernização da agricultura e da crise da economia camponesa tradicional se manifestaram de formas diversas, indo desde a busca de novas fronteiras agrícolas (...), a integração das unidades camponesas de produção às agroindústrias, até o deslocamento de grandes contingentes populacionais para as cidades pólo da região. O êxodo rural que se seguiu foi muito intenso. Enquanto a população urbana bateu recorde de crescimento a cada senso, a população rural diminuiu, não apenas em termos relativos, mas também em termos absolutos (POLLI, In: UCZAI, 2002, p. 184-185).

Como se percebe nas palavras do historiador, as mudanças chegaram na vida da população da região num ritmo acelerado e levando tudo que estava a sua frente, sob a promessa da modernidade. Com elas, vieram a diminuição do consumo da carne suína

no Brasil e conseqüentemente a redução de mercado interno; o abandono da produção do produto suíno e o crescimento da produção integrada. De nosso lado, entendemos que as empresas integradoras se aproveitaram do episódio da Peste Suína Africana, ocorrido no Estado do Rio de Janeiro, para legitimar seus negócios empresariais na região. Não estamos negando a ocorrência da PSA, nossa afirmação é de que ocorreu num momento oportuno em que, em Santa Catarina, empresários buscavam implementar a agricultura de integração, estimulando esses investidores a tirarem vantagens de um episódio, que, conforme mostrou a pesquisa acima referida, ocorreu apenas isoladamente.

Esse tempo ficou marcado por um grande contingente de agricultores que buscaram novas fronteiras agrícolas em outras regiões do Brasil ou passaram a viver no meio urbano. Aqueles que não desistiram do campo adotaram as inovações na agricultura e passaram a viver não mais de maneira independente, mas sim de acordo com o novo paradigma de produção agrícola. Gerou-se novos hábitos no campo perceptíveis nas novas gerações que tinham como desafio dar seqüência ou romper com esse processo.

3.2.3 Extensão Rural

A extensão rural surgiu nos Estados Unidos no final do século XIX, como um modelo de organização dos pequenos agricultores em forma de associações para terem condições de competir com empresas capitalistas emergentes. Para Janine Moreira (1994), a Extensão Rural se institucionalizou nos Estados Unidos no final do século XIX, em virtude do processo de industrialização e urbanização que provocou significativo antagonismo entre o campo e a cidade. Nessa ocasião, os pequenos agricultores, atingidos por tal processo, começaram a se organizar em pequenas associações agrícolas para competir com as empresas capitalistas emergentes. Organizados, buscavam a redução de custos e o aumento da produtividade, o que abria espaço para uma agricultura científica que tinha como prática a demonstração feita nos estabelecimentos agrícolas. Com isso, se criou um elo de ligação entre as comunidades rurais, as faculdades de agronomia e as estações experimentais (MOREIRA, 1994, p. 89).

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Já no Brasil, a mesma autora observa que a entrada da extensão rural ocorreu no contexto de alinhamento do Brasil à guerra fria, com a tentativa de desenvolvimento do capitalismo – e seu alastramento pelo mundo – sob hegemonia dos Estados Unidos. Como modelo modernizador, a extensão rural parte do pressuposto de que o desenvolvimento se daria como uma evolução das sociedades, passando estas de uma condição pré-moderna à condição similar das nações desenvolvidas, ou entendidas como nações de Primeiro Mundo. A tecnologia seria o instrumento para esse desenvolvimento, daí a importância da difusão de novas técnicas nos países subdesenvolvidos (MOREIRA, 1994, p. 90).

A institucionalização desse modelo ocorreu no Brasil em 1948, no Estado de Minas Gerais. Segundo Moreira (1994), a sua implementação no Brasil esteve relacionada aos interesses econômicos dos EUA, ecoados no governo brasileiro. Mais que isso, foi um instrumento poderoso nas mãos do governo para a modernização da agricultura seguindo um modelo de privilegiamento dos grupos industriais multinacionais. Outro aspecto levantado a respeito da introdução da ER no Brasil é que esta se deu de maneira autoritária, imposta a partir de interesses econômicos dos setores industriais, financeiros e de grandes proprietários que contaram com o apoio do governo brasileiro e das fundações americanas Ford e Rockfeller. Esse contexto fez com que, no Brasil, o estabelecimento desse modelo se diferenciasse muito do projeto original dos EUA, onde nasceu das reivindicações dos pequenos agricultores.

Como conseqüências perversas da implementação desse modelo no Brasil, a referida autora, pautada em Caporal (1991), destaca a concentração de renda da terra, a marginalização de agricultores que não tinham condições para se adaptar ao progresso técnico posto nessa proposta tecnológica, o grande êxodo rural, o crescente assalariamento da força de trabalho agrícola, a dependência do setor agrícola aos setores externos a ele e ao mercado internacional (CAPORAL, apud MOREIRA, 1994, p. 93).

Esse modelo desenvolvimentista trabalhava com várias frentes de assessoramento aos agricultores: tecnologia da produção agropecuária, administração rural, educação alimentar, educação sanitária, educação ecológica, associativismo e ação comunitária. Sirlei de Fátima Souza (2004) aponta que uma das definições da extensão rural presente na literatura a compreende como um sistema educacional e dinâmico, extra-escolar, não-obrigatório, democrático e informal que visava a mobilizar a capacidade de liderança e de associativismo, levando ao modo de vida do campo

conhecimentos e informações necessários para a melhoria da qualidade de vida e promovendo o desenvolvimento dos aspectos técnicos, econômicos e sociais (SOUZA, 2004, p. 99). Nessa linha de pensamento, se encontra Bechara (1954), que entende a extensão rural como portadora de uma função exclusivamente educacional, ensinando os produtores a resolverem seus próprios problemas dentro da agricultura.

O sentido estrito da palavra “extensão” se encontra no movimento de levar ao meio rural as conclusões e os resultados das pesquisas e dos estudos feitos nas estações experimentais e universidades (BECHARA, apud SOUZA, 2004, p. 100). Essa concepção, no entanto, não aponta as contradições, os limites e as conseqüências que resultariam dessa ideologia educacional, como proposta a ser seguida por todos, os pequenos e os grandes produtores. No entanto, na medida em que o projeto foi se concretizando, ficou mais explícita a identificação com os produtores melhor estruturados, uma vez que tinham mais recursos financeiros para aderir às exigências postas. Na visão de Fonseca, foi esse modelo, oficializado pelo Estado norte-americano e denominado pelos especialistas de “modelo clássico”, que serviu de base à organização dos serviços de extensão implantados nas regiões consideradas subdesenvolvidas, a partir da Segunda Guerra Mundial (FONSECA, apud SOUZA, 2004, p. 101).

O contato entre os agricultores, empresas e instituições promotoras da extensão rural era feito através de grandes encontros promovidos geralmente na propriedade de um agricultor. Esses encontros, chamados “dia de campo”, poderiam durar um ou mais dias, quando aconteciam experimentos e trocas de experiências. O principal contato entre o mundo rural e as instituições promotoras era feito pelos técnicos ou extensionistas. “Os técnicos teriam o papel de promover condições para que o agricultor se convencesse da eficiência das novas práticas agrícolas e, adotando-as, aumentasse a produção” (SOUZA, S. F. 2004, p. 101). A figura do técnico também está presente no sistema de produção integrada descrito acima; quanto ao seu papel, Paulilo esclarece que “a visita periódica dos técnicos tem por objetivo não só orientar como também controlar a obediência às instruções” (PAULILO, 1987, p. 2).

Embora na aparência tivesse como objetivo estender ao meio rural os resultados das pesquisas feitas nas estações experimentais e universidades, na implementação prática a extensão rural foi difundida com uma forte ideologia evolucionista que concebia o modo de vida rural como atrasado e improdutivo e,

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portanto, obsoleto frente às novas demandas do capital que se colocavam no momento. Era preciso educar e preparar os agricultores para as novas mudanças que estavam por vir, para uma otimização dos produtos, do trabalho e do seu saber. Para isso, era preciso ensinar, treinar, adequar a organização da propriedade rural de acordo com uma lógica empresarial.