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A definição do que é moderno, modernidade ou modernização não encontra consenso nas ciências humanas e sociais. Os sentidos e significados desses termos têm mudado radicalmente de época para época, inclusive inexistindo um acordo em torno da data correta para o início da modernidade como fenômeno histórico.

Não obstante as divergências teóricas, nosso esforço será o de caracterizar a modernização ocorrida no mundo rural da região oeste de Santa Catarina a partir de alguns elementos fundantes do processo, procurando estabelecer uma relação com as análises de autores cujo pensamento permite uma aproximação profícua para a compreensão do fenômeno.

Estaremos tratando aqui de acontecimentos e comportamentos novos que surgiram principalmente a partir da idéia matriz da Revolução Verde, engendrando modificações na maneira de as pessoas viverem e produzirem a sua existência. A noção que está em jogo é a do “novo”, daquilo que está acontecendo no presente e que não tem precedentes em termos do cenário geográfico. Não se trata somente de alterações de ordem simbólica, mas antes de produtos de mudanças profundas na materialidade, provocados pela necessidade do capital se entranhar no campo objetivando a sua auto- reprodução.

Para Andrade Filho ancorado em Marx, a modernidade

“é um mundo em ebulição, onde não há, então, nada definitivo. Tudo é passível de mudança, o que permite a afirmação: ‘Tudo o que é sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas’” (Marx; Engels,

apud ANDRADE FILHO, 2003, p. 02).

Assim, partimos da perspectiva de Marx de que a modernidade é resultado das escolhas que os homens fazem na produção e reprodução das suas condições de existência. Ela é um produto das concepções e dos modos de fazer o mundo da classe

A Teologia da Libertação e a formação político-cristã de uma geração de jovens rurais militantes...

burguesa, é realidade por meio da qual a condição e as relações sociais são pensadas e vividas.

“A modernidade não é uma idéia em si mesma, mas a idéia como produto humano, a forma pela qual os homens pensam e refletem as suas condições e relações sociais. Ela é essa realidade do mundo do homem, como realidade feita pelo homem. É a coisidade da ‘sociedade burguesa moderna’” ((Marx; Engels, apud ANDRADE FILHO, 2003, p. 05).

Marshal Berman também nos ajuda a compreender a idéia de modernidade. Para ele é possível entendê-la como

um tipo de experiência vital – experiência de tempo e espaço, de si e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje.(...) Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx “tudo o que é sólido desmancha no ar” (BERMAN, 1986, p. 15).

É no sentido do elemento novo e contraditório engendrado pela modernidade que estamos entendendo o processo de modernização ocorrido na região oeste catarinense, uma vez que nos remete à idéia de que a modernidade é um universo turbulento onde “tudo o que é sólido desmancha no ar”.

A situação exposta por Berman nos capacita teoricamente a compreender a transformação do modo de vida camponês calcado na tradição, que passa a absorver um novo modo de produzir e ganhar a vida, desencadeador de novos valores e comportamentos advindos de culturas exteriores. Tem-se uma situação de hibridização cultural, ao passo que elementos da tradição e da modernidade são coetâneos naquele contexto social. Os elementos “sólidos” da tradição se desmancharam, mas não desapareceram, antes se transformaram em algo novo que não podemos chamar de puramente moderno, pois alguns de seus traços são ainda cultivados, embora muitas vezes transformados no seu significado. Surgiram traços de outros modos de vida postos pela indústria cultural (rádio e TV) e pela agroindústria; as pessoas foram desafiadas a se orientarem e posicionarem em relação aos novos e aos velhos códigos, de maneira

que os dois passaram a conviver conjuntamente, gerando possibilidades e implicações socioculturais, políticas e econômicas.

Isso é condizente com a visão de Otávio Ianni, para quem “a modernidade pode ser vista como uma espécie de revolução permanente, atravessada por não- contemporaneidades, desenvolvimentos desiguais e contraditórios, retrocessos, decadências, dissoluções” (IANNI, 2000, p. 43). Essa revolução abala os velhos arcabouços e a “novidade” que surge passa a ser concebida de maneira distinta da idéia de uma sociedade calcada em valores tradicionais; em lugar de uma comunidade de estrutura fechada, de um mundo localizado, temos um mundo integrado com estruturas abertas e passíveis de se adaptar em termos globais.

Ao analisar o significado do desenvolvimento recente do capitalismo na agricultura brasileira, Graziano da Silva (1982) associa essas mudanças a um tipo de modernização que ocorreu em conseqüência das exigências da entrada do capital no campo. Quanto ao significado desse processo, o autor afirma que “as transformações porque passa a agricultura, na sua essência, representam a sua adequação ao sistema capitalista como reflexo das transformações porque passa o próprio capital” (GRAZIANO, 1982, p. 126). Se quisermos entender como aconteceu o desenvolvimento da agricultura brasileira, a análise deverá levar em consideração a totalidade do desenvolvimento das relações sociais, políticas e econômicas no conjunto do sistema capitalista. A transformação da agricultura ocorrida na América Latina está intimamente relacionada ao processo de industrialização que teve parte nos diversos países da região, que por sua vez foi presidido pelo capital monopolista. O significado desse processo para a agricultura foi “a passagem de uma atividade de apropriação das condições naturais existentes para uma atividade de fabricação dessas mesmas condições, quando ausentes” (GRAZIANO, 1982, p. 126).

No entanto, Graziano da Silva alerta que é preciso ficar claro que esse processo não aconteceu de maneira tão dinâmica e revolucionária como foi na etapa concorrencial do capitalismo, mas que, por ter sido marcado pelo predomínio do capitalismo monopolista (o qual caracterizou todo o processo de industrialização tardio na América Latina), submeteu a agricultura a uma “modernização conservadora”, na qual o grande capital se aliou ao latifúndio, sob a proteção do Estado. A transformação ocorrida na agricultura brasileira a partir dos anos 1970 “espelhava avanços e recuos de uma lenta e, por isso mesmo, dolorosa modernização em alguns setores específicos,

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modernização essa em sua maior parte sustentada pelos generosos subsídios estatais” (p. 127). Disso tudo decorreu uma debilidade na agricultura brasileira que deve ser compreendida como uma forma específica de dominação, em que é marcante a presença do capital comercial e usurário. Isso explica o atual quadro de um desenvolvimento lento e desigual das forças produtivas no campo (GRAZIANO DA SILVA, 1982, p. 128).

A análise de Ridenti (1993), corrobora com o debate de Graziano na medida em que desenvolve a idéia da “modernização conservadora”, imposta no Brasil pelo regime ditatorial, que eliminou as ilusões e expectativas de liberdade plantadas pela modernização tecnológica e industrial, responsáveis por difundirem a lógica do mercado e do capital. O autor observa que

A chamada modernização conservadora, imposta à sociedade brasileira com o golpe militar, mas que veio a se fazer sentir só por volta dos anos de 1970, tornou pouco verossímeis as idéias da existência de um feudalismo no campo brasileiro; ela encampou e quase eliminou os resquícios pré-capitalistas que pudessem haver no campo, a antiga oligarquia convertia-se cada vez mais numa burguesia agrária, a sociedade urbanizou-se de forma vertiginosamente rápida, praticamente não restaram tradições nacionais e populares camponesas em que se apegar para resistir à industria cultural (antes, esta apoderou-se dos aspectos conservadores das bandeiras nacionais e populares, para a própria legitimação). Tampouco sobraram ilusões coletivas acerca do caráter libertário que a modernização tecnológica e industrial traria em si mesma: o que se generalizou foi a espoliação dos trabalhadores e dos deserdados, submetidos à lógica selvagem do mercado e do capital. (RIDENTI, 1993, p. 80).

3.2 Elementos indicativos da modernização no oeste