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3.2 Elementos indicativos da modernização no oeste catarinense

3.2.1 O Modelo de Produção Agrícola Integrado ou “Integração”

Na esteira das substituições de importações e do projeto desenvolvimentista, internalizaram-se também capitais simbólicos e culturais, conhecimentos e práticas que objetivavam romper gargalos do processo de desenvolvimento industrial, agrícola e, no limite, societal. O papel da assistência técnica, via conhecimento e crédito financeiro, era entendido, nesse novo modelo de desenvolvimento, como fundamental para alterar o paradigma tradicional de produção e de trajetória histórica de atraso.

João Carlos Tedesco Na década de 1970, um número bastante significativo de famílias passou a se

“integrar” à agroindústria, fornecendo produtos como suínos, aves, fumo e, mais tarde,

leite para as empresas industrializarem e processarem em grande escala, exportando para todo o Brasil e várias partes do mundo. Ao se instalarem na região, tais indústrias promoveram a seu modo um determinado “projeto modernizador”. De que modo essa integração operou, modificando a vida das famílias “integradas”? Se pensarmos no próprio significado da palavra integrar ou integração, verificaremos que nele está contido um sentido de modernização com uma acentuada carga ideológica. Integração nos remete a algo, lugar, ou alguém que está de fora, está distante, está atrasado, está alheio e, portanto, “desintegrado” de determinados processos sociais que ocorrem no âmbito geral da sociedade e que a ela devem ser incorporados. As empresas integradoras então desempenham o papel de engendrar a integração. Integradas, as famílias, produzindo de modo capitalista, passam a se inserir e ficam mais expostas à

abertura dos mercados e à concorrência internacional, o que as coloca no contexto de uma certa modernização, comprometendo de certo modo a autonomia da produção. Feita dessa forma, a integração se apresentava como passaporte para a modernidade.

Para Maria Ignez Paulilo,

Tecnicamente esse sistema é definido como uma forma de articulação vertical entre empresas agroindustriais e pequenos produtores agrícolas, em que o processo de produção é organizado industrialmente, ou o mais próximo possível desse modelo, com aplicação maciça de tecnologia e capital. São produtores integrados aqueles que, recebendo insumos e orientação técnica de uma empresa agroindustrial, produzem matéria-prima exclusivamente para ela (PAULILO, 1987, p. 1).

No entanto, a autora critica os trabalhos que abordam a integração pelo fato de terem como foco central de análise as empresas integradoras e os seus mecanismos de controle e de extração do sobretrabalho, deixando de lado ou pouco falando sobre o produtor integrado, o outro pólo dessa relação.

Dele se fala apenas como “o explorado”, “o subordinado”, enfim, como o lado passivo, sem que haja uma preocupação maior com o que esses agricultores pensam de si mesmos e das empresas, como as opções que eles possam ter, mesmo que reduzidas, e com o lugar que a relação de integração ocupa em seu mundo (PAULILO, 1987, p. 4).

Para Paulilo (1997), a integração possibilitou a chance de o agricultor participar do processo de modernização. O crédito rural, cujo acesso era possibilitado através do pacote da modernização, permitiu aos agricultores incorporar benfeitorias em suas propriedades. Ainda que as instalações destinadas à produção para a agroindústria tivessem utilidade econômica reduzida, na percepção do agricultor representavam incremento em seu patrimônio.

Graziano da Silva (1982) compreende o modelo de integração como “formas subordinadas às agroindústrias”. Assim esclarece:

Nesse caso a apropriação do excedente dá-se através do financiamento dos insumos e da “assistência técnica”, que cria uma dependência do pequeno proprietário e a força a adotar um novo padrão técnico; e através da venda num mercado monopsônico da matéria-prima industrial por ele produzida. Nessa forma de articulação da agricultura com a indústria, a propriedade privada da terra detida pelo pequeno produtor e mesmo o caráter “independente” da sua produção ficam bastante descaracterizados (GRAZIANO DA SILVA, 1982, p. 129).

A Teologia da Libertação e a formação político-cristã de uma geração de jovens rurais militantes...

É relevante dizer que o “pacote” de modernização agrícola não deve ser analisado como algo imposto de cima para baixo. Os agricultores também aderiram às inovações, tendo seus próprios interesses. Como já ressaltado, as linhas de crédito eram vistas pelos agricultores como uma maneira de aperfeiçoar o estabelecimento agrícola através do aumento de benfeitorias como galpões, pocilgas, estufas, estrebarias, entre outras coisas. Isso, na ótica do agricultor, é muito relevante, pois produz um efeito em seus pares: na aparência causava a impressão de que aquele que aumentasse o número de benfeitorias era melhor sucedido que os demais ou estava se sobressaindo aos seus em termos de aumento do seu capital e, conseqüentemente, agregando valor ao seu estabelecimento. O sistema de produção integrada também sempre promovia constantes mudanças de ordem tecnológica no estabelecimento do “Integrado”, o que dava a impressão de que aquele agricultor estava melhorando suas condições de vida, quando na verdade isso era apenas ilusório, pois ele se tornava a cada dia mais dependente, ficando sempre na espera de um certo “progresso” prometido, algo que nunca se concretizou.

Quanto ao lugar ou papel das novas gerações nesse processo, no interior das famílias, pode-se afirmar que os adultos pouco recorriam a elas para saber suas opiniões, sugestões sobre aderir ou não ao modelo integrado ou de que maneira aderir. À juventude restava a adesão calada às decisões dos adultos, principalmente aquelas vindas da autoridade paterna que tudo decidia e a ninguém consultava. Não havia lugar para a participação juvenil nos processos decisórios e nas definições de projetos para os filhos. Aliás, havia possibilidade de projeto para os filhos? Aos jovens, somente um lugar: o duro peso do trabalho. Reconhecido como portador da Moratória Vital, capital energético, um plus do qual o jovem dispõe e que o permite usufruir como um excedente temporal que o diferencia dos não-jovens (MARGULIS, 2000), o trabalho pesado lhe caía como uma luva, sem ninguém se interrogar se a ele estava sendo dado o direito de escolha. Sufocado pelo labor e pela falta de possibilidades, o jovem se situa numa espécie de caminho sem volta onde a única coisa que alimenta sua permanência ou aceitação da permanência no campo é a sua grande capacidade de articular no seu universo e a seu modo a manutenção das esperanças.

Paralelamente às formas integradas de produção, ocorria a entrada do uso da química nas lavouras, expansão da Revolução Verde, campanha iniciada nos Estados Unidos durante a década de 1960, onde se implementou a mecanização e o uso de defensivos químicos nas lavouras. A Revolução Verde foi uma “denominação dada ao

conjunto de inovações que permitiram grande aumento de produtividade no meio rural” (MOREIRA, 1994, p. 14) e se iniciou na região deste estudo apenas uma década mais tarde, anunciando um novo modelo de agricultura. O chamado sistema de integração provocou uma mudança no modelo de agricultura que conduziu à passagem do modo tradicional de subsistência para uma produção integrada à agroindústria e à grande indústria.

Desse modo, a realidade da agricultura do oeste catarinense, em correlação com a realidade da agricultura brasileira, entrava em processo acelerado de industrialização, de avanço agressivo do capitalismo no campo, com muitas migrações e êxodo rural, tendo como seqüela o empobrecimento da população. Um dos eventos que marcaram o início da implementação desse modelo de agricultura ligado à grande indústria foi um fato marcante para os pequenos agricultores da região oeste, a saber, a Peste Suína Africana.