2 MOÇAMBIQUE E A LÍNGUA PORTUGUESA
2.2 PORTUGUÊS MOÇAMBICANO
2.2.2 Língua portuguesa de Moçambique
A coexistência da língua europeia com as línguas bantu provocaram algumas
alterações na norma do português. A norma europeia do português em contato com o
contexto sociocultural multilíngue moçambicano passou por um processo de
moçambicanização, fazendo emergir uma vertente moçambicana da língua portuguesa.
As modificações resultantes desse processo natural são mais evidentes na linguagem
oral, já que a escrita, de um modo geral, permanece muito próxima da norma padrão europeia.
Entretanto, essas transformações já permitem afirmar a existência de uma nova variedade
linguística: o português moçambicano.
Lopes (1997, p.40) afirma que: “O Português vem sendo modificado na pronúncia, na
gramática e discurso. As palavras são usadas de maneira diferente e novas palavras são
introduzidas [...] a mudança é natural e inevitável [...]”. Alguns estudos acerca das influências
das línguas nacionais na língua oficial ‘estrangeira’ demonstram que são perceptíveis as
nuances nos campos fonético-fonológico, morfológico e sintático.
É o que apontam, por exemplo, os estudos de Vilela (1999, p.175-195), que resumimos
abaixo:
a) plano fonético-fonológico: constata-se a nasalização incompleta, a não distinção entre
algumas consoantes áfonas e surdas (/d/, /t/, e /k/,/g/), a não distinção entre /l/ e /r/ e a
não distinção entre /r/ e /R/. Além disso, são comuns as eliminações dos grupos
consonantais, como por exemplo, na palavra dificuldade em que se desfaz o grupo
consonantal ld ao se pronunciar [difikulidadi];
b) plano morfológico: são comuns ausências de artigos, por exemplo, Fui buscar livro;
diferenças no uso dos pronomes, o lhe é usado em substituição ao o/a e vice-versa; e a
conjugação verbal, Eu compra lápis;
c) plano sintático: há diferenças no posicionamento do complemento direto e indireto na
frase, Era o comandante a explicar a situação militar; e o emprego frequente de
passivas, Eu fui nascido em Maputo;
d) plano semântico: o sentido da palavra adquire novos significados em diferentes
regiões do país, com por exemplo, a palavra grávida que para falantes da língua
E-cuabo, falada pela população de Quelimane e Milanje, significa não manter relações
extraconjugais; e, para falantes da língua Cinyungwe, comum na Zambézia, mantém o
sentido de gestação ou adquire o sentido de barriga grande.
Significativas mudanças como essas são positivas, pois confirmam a independência
dessa jovem nação, bem como a construção de uma identidade linguística própria e reafirma a
cultura local, uma vez que entendemos que são as alterações linguísticas sofridas no padrão da
língua europeia que tornam esta mesma língua legitima da comunidade moçambicana.
A presença da língua portuguesa em Moçambique é inegável herança do processo
colonial português, mas também compreendemos, ao observar o seu papel atual, que ao se
constituir como uma nova variedade, a língua portuguesa deixa de “estar em” Moçambique
para “ser de” Moçambique, com características peculiares que a diferencia das normas
europeia e brasileira, por exemplo.
Essa variedade linguística recebeu dos investigadores moçambicanos as seguintes
designações: (a) português de Moçambique, (b) português moçambicano, ou simplesmente (c)
português. Os linguistas que assim denominaram essa nova modalidade são respectivamente
Mendes (2000), Lopes (1977) e Firmino (2002), este último, muitas vezes, também usa o
termo Português em Moçambique. Já a linguista Gonçalves (1996) utiliza tanto o termo
português de Moçambique quanto português moçambicano (cf. MENDES, 2010).
Independentemente da designação adotada, Mendes (2010, p.30) ressalta que:
Os principais factores, que têm contribuído para as suas características, são: a contextualização do país; a difusão do Português nos meios rurais e suburbanos; o contacto com outras línguas faladas em Moçambique, tais como Línguas Moçambicanas e o Inglês; a evolução tecnológica, a valorização da tradição e da cultura moçambicanas.
O português moçambicano, adotando a denominação proposta por Lopes (1997),
Português Moçambicano, é símbolo de identidade e de unidade e da diversidade
moçambicana. Essa modalidade linguística também identifica e diferencia Moçambique dos
demais países de língua oficial portuguesa. A língua, ao mesmo tempo em que une, diferencia
o povo moçambicano no universo da Lusofonia.
3 LUSOFONIA E IDENTIDADE
É nesta misteriosa dualidade entre diferença e unidade que a lusofonia se vem cerzindo no espaço e no tempo aproximando o que, doutro modo, se veria afastado, concertando o que, noutras condições, se veria divido.
Roberto Carneiro14
Toda identidade se define em relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença [...]. Porém a identidade possui uma outra dimensão, que é interna. Dizer que somos diferentes não basta, é necessário mostrar em que nos identificamos.
Renato Ortiz15
Para o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP)
16, Lusofonia pode ser
entendida como um (1) conjunto político-cultural dos falantes de português; (2) a divulgação
da língua portuguesa no mundo; e a (3) condição de lusófono.
Segundo o dicionário Aurélio (1999, p.1241), Lusofonia é a (1) adoção da língua
portuguesa como língua de cultura ou língua franca por quem não a tem como vernácula, tal
ocorre, por exemplo, em vários países de colonização portuguesa; e como uma (2)
comunidade formada por povos que habitualmente falam português.
De acordo com o dicionário Houaiss (2009, p.1203), a Lusofonia é um:
(1) conjunto daqueles que falam o português como língua materna ou não. (1.1) conjunto de países que têm o português como idioma oficial ou dominante [A Lusofonia abrange, além de Portugal, os países de colonização portuguesa, a saber: Brasil, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, abrange ainda as variedades faladas por parte
14
Roberto Carneiro escreveu o prefácio da obra Da Lusitanidade à Lusofonia, de Fernando Cristóvão. Atualmente é professor associado da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, presidente do Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa e do Instituto de Ensino e Formação a Distância. Atuou no Ministério da Educação de Portugal entre 1973 e 1979.
15
Roberto Ortiz é doutor em Sociologia e Antropologia pela École des Hautes Études em Sciences Sociales (Paris). Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Campinas (São Paulo – Brasil). Entre suas obras publicadas, destacam-se Mundialização: saberes e crenças e Cultura Brasileira e Identidade Nacional.
16
O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP) é um dicionário europeu eletrônico disponível em <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=lusofonia>
da população de Goa, Damão e Macau na Ásia, e tb. a variedade do Timor na Oceania].