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Academic year: 2022

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

CURSO DE DOUTORADO

BEATRIZ PEREIRA DE SANTANA

MOÇAMBIQUE É MANINGUE NICE:

reflexões sobre lusofonia e identidade

SÃO PAULO

2013

(2)

BEATRIZ PEREIRA DE SANTANA

MOÇAMBIQUE É MANINGUE NICE:

reflexões sobre lusofonia e identidade

Tese apresentada à linha de pesquisa Linguagem, educação e estudos lusófonos do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Regina Helena Pires de Brito.

SÃO PAULO

2013

(3)

S232m Santana, Beatriz Pereira de.

Moçambique é maninguenice : reflexões sobre lusofonia e identidade / Beatriz Pereira de Santana - 2013.

160 f. : il. ; 30 cm.

Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.

Referências bibliográficas: f. 105-108.

1. Lusofonia. 2. Identidade. 3. Língua Portuguesa.

4. Moçambique. I. Título.

CDD 401.4679

(4)

BEATRIZ PEREIRA DE SANTANA

MOÇAMBIQUE É MANINGUE NICE:

reflexões sobre lusofonia e identidade

Tese apresentada à linha de pesquisa Linguagem, educação e estudos lusófonos do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora em Letras.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Regina Helena Pires de Brito Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Neusa Maria de Oliveira Bastos Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Vima Lia de Rossi Martin Universidade de São Paulo

Prof. Dr. Eliseu Mabasso Universidade Eduardo Mondlane

Prof. Dr. Carlos Augusto Andrade

Universidade Cruzeiro do Sul

(5)

Aos negros, aos pobres e às mulheres.

(6)

AGRADECIMENTOS

A Deus que, na sua infinita bondade e misericórdia, concedeu-me a Graça da conclusão deste trabalho.

A minha mãe, exemplo de fé.

A meu irmão, exemplo de perseverança.

A minha família, as minhas primas Elaine e Patrícia, pelo companheirismo e pela presença constante em minha vida.

À Profa. Dra. Regina Helena Pires de Brito, pela orientação e pelos conhecimentos partilhados não só na orientação deste trabalho, mas ao longo de toda a minha vida acadêmica.

À Profa. Dra. Vima Lia e à Profa. Dra. Neusa Bastos, pelas relevantes contribuições na banca de qualificação.

Ao Prof. Dr. Armando Jorge Lopes, então Diretor da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique), por autorizar a realização desta pesquisa de campo no ano de 2011; ao Prof. Dr. Eliseu Mabasso, pela colaboração na coleta de dados;

e aos professores moçambicanos entrevistados.

Ao Prof. Dr. Pedro Ronzelli Júnior e À Profa. Dra. Sandra Maria Dotto Stump, a minha eterna gratidão pelo incentivo à minha vida acadêmica e profissional.

Aos amigos e amigas, com quem, por diversas vezes, compartilhei dificuldades e avanços deste trabalho, pelo incentivo, carinho e pela gratificante e gratuita convivência.

À Profa. Nancy Arakaki por ter intermediado o meu contato com o Prof. Dr. Armando Jorge Lopes.

Ao Mackpesquisa, agência de fomento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela reserva

técnica, a qual possibilitou financeiramente a viagem para a realização da pesquisa de campo.

(7)

Do fundo desta noite que persiste

A me envolver em breu - eterno e espesso, A qualquer deus - se algum acaso existe, Por mi’alma insubjugável agradeço.

Nas garras do destino e seus estragos, Sob os golpes que o acaso atira e acerta, Nunca me lamentei - e ainda trago

Minha cabeça - embora em sangue - ereta.

Além deste oceano de lamúria,

Somente o Horror das trevas se divisa;

Porém o tempo, a consumir-se em fúria, Não me amedronta, nem me martiriza.

Por ser estreita a senda - eu não declino, Nem por pesada a mão que o mundo espalma;

Eu sou dono e senhor de meu destino;

Eu sou o comandante de minha alma.

(Invictus, William E Henley, tradução de André C S Masini)

(8)

RESUMO

Esta tese de doutorado, buscando contribuir para os estudos acerca da Lusofonia, propôs-se a discutir o papel da língua portuguesa como elemento identitário do povo moçambicano, bem como o conceito de Lusofonia. Para tanto, este trabalho científico apresentou como objetivos de pesquisa (1) discutir os conceitos atribuídos ao termo Lusofonia, buscando identificar e relacionar o mais adequado à proposta desta pesquisa; (2) abordar o conceito de identidade e de identidade linguística; (3) verificar se há características que delineiam uma identidade lusófona; (4) contextualizar histórica e linguisticamente Moçambique; (5) averiguar se há identificação dos moçambicanos com a língua portuguesa e se por ela se sentem representados. O universo teórico compilado sobre Lusofonia e Identidade fundamentou-se respectivamente nos autores Brito e Martins (2002, 2004 e 2005), Cristóvão (2008), Lourenço (2001) e Rosário (2007e 2012); e Bauman (2005), Mattoso (1998), Hall (2006). Ainda no plano teórico, para tratar do contexto histórico-linguístico de Moçambique, recorremos aos investigadores moçambicanos Firmino (2002), Lopes (1997, 2002 e 2004) e Gonçalves (1997, 2007). A metodologia de pesquisa adotada baseou-se não só na pesquisa bibliográfica – por meio da leitura reflexiva de livros, periódicos científicos e sites especializados nas áreas de Lusofonia, Identidade e Moçambique – como também se constitui por meio de pesquisa in loco. A pesquisa de campo foi realizada por meio de entrevistas – com perguntas fechadas e abertas, tendo sido entrevistados 11 professores moçambicanos, constituindo o corpus de análise deste trabalho, o qual se encontra dividido em cinco capítulos. O primeiro relata a escolha do tema, os objetivos, a trajetória da pesquisa e a estrutura final da tese apresentada.

O segundo capítulo trata, respectivamente, dos conceitos básicos sobre Lusofonia e Identidade. Na sequência, temos o terceiro capítulo que apresenta o contexto histórico- linguístico moçambicano. O quarto destina-se à análise do corpus. O último capítulo, mediante os resultados da análise, aponta para a língua portuguesa como elemento identitário do povo moçambicano, embora a sensação de pertença ao universo lusófono não esteja tão evidente em Moçambique.

Palavras-chave: Lusofonia. Identidade. Língua Portuguesa. Moçambique.

(9)

ABSTRACT

This Ph. D. Thesis, seeking to contribute to Lusophone studies, proposes to discuss the role of Portuguese language as an identity element of the Mozambican people, as well as the concept of Lusophony. Therefore, this scientific work has as research goals (1) to discuss the concepts attributed to the term Lusophony, seeking to identify and relate the most suitable for the proposal of this research; (2) to address the concept of identity and linguistic identity; (3) to verify if there are features that delineate a Lusophone identity; (4) to historically and linguistically contextualize Mozambique; (5) to determine whether Mozambicans identify themselves with Portuguese language and whether they feel represented by it. The theoretical universe compiled on Lusophony and Identity was based respectively on Brito and Martins (2002, 2004 and 2005), Cristóvão (2008), Lourenço (2001) and Rosário (2007 and 2012); and Bauman (2005), Mattoso (1998), Hall (2006). In order to address the historical-linguistic context of Mozambique, we have referred to Mozambican researchers Firmino (2002), Lopes (1997, 2002 and 2004) and Gonçalves (1997 and 2007). Research methodology was based not only on the literature review – through reflective reading of books, journals and specialized websites on Lusophony, Identity and Mozambique – but also on on-site research. Field research was conducted through interviews – with open and closed questions, and 11 Mozambicans teachers were interviewed, constituting the corpus of this study, which is divided into five chapters. The first chapter reports the choice of the subject, the objectives, the research trajectory and the final structure of the thesis. The second chapter addresses, respectively, the basic concepts on Lusophony and Identity. The historical-linguistic context of Mozambique is presented on the third chapter. The fourth chapter is dedicated to corpus analysis. The last chapter, based on analysis results, points the Portuguese language as an identity element of the Mozambican people, although the sense of belonging to the Lusophone world is not as evident in Mozambique.

Keywords: Lusophony. Identity. Portuguese Language. Mozambique.

(10)

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Mapa do Continente Africano ... 18

Figura 2: Moçambique ... 19

Figura 3: Norte de Moçambique ... 20

Figura 4: Centro de Moçambique ... 20

Figura 5: Sul de Moçambique ... 21

Figura 6: Agrupamento linguístico ... 21

Figura 7: Línguas autóctones de Niassa ... 22

Figura 8: Línguas autóctones de Cabo Delgado ... 23

Figura 9: Línguas autóctones de Nampula ... 23

Figura 10: Línguas autóctones de Zambézia ... 23

Figura 11: Línguas autóctones de Tete ... 24

Figura 12: Línguas autóctones de Manica ... 24

Figura 13: Línguas autóctones de Sofala ... 24

Figura 14: Línguas autóctones de Inhambane ... 25

Figura 15: Línguas autóctones de Gaza ... 25

Figura 16: Línguas autóctones de Maputo ... 25

Figura 17: Convergência Lusófona ... 49

Figura 18: Conjunto Lusitanismo ... 50

Figura 19: Conjunto Lusofonia ... 50

Figura 20: Afinal o que é Lusofonia? ... 56

Figura 21: Mapa dos PALOP ... 60

Figura 22: Logomarca da CPLP ... 62

Figura 23: Mapa dos Estados-membros da CPLP ... 63

Figura 24: Mapa do Espaço Lusófono ... 65

Figura 25: Intersecção geográfica do universo lusófono ... 66

Figura 26: Contexto histórico versus Nascimento ... 84

Figura 27: Línguas faladas pelos professores entrevistados... 85

Figura 28: Período histórico versus línguas moçambicanas... 85

Figura 29: Formação e atuação profissional dos entrevistados ... 86

(11)

SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 12

2 MOÇAMBIQUE E A LÍNGUA PORTUGUESA ... 17

2.1 PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM MOÇAMBIQUE ... 26

2.1.1 Período colonial ... 27

2.1.2 Período pós-colonial... 32

2.2 PORTUGUÊS MOÇAMBICANO ... 36

2.2.1 Língua portuguesa em Moçambique ... 36

2.2.2 Língua portuguesa de Moçambique... 39

3 LUSOFONIA E IDENTIDADE ... 41

3.1 LUSOFONIA: CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ... 43

3.2 LUSOFONIA: CONTINENTE IMAGINÁRIO ... 59

3.3 IDENTIDADE: CONCEITO EM CONSTRUÇÃO ... 68

3.3.1 Identidade nacional e identidade linguística ... 71

4 MOÇAMBIQUE É MANINGUE NICE ... 81

4.1 PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO ... 82

4.2 PERFIL DOS ENTREVISTADOS ... 83

4.3 A LÍNGUA PORTUGUESA É NOSSA, É MOÇAMBICANA ... 86

4.4 MOÇAMBIQUE: LUSÓFONO: SER OU NÃO SER? EIS A QUESTÃO ... 89

4.5 SER MOÇAMBICANO ... 99

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 101

REFERÊNCIAS ... 105

APÊNDICE ... 109

ANEXOS ... 111

(12)

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A emoção e a razão são irmãs siamesas que, juntas, nos movem para uma reflexão. [...] Mas isso não pode nos impedir de fazer uma reflexão objetiva [...].

Kabengele Munanga1

É sabido que toda tese é um texto dissertativo-argumentativo, pelo qual é apresentada e defendida uma ideia, posição ou opinião a respeito de um determinado tema. Para que se cumpra esse objetivo – o de mostrar a veracidade ou a propriedade do ponto de vista defendido, esses tipos de textos não podem estar vinculados pessoal e subjetivamente ao autor, mas apresentados como “além” do autor, como pertencente a todos.

Dessa maneira, textos de ordem acadêmica e científica devem ser redigidos de forma neutra, impessoal, ocultando-se o agente das ações, isto é, o autor. Para se atingir isso gramaticalmente, as coerções que circunscrevem uma tese exigem o uso da terceira pessoa do plural, a ocultação do sujeito pelo emprego de expressões como “é preciso”, “é necessário”, ou ainda pelo uso gramatical do sujeito indeterminado e da voz passiva, estabelecendo, assim, uma aparente neutralidade. Entretanto, apesar de saber disso, parafraseando Munanga, a introdução desta tese será redigida em primeira pessoa do singular, pela certeza de que a emoção e a razão, juntas, moveram esta pesquisadora a uma reflexão objetiva sobre as questões linguísticas e identitárias de Moçambique.

Por que Moçambique? Esta é uma pergunta que habitualmente passou a ser respondida por mim todas as vezes que abordei sobre a temática desta tese, embora esta não

1Kabelege Munangapossui Graduação em Antropologia Cultural pela Université Officielle Du Congo à Lubumbashi (1969) e Doutorado em Ciências Sociais (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (1977). Atualmente é Professor Titular da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia das Populações Afro-Brasileiras, atuando principalmente nos seguintes temas:

racismo, identidade, identidade negra, África e Brasil. É autor da obra Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra.

(13)

seja minha primeira incursão sobre o contexto de Moçambique, e, portanto, na esfera da Lusofonia.

O interesse por Moçambique não é tão antigo assim, data da primeira década deste milênio e nasceu de uma curiosidade acerca da fala de um professor moçambicano, Eduardo Namburete, no Congresso Internacional sobre Lusofonia, realizado pelo IP-PUC-SP, em 2004.

Vislumbrei, naquele discurso, a possibilidade de conhecer um pouco (ou muito) mais sobre a África. Uma África, até então, por mim desconhecida. A África não só de pobreza e misérias, como normalmente divulga a imprensa, mas também de riquezas culturais e linguísticas, como contam população e estudiosos africanos.

Desse fascínio, resultou a dissertação de Mestrado em Letras, intitulada Constituições Moçambicanas na perspectiva da análise do discurso, defendida em 2006, sob a orientação da professora Dra. Regina Helena Pires de Brito, na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Acreditava que ao final da pesquisa de mestrado, o meu interesse científico pela língua portuguesa em Moçambique estaria saciada. Ledo engano! O fim do mestrado aguçou ainda mais o meu encanto por aquele país.

Desse encanto, resultou uma paixão, que acabou transcendendo em muito a si mesmo, pois percebi ali certa identidade com a minha condição de pertencimento a um país de língua oficial portuguesa, o Brasil, também colonizado por portugueses.

Embora saiba que a ciência exige um contexto racional, foi nessa conjectura emocional que percebi a possibilidade de discutir o papel da língua portuguesa como elemento identitário para o povo moçambicano, bem como o conceito de Lusofonia.

Despertada essa curiosidade, estabeleceram-se, a partir disso, os objetivos de pesquisa do Doutorado, que veio a acontecer, por razões pessoais, somente três anos após a obtenção do título de mestre.

No doutorado, colegas voltaram a perguntar: E, por que Moçambique?, já que uma das maiores dificuldades para discorrer acerca desse tema está em localizar literatura especializada que retrate a história de Moçambique, tanto no período colonial quanto no pós- colonial, no que se refere não só à questão linguística, mas também aos aspectos sócio- histórico-político-cultural que constituem a sua identidade.

Por paradoxal que pareça, foi essa escassez de material bibliográfico que me

impulsionou a escolher o objeto de investigação, na expectativa de que o presente trabalho

(14)

possa contribuir para as investigações científicas acerca de outros universos lusófonos – nesta tese em específico Moçambique – pois a maioria dos estudos enfaticamente se concentra no Brasil e em Portugal. E, mais ainda, que venha a despertar interesse para outras pesquisas sobre identidade linguística dos demais países em que o português é a língua oficial.

Nos últimos dez anos, estudos referentes à Lusofonia tem se tornado mais frequente na área de Letras, provavelmente porque provocam reflexões linguístico-culturais e identitárias acerca de países que no passado estiveram sob o domínio do colonialismo português: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, os quais apresentam como denominador comum a língua portuguesa. Além desses países, fazem parte do universo lusófono Portugal e os outros países cujo idioma português de alguma forma se faz presente, ainda que em pequenas comunidades, como por exemplo, Goa e Macau.

Outro fator, de valor científico, que levou ao interesse por Moçambique é o fato de ser uma nação que sempre vivenciou uma enredada situação linguística devido à diversidade de línguas nacionais que coexistem com a língua portuguesa desde o período colonial e, oficialmente, a partir de 1990.

É da observação dessa enredada situação linguística moçambicana que se extraem as questões que norteiam esta investigação:

 Moçambique, país de língua oficial portuguesa, é considerado um país lusófono?

 A língua portuguesa, ainda que herança do colonizador, pode ser considerada elemento identitário do povo moçambicano?

Para responder aos problemas de pesquisa apresentados, pretendo, como objetivo geral, analisar em que medida a língua portuguesa tem sido (ou não), desde a sua implantação, elemento coesivo e identitário junto ao povo moçambicano.

Antes de seguir, faço aqui um parêntese. O desenvolvimento de uma tese de doutorado

é inviável sem o envolvimento do orientador. Considerando-se que minha orientadora, desde

2001, vem se dedicando ao conhecimento, à sistematização e à divulgação dos estudos

lusófonos nos meios acadêmicos, além de contribuir objetivamente para a construção e

desenvolvimento desta tese, a qual também tem relações acadêmicas com a temática lusófona,

passo a partir daqui a redigir esta introdução em primeira pessoa do plural, a fim de marcar

uma característica do desenvolvimento de uma tese, orientador e orientando, nós.

(15)

Para atingir o propósito inicialmente traçado, decidimos como específicos, os seguintes objetivos (1) discutir os conceitos atribuídos ao termo Lusofonia, buscando identificar e relacionar o mais adequado à proposta deste trabalho; (2) tratar dos conceitos de identidade e de identidade linguística; (3) verificar se há características que especificam uma identidade lusófona; (4) contextualizar histórica e linguisticamente Moçambique; (5) averiguar se o moçambicano identifica-se com a língua portuguesa e por ela se sente representado.

Esta pesquisa compreende, portanto, o universo teórico que versa sobre Lusofonia e Identidade, bem como abrange o contexto histórico-linguístico de Moçambique. Por esse motivo, a metodologia de pesquisa adotada baseia-se não só na pesquisa bibliográfica – por meio da leitura reflexiva de livros, periódicos científicos e sítios especializados nos tópicos de Lusofonia, Identidade e Moçambique – mas também se constitui por meio de pesquisa de campo, entrevistas dirigidas, com perguntas fechadas e abertas, as quais constituíram o corpus de análise. As entrevistas foram realizadas na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), na cidade de Maputo, em Moçambique, em outubro de 2011.

Estrutura-se esta tese em cinco capítulos. Neste primeiro, são relatadas a escolha do tema, os objetivos, a trajetória da pesquisa e a estruturação final da tese apresentada.

No segundo capítulo, apresentamos o contexto histórico-linguístico moçambicano, que versa sobre as línguas nacionais e a língua portuguesa. Para tanto, recorremos, especialmente, aos trabalhos dos moçambicanos Firmino (2002), Lopes (1997, 2002 e 2004) e Gonçalves (2007, 2010 e 2012).

Posteriormente, no terceiro capítulo, tratamos respectivamente os conceitos básicos sobre Lusofonia e identidade, sobretudo pautando-se respectivamente em Brito e Martins (2002, 2004 e 2005), Cristóvão (2008), Lourenço (2001) e Rosário (2007 e 2012); Bauman (2005), Mattoso (1998), Hall (2006).

O quarto capítulo destina-se à análise do corpus, procurando observar a língua

portuguesa como elemento identitário do moçambicano, bem como verificar se Moçambique

é uma nação que se sente e se percebe como parte do universo lusófono. O corpus é

constituído por 11 entrevistas realizadas com professores moçambicanos, de acordo com o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, na Universidade Eduardo Mondlane, em

Moçambique. Duas são as razões pela recolha do corpus in loco, a primeira deve-se a

ausência de estudos acerca de Moçambique publicados no Brasil e a segunda é a importância

(16)

de retratar Moçambique sob a perspectiva de moçambicanos. Por isso, apresentamos o corpus desta pesquisa científica nos anexos deste trabalho.

No último capítulo, tecemos as considerações finais acerca das ideias discutidas ao longo do texto, a fim de elucidar quais são as questões lusófonas e identitárias acerca de Moçambique, um país maningue nice

2

.

Por fim, o título atribuído a esta tese Moçambique é maningue nice: reflexões sobre lusofonia e identidade reflete a riqueza e a diversidade linguística moçambicana.

“Moçambique” é um nome derivado do árabe, “é” é o verbo ser, conjugado no presente do indicativo em língua portuguesa, “maningue” é um advérbio de intensidade de uma língua nacional moçambicana e “nice” é um adjetivo do inglês.

2 A expressão “Moçambique é maningue nice” foi título de um texto, publicado em 1997, de autoria do renomado sociólogo Dinis Manuel Alves (http://oficinadesociologia.blogspot.com.br/2010/02/mocambique-e- maningue-nice.html)

(17)

2 MOÇAMBIQUE E A LÍNGUA PORTUGUESA

3

Na memória de África e do Mundo Pátria bela dos que ousaram lutar Moçambique, o teu nome é liberdade O Sol de Junho para sempre brilhará (Hino Nacional Moçambicano)

É impossível separar o processo de implantação do idioma português em Moçambique do seu cenário de colonização. Para Gonçalves (2010, p. 27), “a situação lingüística actual de Moçambique, e, mais particularmente, a difusão e o estatuto do português resultam de um longo processo histórico, que teve o seu início com a chegada dos portugueses a este país [...]”.

Conforme narram os historiadores, a colonização portuguesa explorou e transformou, de acordo com seus interesses políticos, econômicos e culturais países, não só do continente africano (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe), mas também sul-americano (Brasil) e asiático (Timor-Leste), deixando como herança nesses locais a língua portuguesa como idioma oficial. Logo, Moçambique está dentre os países onde o português tem o estatuto de língua oficial. Entretanto, além da língua portuguesa são faladas cerca de vinte línguas bantu, que o caracteriza como um país multilíngue e multicultural.

Este capítulo apresenta os principais acontecimentos históricos que explicam o fato de Moçambique ser um país de língua oficial portuguesa. A reconstrução dessa memória é o ponto de partida escolhido para a compreensão do(s) papel(eis) que a língua portuguesa exerceu(e) em Moçambique, bem como a verificação da questão identitária entre Moçambique e a língua portuguesa, a fim de perceber-se como país integrante do universo lusófono (ou não), pontos discutidos no capítulo Moçambique é maningue nice.

3 Parte deste capítulo é uma releitura do primeiro capítulo, intitulado Contexto Histórico e Linguístico de Moçambique, da dissertação de mestrado desta autora.

(18)

Antes de adentrarmos nas questões de história e língua, considerando-se que muitos são os equívocos entre Moçambique, o país, e Moçambique, a ilha, é conveniente apresentar geograficamente o país.

O espaço territorial denominado Moçambique apresenta uma extensão de aproximadamente 800.000 km², com uma linha costeira de quase 3000 km, banhada pela imensidão do Oceano Índico (onde está a ilha de Moçambique). Moçambique está geograficamente situado a sudoeste da África (Figura 1)

4

com fronteiras ao norte com a Tanzânia; a noroeste com o Malawi e a Zâmbia; a oeste com o Zimbaubue e com a África do Sul; e a sul com a Suazilândia (Figura 2). dividindo-se em três zonas:

 norte: Niassa, Cabo Delgado e Nampula (Figura 3);

 central: Tete, Manica, Sofala e Zambézia (Figura 4); e

 sul: Gaza, Inhambane e Maputo (Figura 5).

4 O destaque para o país de Moçambique foi criado pelo designer Fábio Augusto Almada.

Figura 1: Mapa do Continente Africano

Fonte: http://www.only-maps.com/africa-map.html

(19)

Figura 2: Moçambique

Fonte:http://www.worldatlas.com/webimage/countrys/africa/ciamaps/mz-map.gif

(20)

Figura 3: Norte de Moçambique Fonte: http://www.mozambique.mz/

Figura 4: Centro de Moçambique Fonte: http://www.mozambique.mz/

(21)

Figura 5: Sul de Moçambique Fonte: http://www.mozambique.mz/

O último recenseamento, realizado no ano de 2007, constatou uma população de cerca de 20 milhões de habitantes. Moçambique é uma nação com treze agrupamentos étnicos (Suahilis, Macuas-Lomués, Macondes, Ajauas, Marave, Nhanjas, Sena, Chuabo, Chonas, Angonis, Tsongas, Chopes, Bitongas); e oito grupos linguísticos: Swahili, Yao, Makua, Nyanja, Senga-Senga, Shona, Tswa-Ronga e Chope; que se subdividem em diversas línguas (FIRMINO, 2002. p.78-80):

Figura 6: Agrupamento Linguístico5

5 Este quadro foi elaborado de acordo com FIRMINO, 2002, p.78-80.

GRUPO LINGUÍSTICO

SWAHILI YAO MAKUA NYANJA SENGA- SENGA

SHONA TSWA- RONGA

CHOPI Línguas

Yao Makonde

Mabiha Mavia

Makua Lomwe Ngulu Cuabo Cuambo

Nyanja Cewa Mananja

Nsenga Kunda Nyungwe

Sena Ruwe Podzo

Korekore Zezuru Manyika

Tebe Ndau

Tswa Gwamba

Tsonga Ronga

Chopi Lenge Tonga Shengwe

(22)

Ao associarmos o número de línguas autóctones à quantidade de províncias e etnias, notamos a existência de uma pluralidade linguística moçambicana, uma vez que há, em média, duas línguas para cada província e/ou grupo étnico. Isso permite reconhecermos as características multiculturais e multiétnicas do povo moçambicano que são, na sua maioria, de origem Bantu e, na sua minoria, de origem asiática e europeia. As línguas autóctones constituem a língua materna para a maioria dos moçambicanos. De acordo com Firmino (2002, p.107):

As línguas autóctones são primeiramente usadas para a comunicação entre membros da família e parentes e, de um modo geral, entre pessoas da mesma origem étnica, nos domínios que qualificam estas línguas como baixas. Nas zonas rurais, as línguas autóctones são o meio primário de comunicação para todas as atividades, com uma virtual exclusão do Português e outras línguas.

Nas áreas suburbanas, as línguas autóctones são também largamente faladas, embora, em algumas interações sociais, o Português possa também ser usado.

De acordo com Firmino (2002, p. 80-103), o relatório do censo de 1980 enumerou a existência de 24 línguas nacionais

6

: Bitonga, Chope, Chuabo, Koti, Kunda, Lomwe, Maconde, Macua, Marendje, Mwani, Ngulu, Nsenga, Nyanja, Nyungwe, Phimbi, Ronga, Sena, Shona, Swahili, Swazi, Tsonga, Tswa, Yao, Zulu, as quais se encontram espalhadas pelas dez províncias de Moçambique: Cabo Delgado, Niassa, Nampula, Zambézia, Tete, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza e Maputo. Para melhor exemplificar o que se afirma, observamos as figuras abaixo:

Macua Nyanja Yao Ngulu

Total: 4 línguas

Figura 7: Línguas autóctones de Niassa

6 O Censo de 1980 apontava a existência de 24 línguas autóctones. Diferentemente do último recenseamento, realizado no ano de 2007 que relaciona 20 línguas nacionais.

(23)

Macua Mwani Swahili Maconde

Yao Ngulu

Total: 6 línguas

Figura 8: Línguas autóctones de Cabo Delgado

Koti Macua

Total: 2 línguas

Figura 9: Línguas autóctones de Nampula

Macua Chuabo

Nyanja Sena Lowne Marendje

Total: 6 línguas

Figura 10: Línguas autóctones de Zambézia

(24)

Nyanja Sena Nsenga Nyungwe

Shona Phimbi

Kunda

Total: 7 línguas

Figura 11: Línguas autóctones de Tete

Lomwe Tswa Chuabo

Tsonga Sena Nyungwe

Shona

Total: 7 línguas

Figura 12: Línguas autóctones de Manica

Sena Shona

Tswa Chuabo

Macua Lomwe

Total: 6 línguas

Figura 13: Línguas autóctones de Sofala

(25)

Tsonga Tswa Chope Bitonga

Shona

Total: 5 línguas

Figura 14: Línguas autóctones de Inhambane

Tsonga Tswa Chope Bitonga

Ronga

Total: 5 línguas

Figura 15: Línguas autóctones de Gaza

Tsonga Tswa Chope Bitonga

Ronga Zulu Swazi

Total:7 línguas

Figura 16: Línguas autóctones de Maputo

(26)

As línguas nacionais moçambicanas exercem um importante papel de comunicação interna entre seu povo, o que impede, portanto, que as mesmas deixem de ser usadas.

Entendemos, diante disso, a razão de constar na Constituição da República de Moçambique (1990), antes da institucionalização da língua portuguesa como língua oficial, um artigo

7

que faz referência sobre a promoção das línguas nacionais.

2.1 PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM MOÇAMBIQUE

No final do século XV, os habitantes moçambicanos viram chegar às suas terras, por meio de enormes embarcações, único transporte que ultrapassava as fronteiras geográficas – ainda não muito bem definidas – continentais e intercontinentais da época, pessoas de pele clara e de um falar acentuado por um chiado. Quem seriam aqueles “visitantes”? De onde vinham? O que buscavam? E que língua era aquela que falavam? Imaginamos que tenham sido estes alguns dos questionamentos do povo de pele negra e de línguas várias que ali habitava.

Os visitantes eram os portugueses, “desbravadores do mundo”. Partiram da Europa e buscavam “expandir-se comercialmente” – explorar comercialmente o minério, a agricultura e, também, os povos, já que sabemos historicamente que o tráfico humano tornou-se a principal atividade da “expansão comercial portuguesa” naquela região, conforme relato histórico publicado no sítio oficial de Moçambique:

Os Portugueses fixaram-se no litoral onde construíram as fortalezas de Sofala (1505), Ilha de Moçambique (1507). Só mais tarde através de processos de conquistas militares apoiadas pelas actividades missionárias e de comerciantes, penetraram para o interior onde estabelecerem algumas feitorias como a de Sena (1530), Quelimane (1544). O propósito, já não era o simples controlo do escoamento do ouro, mas sim de dominar o acesso às zonas produtoras do ouro. Esta fase da penetração mercantil é designada de fase de ouro. As outras duas últimas por fase de marfim e de escravos na

7 Art.9 O estado valoriza as línguas nacionais como património cultural e educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa identidade. Art. 10. Na república de Moçambique a língua portuguesa é a língua oficial. (MOCAMBIQUE, 1990).

(27)

medida em que os produtos mais procurados pelo mercantilismo eram exactamente o marfim e os escravos respectivamente. (s/d).

Iniciava-se ali, naquele pedaço de terras africanas, mais um “feito português”, o qual mudaria para sempre – como fez com tantos outros povos – a história inicialmente traçada pela cultura e pelos habitantes daquele continente, daquele espaço, daquele Moçambique.

Paralelamente, principiava-se o processo de implantação da língua portuguesa em Moçambique por meio do autoritarismo e da imposição dos colonos portugueses, que buscavam dominar os colonizados por meio da língua, sob o argumento da civilidade.

Séculos mais tarde, essa imposição, por questões políticas e ideológicas, foi reiterada pela FRELIMO (Frente de Libertação Moçambicana), ainda no início dos movimentos nacionais, por volta de 1960, e, posteriormente, mantida e oficializada pelo Governo Moçambicano, por meio da Constituição, publicada em 1990.

As razões da manutenção da língua portuguesa ao longo da história moçambicana são várias, como veremos ao longo deste capítulo. A presença portuguesa se fez dominante, mas não se fez perpétua. A língua portuguesa não se fez nem dominante, nem perpétua, mas se faz constantemente presente nos espaços moçambicanos, uma vez que é a única língua oficial, e, por vezes, moçambicana como poderá ser observado no item 2.2 deste capítulo.

2.1.1 Período colonial

As primeiras incursões portuguesas em terras moçambicanas ocorreram no final do

século XV para exploração de minério, especialmente o ouro, o qual era utilizado para a

aquisição de especiarias asiáticas; e de escravos, no século XVI, os quais eram exportados,

principalmente, para as Ilhas Mascarenhas, Madagáscar, Zanzibar, Golfo Pérsico, Brasil e

Cuba. Gonçalves (2000) relata que “[...] 1498 é o ano da chegada de Vasco da Gama a

Moçambique, podendo dizer-se que, a partir desta data, estão lançadas as bases histórico-

sociais para o uso do Português nesta região do globo”. Iniciavam-se, paralelamente à

(28)

exploração de riquezas naturais e humanas, os primeiros contatos entre Moçambique e o idioma português.

Entretanto, Gonçalves (2010, p.27) ressalta que “ainda que a presença portuguesa no país date dos finais do século XV, a comunidade moçambicana de falantes de português constitui-se muito recentemente, tendo sido praticamente nula a difusão desta língua durante os primeiros quatro séculos de colonização”. Uma das razões para uma propagação inicial vagarosa do idioma português pode ter sido o fato de os colonos portugueses terem encontrado a região já ocupada por outros povos, pois de acordo com Lopes (2004, p.17):

Os árabes, navegadores pioneiros no Oceano Índico já por volta do século VIII, foram os primeiros a monopolizar o comércio marítimo entre o Oriente e o Ocidente. Seguiram-se-lhes neste papel os indianos, os chineses e os indonésios. As rotas das especiarias e produtos de luxo associadas ao mito de riquezas inimagináveis atraiam o interesse dos ocidentais. Foi neste contexto que, em finais do século XV, os portugueses chegaram a Moçambique, a caminho da Índia, na viagem de descoberta da rota do Cabo realizada por Vasco da Gama [...].

Outra justificativa para a lenta difusão da língua portuguesa em territórios moçambicanos seria uma possível resistência cultural dessas populações que ali já estavam.

Ferreira (apud GONÇALVES, 2000) “lembra que a penetração dos portugueses em Moçambique foi muito mais difícil do que em Angola, visto que o islamismo já tinha ali estabelecido raízes profundas”.

A ocupação portuguesa em Moçambique viria a atingir seu ápice, presença efetiva, apenas com a Conferência de Berlim, em 1884, resultado da reunião de potências europeias para divisão das colônias da África em colônias, sobre o argumento da “civilização” de povos.

É nesse período que ocorre a ocupação sistemática de Moçambique, de maneira efetiva e crescente, pelos portugueses.

É diante dessa tentativa europeia de modelar o mundo à sua imagem e semelhança que

“se gestaram novas condições econômicas, políticas, sociais e culturais que deram ao mundo

hodierno seus contornos definidores [...], homogeneizando espaços e culturas, europeizando o

orbe terrestre.” (Navarro, 2004. p.229). Para Hull (2002, p.31), “os estados nascidos destas

divisões eram artificiais, agrupavam populações de diferentes línguas, tradições e religiões”.

(29)

Nesse contexto, houve desprezo pela realidade cultural e linguística do espaço africano por parte dos países europeus conferencistas o que implicou, por vezes, a divisão de um mesmo grupo étnico entre duas ou três potências, bem como a junção de grupos étnicos culturais opostos, os quais foram obrigados a conviver. Isso explica, por exemplo, muitos conflitos tribais que persistem na África até os dias atuais.

Em decorrência da “partilha da África”, a ocupação portuguesa em Moçambique transformou-se numa ocupação militar, numa verdadeira administração colonial, a qual, consequentemente, estendeu-se ao campo linguístico-cultural. No contexto cultural,sabemos historicamente que a colonização portuguesa efetivava-se primordialmente pela assimilação linguística, uma vez que as línguas locais eram proibidas de serem utilizadas nos domínios institucionais. Lopes (1997, p.16) lembra que:

Durante o período colonial, eram essencialmente dois os termos usados pelos colonos para se referirem às línguas que desde há séculos eram faladas em Moçambique dialectose línguas indígenas (ocasionalmente também chamadas ‘nativas’ ou ‘autóctones’). [...]. No contexto colonial, ambos os termos eram usados pejorativamente, significando que as pessoas falavam qualquer coisa primitiva e pouco digna de um ser humano. Reconhecia-se apenas uma única língua, o Português, o resto eram sons não articulados.

Segundo Macagno (s/d, p.1),

Durante a etapa colonial (1895-1974) Portugal manteve para Moçambique um discurso assimilacionista. Segundo esse discurso a língua portuguesa cumpriria um rol central para os indígenas se tornar assimilados e, desta forma, se emancipar dos seus “usos e costumes”.

Somente no século XIX que se inicia a difusão da língua portuguesa por todo o território moçambicano. Aprender a língua do colonizador tornava-se imprescindível em toda e qualquer colônia portuguesa dada à necessidade do indivíduo se comunicar, uma vez que se havia estabelecido a língua do colonizador como única língua de ensino e de instâncias administrativas.

Nesse sentido, Firmino (2002, p. 114) assinala que:

(30)

Uma vez que a educação era fator-chave para obter as necessárias credenciais para a mobilidade social, o requisito do uso do Português como único meio de garantia que só os que dominassem esta língua podiam ter a oportunidade de ascender na sociedade.

No período colonial, a língua portuguesa funcionava mais como instrumento de aculturação do que de comunicação, pois, acreditava-se que, por meio do idioma, era possível tornar os colonizados semelhantes aos “civilizados”, aos colonos portugueses. De acordo com Boleo (1951, p.309),

Para nós, Portugueses, colonizar consiste em atrair as populações indígenas das nossas províncias do Ultramar à prática dos nossos hábitos e costumes, modelando as suas almas, adaptando às suas condições particulares, quanto possível, as nossas instituições [...]

Sentindo perfeitamente as diferenças profundas que existem entre o substrato étnico dum europeu e o do indígena africano, procura-se que o culturalmente retardado vá subindo os degraus, segura e firmemente, daquela escada que conduz ao plano social em que se encontram com seus irmãos ‘brancos’, isto é, pretende-se trazer o negro, gradualmente, a uma mais alta civilização, ajudando-o física, intelectual e espiritualmente. (grifo nosso)

Efetivamente, nesse período, os portugueses entendiam que colonizar, além de explorar recursos humanos e minerais, consistia na aculturação, a “elevação” de negros à categoria de assimilados. Colonizar era um ato cultural que beneficiava não só à população colonizada, mas o mundo, uma vez que o “culturalmente retardado” seria elevado ao plano social da mais alta civilização, onde se encontravam “seus irmãos brancos”.

Para Mondlane (apud ROCHA, 1998. p.317), o procedimento de aculturação “tratava- se de um projeto cultural que possibilitava ao assimilado legalmente beneficiar de todas as facilidades dos brancos, e supostamente ter as mesmas oportunidades educacionais e de progresso”. Sob essa perspectiva, o português representava simbolicamente a “civilização”;

isto é, aqueles moçambicanos que demonstrassem domínio dessa língua europeia eram considerados “civilizados”. A língua portuguesa havia se tornado uma espécie de passaporte para a cidadania portuguesa, o encontro com “os irmãos brancos”.

A “missão civilizadora” portuguesa consistia, na realidade, numa assimilação cultural,

por meio da qual o povo moçambicano, em seu próprio território, via-se obrigado a aprender

uma língua desconhecida para integrar-se à rede de ensino e cultura de um país que não era o

seu. Nas palavras de Namburete (2006, p.66), civilizar consistia em “transformar os povos

(31)

colonizados em portugueses negros”. A língua portuguesa, então, proporcionava um novo segmento social moçambicano: a classe dos evoluídos. Esses moçambicanos assimilados “se tornavam precursores e representantes da classe dos pretos acima dos indígenas”.

(NAMBURETE, 2006. p.66). Essa situação criava um novo segmento social, uma vez que essa pequena elite negra moçambicana, embora não tivesse o estatuto de “cidadão português”, também não se encaixava na classe dos chamados indígenas. Iniciava-se, assim, a estratificação social moçambicana. “Os moçambicanos que falam a língua portuguesa adquiriram através desta língua um poder sem precedentes no que se refere à sua mobilidade e ascensão social” (LOPES, 1997. p.23).

Instituía-se, assim, o uso do português em terras moçambicanas. Contudo, a imposição desse idioma, ainda no período colonial, assumiu outros papéis: com o surgimento dos movimentos nacionalistas, a língua portuguesa passou a exercer papel decisivo na comunicação entre os combatentes, o que lhe asseguraria mais tarde o papel de língua oficial de Moçambique.

No século XX, por volta de 1960, começaram a surgir os primeiros grupos nacionalistas moçambicanos em prol da independência. Dentre eles, a Frente de Libertação de Moçambique

8

(FRELIMO), sob a liderança de Eduardo Mondlane, firmou-se como o mais importante movimento e declarou luta armada contra o regime colonialista.

Em meio às questões políticas, irrompeu a questão linguística. Para que o movimento pudesse avançar, por todas as províncias, em busca da independência completa e total do território moçambicano, era necessário encontrar entre os membros das diferentes regiões uma língua que pudesse ser de entendimento de todos e que, ao mesmo tempo, permitisse conhecer o inimigo colonizador.

Em meio às diferentes línguas nacionais moçambicanas, a língua portuguesa foi selecionada para estabelecer a comunicação entre os combatentes. Uma das razões que justifica essa escolha é o fato de que, proibindo as línguas moçambicanas como meio de

8No início da década de 60, começaram a surgir os primeiros grupos nacionalistas de Moçambique, que formaram partidos políticos, como por exemplo, a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), a Mozambique African National Union (MANO), a União Africana de Moçambique Independente (UNAMO) e a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Os três primeiros partidos defendiam ideias regionalistas, porque acreditavam que o caminho para a independência era a libertação do país por regiões; diferentemente da FRELIMO, favorável a uma ação que integrasse todas as regiões, um movimento nacional. A FRELIMO, sob a liderança de Eduardo Mondlane, conseguiu se impor como o mais importante movimento, ao convencer alguns membros dos demais grupos políticos de que juntos poderiam atingir o objetivo de tornar Moçambique livre de Portugal e transformá-lo num Estado-Nação-nação. (SANTANA, 2006, p.23)

(32)

comunicação entre guerrilheiros, era possível materializar o espírito da unidade nacional, pois todos os cidadãos passariam a falar uma só língua. (NAMBURETE, 2006. p.67). Notamos aqui que os dirigentes da FRELIMO perceberam, naquele momento, a importância de um idioma que pudesse neutralizar as diferenças étnicas entre os combatentes, unindo-os como um só povo, o povo moçambicano. Salientamos ainda que ao buscar um ponto em comum, estabelecia-se, ainda que de maneira sutil, uma identidade entre as diversas tribos ali existentes. Dessa forma, os grupos que se opunham étnica e culturalmente passavam a compartilhar uma mesma língua, a língua portuguesa. Acerca disso, Brito (2005, p.86) aponta que “[...] essa escolha do português como língua de movimento também provoca outra leitura, ligada à necessidade de conhecimentos técnicos para o manejo com o armamento utilizado na guerra [...]”.

Para Brito e Martins (2004, p.9),

[...] o português era a única língua que poderia nivelar as diferenças linguísticas, propiciar uma certa unidade no próprio movimento, além é claro, de ajudar a conhecer o opositor comum. Será, portanto, o português a língua dos dois lados da luta: do poder da metrópole e da resistência da colônia.

Assim, a língua do colonizador, nesse momento da história, tornava-se um dos elementos estratégicos de luta do colonizado. A língua europeia, que havia servido inicialmente como instrumento de colonização, passaria a contribuir para o processo de independência moçambicana, a qual ocorreu em 25 de junho de 1975.

2.1.2 Período pós-colonial

Moçambique independente adotou a língua de seu colonizador. Apesar das vinte

línguas moçambicanas (Cicopi, Cinyanja, Cinyungwe, Cisenga, Cishona, Ciyao, Echuwabo,

Ekoti, Elomwe, Gitonga, Maconde (ou shimakonde), Kimwani, Macua (ou emakhuwa),

(33)

Memane, Suaíli (ou kiswahili), Suazi (ou swazi), Xichanga, Xironga, Xitswa e Zulu)

9

comumente faladas pela população, a língua portuguesa tornou-se o único idioma a ser utilizado no governo, nas comunicações escritas, e, principalmente, na educação.

A estratégia de usar a língua portuguesa em detrimento das línguas autóctones proporcionava, assim como o que ocorreu entre os combatentes no período colonial, a comunicação entre as diferentes etnias da população moçambicana, garantindo uma unidade nacional. Segundo Gonçalves (1996, p. 17), “se por um lado, o [português] parecia oferecer mais garantias como língua de unidade nacional, [...] ao mesmo tempo permitia a comunicação com a comunidade internacional”. Sob esse olhar, entendemos que a língua portuguesa, então, assumia o papel de língua de unidade e de afirmação nacional moçambicana. Uma só língua, um só povo, além de ser o contato com o exterior.

Entretanto, há de se reconhecer que a motivação governamental para usar um idioma que não o seu, mas o do antigo colonizador tinha, antes de tudo, uma razão política: não privilegiar nenhum grupo étnico. Essa atitude pretendia evitar uma guerra civil entre tribos e impedir que o país se fragmentasse, mantendo-se, assim, a integridade da jovem nação-estado.

Contudo, essa escolha não foi o suficiente para impedir as guerras civis, Moçambique vivenciou embates internos, entre a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) a RENAMO

10

(Resistência Nacional Moçambicana) por quase duas décadas após a independência moçambicana.

Apesar disso, a intenção política de escolha da língua é evidenciada pelo linguista australiano Hull (2002, p.31),

9Fonte: MOÇAMBIQUE. Informação geral sobre Moçambique. Disponível em:

<http://www.portaldogoverno.gov.mz/Mozambique>. Data de acesso: 27 jan 2013.

10 Com a conquista da liberdade, conforme Colaço (2001, p.103), “permaneceu em Moçambique um Estado com características autoritárias e repressivas”, ocasionando no país uma profunda crise interna, decorrente da formação de um estado socialista. Diante desse contexto [...] Moçambique entrou em conflito com países vizinhos e sofreu com incursões militares em seu próprio território. A priori uma guerra sem nenhum projeto político, entregue a agentes da Rodésia e da África do Sul, cuja missão era desestabilizar Moçambique”. Por instigação desses países, no final dos anos 70, surgiu um movimento denominado Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), formado por indivíduos opositores à atuação da FRELIMO. “Boa parte da população não estava satisfeita com os procedimentos da nova ordem instaurada pela FRELIMO, principalmente em relação à sua política administrativas [...]”. A RENAMO tornou-se, então, o principal instrumento de desequilíbrio da presidência de Samora Machel e, consequentemente, do governo da FRELIMO.Como todo veículo de oposição governista, a RENAMO é apontada nos livros como um grupo de marginais sem posição ideológica, apenas como um movimento de baderneiros da África do Sul – um grupo de guerrilheiros – que tinha como função desestabilizar o país vizinho; e não como uma organização popular que buscava a implantação de um sistema político multipartidário e a realização de eleições presidenciais.(SANTANA, 2006. p.28)

(34)

[...] uma vez que não existia uma cultura comum, os novos governos viram- se impossibilitados de elevar um dos múltiplos vernáculos ao estatuto de língua nacional, devido ao receio de alienar grupos linguísticos minoritários.

Foi por esta razão que a maioria dos estados africanos decidiu manter como língua oficial a língua da sua antiga potência colonizadora – quer o inglês, o francês ou o português. A língua em questão, apesar de ser estrangeira na origem, tinha indubitavelmente a enorme vantagem de ser neutra.

Acerca disso, é curioso observar que a primeira Carta Magna da República, a Constituição Moçambicana, publicada em 1975, logo após a independência, não faz referência nem às línguas autóctones nem à língua portuguesa. Fato que nos leva a reconhecer a sagacidade política da FRELIMO, partido que assumiu o governo, pois oficializar a língua do colonizador como idioma oficial, logo após a independência, poderia gerar um conflito entre a população e o governo. Sendo assim, percebemos que a adoção da língua portuguesa, no período pós-colonial, ocorreu também de maneira ‘naturalmente’ impositiva.

O português apareceu nos documentos oficiais apenas quinze anos após a libertação, na reformulação do texto constitucional. Foi na segunda constituição, publicada em 1990, que os dirigentes moçambicanos assumiram a institucionalização da língua portuguesa como língua oficial em detrimento das línguas nacionais

11

.

Sabemos que a presença da língua portuguesa em Moçambique remonta ao período colonial, falada com certa regularidade e com falantes por todo o país. No entanto, não era, na época da independência, o idioma de conhecimento da maioria dos moçambicanos. Segundo o I Seminário Nacional de Informação, realizado em 1977, apenas 10% da população havia tido contato com o português. Em 1980, o Recenseamento Geral da População aponta um crescimento de 15% no número de falantes de língua portuguesa, ou seja, de 10% para 25%

da população, sendo que 1,2% tinha a língua portuguesa como língua-mãe.

Esses dados revelavam a multipluralidade linguística de Moçambique

12

, a qual é destacada por Lopes (2002, p.32):

11 De acordo com a Constituição da República Moçambicana, em seu artigo 9, “O Estado valoriza as línguas nacionais como patrimônio cultural e educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa identidade”. Em seu artigo 10, a lei de base oficializa a língua portuguesa, “Na República de Moçambique a língua portuguesa é a língua oficial”.

12 O relatório do Censo de 1980, segundo Firmino (2002, p.80-103), enumera a existência de 24 línguas nacionais.

(35)

Em Moçambique, a maior língua, o Emakhuwa, representa cerca de 25% da população total do país [...]. Este fato significa que, com base no conceito de elevada diversidade linguística13 e tendo em conta o factor numérico, nenhuma língua africana [...] está em condições de poder reivindicar, a nível nacional, o estatuto de língua maioritária [...] tal situação tende a reforçar o papel e o funcionamento veicular, a nível nacional, da língua exógena, como tem vindo a acontecer com a língua portuguesa.

Embora o Emakhuwa também fosse falado por 25% da população, diferentemente da língua portuguesa, a língua moçambicana não podia ser encontrada em todas as regiões do país, o que a caracterizava como específica de alguns grupos étnicos. Isso tudo a impedia de ser elevada a categoria de língua oficial. Nas considerações de Brito (2009, p.79-80), “essa realidade linguística, marcada pela multiplicidade de línguas, limita a comunicação mesmo entre os próprios moçambicanos que falam línguas nacionais diferentes – parece residir aí o papel fundamental (ou pelo menos a justificativa política desse papel) do status de oficial que cabe à língua portuguesa no território”.

Nesse sentido, uma reflexão acerca da implantação da língua portuguesa em Moçambique permite-nos perceber que num primeiro momento, a imposição da língua portuguesa, além de arbitrária, foi visivelmente preconceituosa e doutrinadora, desrespeitando a cultura e as línguas dos grupos étnicos ali existentes. Num segundo momento, também é autoritária, uma vez que é institucionalizada em detrimento das línguas nacionais moçambicanas. Entretanto, com propósitos diferentes do antigo colonizador, por pensar nas diferenças étnico-linguísticas é que se instituiu a língua portuguesa como oficial, pois com o estabelecimento desse idioma não se privilegiou nenhuma língua autóctone e, evitou-se, aquilo que acentuaria conflitos étnicos.

Não foi somente para impedir problemas étnicos que se oficializou a língua portuguesa, mas também, e principalmente, para tentar garantir a existência do Estado-Nação, já que a escolha de um único idioma conduz o povo, de certa forma, à sensação de pertencimento ao mesmo local, neste caso, a Moçambique, por atribuir-lhe algo em comum, uma identidade.

13 Robinson (apud LOPES, 2002. p.22) define o conceito de elevada diversidade linguísitca como “[...] uma situação em que não existe uma percentagem superior a 50% da população que fale a mesma língua”. É importante observar que a multiplicidade de línguas moçambicanas é reflexo da diversidade étnica de seu povo.

Cada língua nacional, na maioria das vezes, está associada a um grupo étnico, portanto, a uma determinada região moçambicana.

(36)

A identidade linguística, contudo, é um fator imprescindível para a unidade de uma nação, mas não é o único. Assim, reconhecemos que antes de uma unidade linguística, seria necessária uma unificação dos diferentes povos que se encontravam juntos no espaço territorial moçambicano, respeitando-se as diferenças étnicas e culturais de cada grupo.

2.2 PORTUGUÊS MOÇAMBICANO

Para alguns estudiosos moçambicanos, a institucionalização da língua portuguesa foi algo positivo, sendo considerada “politicamente correta” por ser neutra numa sociedade multiétnica e por promover a integração da jovem nação independente no contexto mundial.

Para outros, essa imposição linguística foi negativa porque o fato de não ser um idioma nacional e de conhecimento da maioria da população não colaborava para a integração nacional e, ainda, reforçava a estagnação econômica, além de não representar uma identidade moçambicana.

Com estatuto de oficial, a língua portuguesa tinha, agora, uma nova missão, a responsabilidade de constituir uma identidade moçambicana, deixando de ser a língua portuguesa em Moçambique, para se tornar a língua portuguesa de Moçambique, a língua portuguesa moçambicana. Acreditamos que somente essa transformação poderia ratificar a escolha do português em detrimento das línguas autóctones, fazendo o abandonar o título de língua do colonizador para assumir a condição de língua do povo moçambicano.

2.2.1 Língua portuguesa em Moçambique

Apesar de a língua portuguesa se tornar o idioma oficial no país independente e passar

a ser o principal e o único veículo de transmissão de informação, cultura e conhecimento nos

espaços moçambicanos reservados ao governo, à educação e aos assuntos administrativos,

(37)

eram as línguas bantu que continuavam a estabelecer a comunicação nas relações familiares e entre amigos, caracterizando-se como língua de afeto. Diante disso, o governo percebia cada vez mais a necessidade de promover a difusão do português junto ao povo.

Essa disseminação ocorreu por meio de um processo basicamente escolar, o qual conforme relatam Brito e Martins (2004, p.9), apresentava muitas “dificuldades [...], pois [a língua portuguesa] é ensinada num meio em que é pouco falada, e os alunos não têm outro espaço que não a sala de aula para a praticarem, com a agravante de ser limitado o desempenho linguístico do professor”. Acerca desse assunto, é importante lembrar que as dificuldades e o fracasso escolar não podem ser considerados como resultados exclusivos de ações pedagógicas decorrentes do trabalho do professor e do empenho dos alunos. É imprescindível levar em considerações os aspectos sociais, históricos, políticos, ideológicos e linguísticos relacionados ao estatuto da língua portuguesa na sociedade moçambicana (DIAS, 2002).

A propagação da língua portuguesa encontrava, então, barreiras diversas, entre elas o aluno que, muitas vezes, tinha na escola o primeiro contato; o professor, que na maioria das vezes, não dominava linguisticamente o idioma e a maneira impositiva como a língua portuguesa passou a ocupar os espaços curriculares.

O fato de eleger a língua oficial como a única norma linguística da escola, o sistema educacional, no lugar de promover o idioma, retardava seu aprendizado, pois a maior parte das crianças que ali chegavam, tinham o domínio apenas das línguas maternas.

Para a diminuição dessas dificuldades, a fim de garantir a promoção de um símbolo linguístico unificador, na opinião de Firmino (2002, p.84), as seguintes medidas deveriam ser tomadas:

 concessão de um estatuto claro, livre de ambiguidades, de língua nacional tanto para o português como para as línguas autóctones;

 concessão do estatuto de principal língua oficial em todo o território moçambicano ao português; e

 concessão de estatuto de língua oficial regional às diferentes línguas autóctones dominantes nas áreas.

Considerando-se que o uso exclusivo da língua portuguesa não promovia o avanço e o

desenvolvimento do número de seus falantes, via-se na proposta de Firmino uma sugestão de

(38)

ensino bilíngue, capaz de elevar o aprendizado do idioma e proteger a identidade moçambicana, pois as línguas nativas representariam os diversos grupos, e a língua portuguesa seria aquela que unificaria esses diversos grupos moçambicanos (NAMBURETE, 2006.)

Nessa direção, entendemos que o modelo de Firmino aproxima-se do ideal, uma vez que exige a criação de rádios, televisões e jornais locais, bem como a tradução de documentos oficiais para as diversas línguas. Há que se considerar que é um dos métodos mais trabalhosos e com custo elevado, no entanto, parece ser um dos mais apropriados já que além de considerar a multipluralidade linguística e cultural do povo moçambicano, reforça a consciência de nação, o sentimento de pertença comum.

A proposta de um ensino bilíngue deveria priorizar o desenvolvimento educacional da criança na sua língua local, apreendida e interiorizada ao longo de sua vida pré-escolar, para a sistematização dessa língua, para posteriormente, desenvolver e sistematizar o aprendizado da língua portuguesa como segunda língua. Entendemos, diante disso, que a adoção das línguas moçambicanas no ensino seria um meio para o aprendizado efetivo da língua portuguesa.

Além disso, o método bilíngue valorizaria a língua e as culturas moçambicanas, contribuindo para a afirmação da identidade e promoveria a unidade nacional, permitindo aos moçambicanos a comunicação por meio de uma língua comum, o português. Com essa concepção de ensino, a situação linguística de Moçambique poderia deixar de ser um obstáculo para o desenvolvimento da sociedade para ser elemento de consolidação da identidade e independência moçambicana.

Para Lopes (1997, p. 10), “a promoção das línguas indígenas deveria implicar a

aquisição de estatuto de língua oficial (não apenas a sua utilização como expressão de

etnicidade) e de que o Português teria de ser promovido como língua de ligação, a nível

nacional”. Essa perspectiva, além de um ensino bilíngue, sugere o estatuto de língua oficial

também para as línguas nacionais.

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