2 MOÇAMBIQUE E A LÍNGUA PORTUGUESA
3.1 LUSOFONIA: CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS
A polêmica que circunscreve as expressões Lusofonia, comunidade lusófona e mundo
lusófono está no fato de que há, por parte de alguns estudiosos, a compreensão de que a
Lusofonia e os termos dela derivados nada mais são do que elementos de manutenção do
império português.
Numa acepção mais “imperialista”, Lusofonia é compreendida como um movimento
ideológico que surgiu para dar sustento a práticas políticas de colonizadores portugueses na
contemporaneidade. Nesse sentido, a Lusofonia é um “imperialismo disfarçado”, é uma
dominação portuguesa exercida por meio de um colonialismo linguístico, uma espécie de
império da cultura, neocolonialismo cultural, de tal modo que Margarido (2000, p.76) afirma:
17
Entrevista concedida à Rede Globo de Televisão, no dia 20 de novembro de 2006, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Vof4kU-IT14.
O discurso “lusófono” actual18
limita-se a procurar dissimular, mas não a
eliminar os traços brutais do passado. O que se procura de facto é recuperar
pelo menos uma fracção da antiga hegemonia portuguesa, de maneira a manter o domínio colonial, embora tendo renunciado à veemência ou à
violência de qualquer discurso colonial. Ou seja, pretende-se manter o
colonialismo, fingindo abolir o colonialista, graças à maneira como o
colonizado é convidado a alienar a sua própria autonomia para servir os
interesses portugueses. O recurso à língua portuguesa não seria uma
operação autônoma, mas antes o elemento central da alienação destinada a
manter o escravo no seu lugar de sempre. (grifo nosso).
Sob essa perspectiva, a Lusofonia nada mais é do que “um rosto sob um véu”. De
acordo com Lourenço (2001, p.164), “não sejamos hipócritas, nem sobretudo
voluntariamente cegos: o sonho de uma Comunidade de Povos de Língua Portuguesa, bem ou
mal sonhado, é por natureza – que é sobretudo história e mitologia – um sonho de raiz, de
estrutura, de intenção e amplitude lusíada”. Um disfarce que camuflaria as atitudes de uma
nação que persistentemente se julga superior e, por isso, institui a língua portuguesa como
instrumento da neocolonização portuguesa. Desse modo, perdidas as colônias, Portugal veria,
por meio da língua, a possibilidade de manter a sua hegemonia.
Para Rosário (2007), estudioso moçambicano,
Independentemente da postura partidária de quem quer que seja e que pode enformar o discurso, hoje na essência, a questão permanece inalterável. O destino dos portugueses é plasmar o seu ser nos quatro cantos do mundo. A história, em parte, confirma isso, na medida em que, a partir do século XV, Portugal tornou-se numa grande potência mundial, presente em todos os continentes, fazendo-se respeitar e fazendo com que a sua língua se tornasse na língua franca nos meandros da economia, do comércio e da diplomacia. Mesmo com o enfraquecimento do estado português e consequente desaparecimento desse poderio real, os portugueses interiorizaram esse desígnio de grandeza histórica que lhe não permite ser contido naquele pequeno rectângulo que constitui o seu território.
Se assim pensarmos, a Lusofonia pode ser compreendida como o “Quinto Império
Português”, em que o colonialismo passaria de geográfico a linguístico. Assim, a língua
passaria a ser o explorador e seus falantes, os explorados. Esse procedimento dominador, se
verdadeiro, desencadearia um processo de neocolonialismo português instituído por meio da
18
Preservaremos, nas citações, a grafia original das palavras, isto é, serão grafadas de acordo com a grafia utilizada em cada país.
legitimação de uma velha e conhecida prática de colonizadores: marginalização de línguas
locais e, consequentemente, da cultura frente ao idioma e aos costumes portugueses.
Convém lembrarmos, conforme aponta Cristóvão (2008, p.171), que:
Entender a Comunidade da Lusofonia como Quinto Império é a concretização de um ideal de profundas raízes na cultura portuguesa [...] para o padre António Vieira e para Fernando Pessoa, o Quinto Império foi coisa perfeitamente definida, e cada um a define a sua maneira. Apenas haverá um Quinto Império se não existir um Quinto Imperador.
Se assim a compreendemos, a Lusofonia só existira porque haveria nos portugueses a
crença de que este é o meio para a disseminação da “sua” língua e, consequentemente, de sua
cultura, já que para muitos portugueses,
[...] a base da Pátria é o idioma, porque o idioma é pensamento em acção, e o homem é um animal pensante, e a acção é a essência da vida. O idioma, por isso mesmo é uma tradição verdadeiramente viva, a única verdadeiramente viva, concentra em si, indistinta e naturalmente um conjunto de tradições, de maneiras de ser e de pensar, uma história e uma lembrança, um passado morto que só nele pode reviver. Não somos irmãos, embora possamos ser amigos dos que falam uma língua diferente. (SERRÃO apud CRISTÓVÃO, 2008. p. 171).
Em função disso, entendemos que os outros países, uma vez colonizados por Portugal,
são parte integrante e constituinte da nação e do território português, tendo como
representação geográfica um imaginário mapa de um Portugal pluricontinental. Na esteira
desse pensamento, a extensão do território português é o ultramar. Os países africanos, o
Brasil e o Timor-Leste pertenceriam, assim, a dois continentes, aquele em que
geograficamente se encontram e ao europeu. Além disso, percebemos que sob a perspectiva
do Quinto Império, o imperador não é necessário porque por meio da língua outros elementos
apareceriam, daí a razão de quanto mais se propagar e ensinar a língua portuguesa, maior seria
o império português.
Nesse caso, a Lusofonia apropriar-se-ia da língua como pretexto de manutenção do
status quo imperialista de Portugal. E, ainda, atribuiria um caráter científico a uma ideologia
Os interesses políticos e sobretudo económicos fizeram com que as ex-potências coloniais desenhassem uma estratégia de continuidade com outra roupagem. Quer isto dizer que, ao colonialismo clássico se seguia o panorama neocolonial. E uma das configurações que esse novo modelo tomou foi o de comunidade linguística.
Nesse mesmo aspecto, Honwana (apud GONÇALVES, 2012) afirma que:
o conceito de lusofonia não corresponde a nenhuma realidade sociológica ou política e não tem qualquer validade científica”, e defende que surgiu como “forma atabalhoada para resgatar o espaço do império cuja desaparição relegou Portugal a uma situação de subalternidade no palco europeu e mundial”
Diante dessas concepções, notamos que, por vezes, a Lusofonia pode ser
compreendida como elemento de manutenção da hegemonia portuguesa sobre os povos por
ela escravizados e dominados.
O conceito de Lusofonia, no entanto, é, ou pelo menos deveria ser, compreendido
como muito mais abrangente do que a aparentemente simples definição geográfica
colonialista. Reconhecemos, conforme lembra Cristóvão (2008, p.26), que “as raízes da
lusofonia mergulham na tradição mítica de um “Quinto Império” – afinal, foi a língua um dos
instrumentos de dominação portuguesa.
Entretanto, sabemos que o papel da língua portuguesa nos países em que é adotada
como oficial não exerce o papel de dominadora, não tem essa intenção. A língua portuguesa
confere ao povo uma identidade linguística em seu território, a fim de promover a interação e
integração entre a população nacional e a divulgação da cultura desses povos para o mundo.
Até mesmo porque, em tempos de Organização das Nações Unidas (ONU) e dos Direitos
Humanos, são poucos os que ousariam defender a dominação de um povo sobre outro, pois
sabemos que na era da globalização congregar é melhor do que colonizar.
Para Brito e Bastos (2006, p.74), “o que não é viável é a instituição de uma ideologia
lusófona que nasça e corra por conta de interesses político-econômicos na esteira da chamada
globalização”. Afinal, “num tempo de globalização, em que o mote é a constituição de redes
de conhecimento e cultura, os países lusófonos possuem-na, dela têm consciência, e querem
promovê-la e atribuir-lhe um papel efectivo ao serviço do desenvolvimento.” (RODRIGUES,
2006. p.20).
Nesse contexto, Brito e Martins (2004) assinalam que:
Num tempo marcado, todavia, pela globalização, interculturalismo e multiculturalismo, o espaço cultural da lusofonia não pode deixar de ser hoje senão um espaço plural e fragmentado, com uma memória igualmente plural e fragmentada. Quer isto dizer que a ideia de pertença identitária, implícita no facto de um conjunto de povos falar um mesma língua, não dispensa nunca a consideração de realidades nacionais multiculturais em distintas regiões do globo, com a língua portuguesa a ter que se relacionar com outras línguas locais e ter que entrar em muitos casos em competição com elas.
Por conseguinte, a dinâmica da Lusofonia não intenciona, e nem pode, ignorar o
passado do movimento lusófono, o qual já sabemos que se iniciou com as incursões
colonialistas ao redor do mundo. Como bem lembra Rosário (2007), “se quisermos ver
legitimado o conceito que a expressão Lusofonia contém, devemos ir a fundo na busca dos
seus referenciais. Se assim não acontecer, reduziremos o seu alcance a um mero exercício de
retórica política, banalizando-se o seu significado.”
A Lusofonia precisa, então, reconhecer o mal ocasionado pelos colonizadores
portugueses e perceber que esse ranço de negação é herança de suas raízes, a fim de
reconfigurar-se e reconstruir-se no sentido de adquirir um novo significado, em que são
lusófonos aqueles que se comunicam “em (ou também) em língua portuguesa” (cf. BRITO E
MARTINS, 2004). É essa reconfiguração e reconstrução de significado que nos permite
afirmar que se trata de um termo ainda inacabado, portanto, em construção.
A esse respeito, Brito e Bastos (2006, p. 73) lembram que segundo Reis (apud Sousa,
2002. p.306-7)
o conceito de lusofonia pode, então ser formulado tomando por base três
princípios. O primeiro deles é o da globalização, entendendo que os
problemas da lusofonia e a afirmação de uma identidade comunitária que se funda na língua ultrapassam o fator linguístico e convocam globalmente governos, ONG, sociedade civil, etc. O segundo princípio é o da
diversificação, reconhecendo a heterogeneidade de cada realidade nos países
que compõem a comunidade lusófona e que, do ponto de vista português,
são marcados por elementos que não têm origem portuguesa. A revitalização
é o último dos princípios, implicando que a comunidade lusófona, devido à diversidade de cada realidade, é desigual e muito pouco coesa.
Nesse aspecto, afirmamos que a Lusofonia pode ser compreendida como espaço de
relações culturais contemporâneas entre os países falantes de língua portuguesa e como
fenômeno cultural que se articula por meio de uma língua comum, que realça, por meio de
suas modalidades, a diversidade linguística e étnica de cada povo pertencente a essa
comunidade. Logo, Lusofonia é uma comunidade para além da questão linguística, embora
seja a língua o elemento primeiro de identificação desse grupo. Entretanto, conforme nos
lembra Namburete (2006, p. 99), “não podemos separar a língua da cultura, uma vez que são
interdependentes na medida em que a língua expressa e representa simbolicamente os
elementos de uma dada cultura e, ao mesmo tempo, é parte constitutiva dessa realidade
cultural.”
Diante do exposto, a Lusofonia quando vista como “Quinto Império Português” não é
Lusofonia é lusitanidade ou lusitanismo ou lusismo ou lusoculturação, ou qualquer outro
termo que signifique ou faça referência explicita ou implicitamente à “somos todos
portugueses”, porque esta seria a raça superior em língua, cultura e civilização. É justamente
nesse ponto que a palavra Lusofonia causa divergências, porque muitos insistem em evocar a
presença de uma hierarquia camuflada.
Diferentemente desta Lusofonia em que “somos todos portugueses”, a Lusofonia em
que “somos todos falantes de língua portuguesa”, o idioma ao mesmo tempo em que nos une,
nos diferencia, já que se deixa modelar pela cultura local. Há, nesse contexto, uma
descentralização do português: o idioma que antes era só de Portugal passa a ser também de
Angola, do Brasil, de Cabo Verde, de Guiné-Bissau, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe
e de Timor-Leste.
No entanto, precisamos reconhecer que na divergência entre a Lusofonia do “somos
todos portugueses” – lusitanismo – e a Lusofonia do “somos todos falantes de língua
portuguesa”, há um ponto de convergência, que é a língua. Apesar de ideologias diferentes, há
entre essas “Lusofonias” um ponto de intersecção; com perspectivas contrárias aproximadas
por um ponto em comum, cada uma delas atribuirá à língua um papel diferente.
O lusitanismo olha para a “sua” língua portuguesa como artifício de dominação de
povos e culturas. Desse modo, se valem da língua para mascarar a real intenção de
assimilação político-cultural e exploração econômica. Contrário a isso, a Lusofonia percebe a
língua como meio de comunicação entre povos e culturas, um encontro de culturas diversas
por meio de uma única língua, a portuguesa. Essa dinâmica é que permite distinguir-se do
outro pela língua e por ela também perceber-se no outro, sem ignorar a realidade de
diversidade étnica e linguística dos países africanos e de Timor-Leste.
Percebemos, diante disso, que se faz necessário reconhecer que o termo Lusofonia
contém uma dimensão semântica e ideológica capaz de neutralizar outras dimensões que
possam surgir a partir de uma nova realidade global e de perspectivas pós-coloniais e
contemporâneas. Notamos, assim, que se exige ainda tempo para que ocorra um
distanciamento desse passado colonizador, já adormecido no Brasil, mas muito recente para
os países africanos. Por essa razão, Brito e Bastos (2006. p. 72) assinalam que:
Enxergar a lusofonia supõe, assim, distanciar-se da carga semântica evocativa da matriz metropolitana que o vocábulo encerra, propiciando
interpretações que conferem a Portugal um estatuto ascendente numa
situação de relacionamento que se pretende igual (Graça, 1995) [...]. De fato, para os povos que foram colonizados não pode ser simples dissociar o passado histórico colonial do sentido que ensinam os dicionários: o termo
lusófono aplica-se aos indivíduos que têm em comum a Língua Portuguesa e
que partilham elementos culturais e históricos.
Se desconsiderarmos os princípios sugeridos para a formulação do conceito de
Lusofonia, e o restringirmos ou o associarmos unicamente à questão linguística, permanecerá
viva a ideia de Quinto Império porque há entre o lusitanismo e a Lusofonia uma convergência
que é a língua. Como ilustramos abaixo:
Figura 17: Convergência Lusófona
Algumas dúvidas sobre a legitimidade da Lusofonia são, por vezes, geradas a partir
dessa confusão entre os termos. A falta de vontade de pertencer à comunidade lusófona por
parte dos cidadãos não portugueses está no fato de não saber ao certo a qual dessas
“Lusofonias” fazem parte quando dizem somos todos Lusófonos. Por isso, julgamos
importante detalhar essa intersecção linguística, a qual resulta da composição dos seguintes
conjuntos:
Figura 18: Conjunto lusitanismo Figura 19: Conjunto lusofonia
Sobre isso, ousamos dizer que uma Lusofonia lusitanista corresponde ao período
colonialista; diferentemente de uma Lusofonia contemporânea, que corresponde ao período
pós-colonial. Assim, quando discutimos o conceito de Lusofonia, não podemos deixar de
considerar as motivações históricas que fragilizam e dificultam a definição desse termo.
Como lembra Lourenço (2001, p.176),
[...] a lusofonia não é nenhum reino mesmo encantadamente folclórico. É só
– e não é pouco, nem simples – aquela esfera de comunhão e de
compreensão determinada pelo uso da língua portuguesa com a genealogia
que a distingue entre outras línguas românicas e a memória cultural, que consciente ou inconscientemente, a ela vincula. (grifo nosso)
A língua portuguesa, no âmbito dessa Lusofonia, é tão própria daqueles que foram
colonizados (angolanos, brasileiros, caboverdianos, guineenses, moçambicanos, são tomenses,
timorenses) quanto dos colonizadores. Ainda que originária de Portugal, a língua ganha
contornos da cultura e dos idiomas locais; assim, “é preferível abandonarmos a expressão
Quinto Império e usarmos a que melhor exprime a realidade e os nossos ideais – a Lusofonia.
É que nela, cabem, em pé de igualdade, a unidade da língua e as suas diversas variantes,
nacionais e regionais” (CRISTÓVÃO, 2008. p.15).
A lusofonia e a comunidade lusófona só farão sentido quando de lado a lado se respeitarem (e para se respeitar é preciso conhecer) as experiências, os valores particulares, a especificidade cultural, o modo próprio de experienciar a realidade e a visão de mundo que cada comunidade vem fixando na sua norma do português – é essa a perspectiva a adotar para o entendimento da construção de uma possível identidade lusófona.
Dessa forma, na conjuntura pós-colonial, há necessidade de reconfigurar o sentido de
Lusofonia. A carga semântica desta palavra não é e não pode constituir nem a ideia de
regresso à colonização nem intencionar um caminho ao neocolonialismo. O conceito de
Lusofonia atual contesta e rejeita qualquer ideia de dominação.
A língua é um denominador comum entre os países da chamada Comunidade
Lusófona, mas não é o único fator, até mesmo porque “o panorama linguístico dos três países
africanos continentais e Timor-Leste é de diversidade linguística” (Rosário, 2007). Existe
também um vínculo histórico e um patrimônio resultante de uma colonização multissecular
que provocou dor, mas também gerou laços culturais (e, muitas vezes, consanguíneos). Nessa
linha, Brito e Bastos (2006, p.72) chamam a atenção para o fato de que:
[...] para os povos que foram colonizados não pode ser simples dissociar o passado histórico colonial do sentido que ensinam os dicionários: o termo
lusófono aplica-se aos indivíduos que têm em comum a Língua Portuguesa e
que partilham elementos culturais e históricos. (grifo das autoras).
Nessa mesma direção, o pesquisador moçambicano Namburete (2006, p. 64) defende
que:
Lusofonia é um termo que pretende representar a congregação de um grupo de países e comunidades que têm um passado comum e características linguísticas culturais similares. Entretanto, a Lusofonia ainda constitui um pólo de divergência, pois o seu entendimento ainda não é compartilhado por todos aqueles que deveriam nela se sentir representados. Lusofonia pode significar nós, mas um nós que é apenas consensual sob o ponto de vista político, dos governos e Estados. O nós da Lusofonia ainda é controverso entre os acadêmicos e estudiosos, visto que ainda desperta posições muito degladiantes e, muitas vezes, fantasmas do passado.
Vemos aqui reforçada a ideia de que construir a definição de Lusofonia é uma tarefa
difícil, árdua e, acima de tudo, delicada, uma vez que não se podem desconsiderar os conflitos
históricos existentes entre o país colonizador e os países colonizados. É importante que esse
sentimento de indefinição – ou melhor de não definição – do que seja Lusofonia é
evidenciado pela palavra “pretende” no trecho acima, diferentemente do que fazem os
estudiosos brasileiros e portugueses, o moçambicano não conceitua o termo.
Brito e Martins (2004, p.10) ainda destacam que:
[...] tendo em vista a amplitude do que, na realidade, é a lusofonia, não cabe a ninguém a posição de senhor da língua portuguesa. Em Portugal, como em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe ou Timor-Leste, a língua portuguesa conhece e constrói a sua própria história – e, por isso, está muito longe de poder ser tratado como idioma uniforme.
Sobre isso, Lourenço (2001, p. 165) assegura que “[...] dessa língua, os portugueses
são os atuantes primeiros na ordem da cronologia, mas isso só não lhes dá nenhum privilégio
de ‘senhores da língua’ [...]”. Por isso, não se pode confundir Lusofonia com Lusitanismo,
“colonialismo linguístico”, não se pode remeter o termo em questão à problemática imperial
colonialista.
Além disso, para a existência de um “nós lusófonos” é preciso considerar as
similitudes e as dessemelhanças entre os povos dos países de língua portuguesa, tornando a
Lusofonia um espaço da pluralidade e da diferença. Outro ponto, é o fato de que parece ser
(ou tem sido) apenas papel da academia – universidade – discutir as ações e as relações
lusófonas. É no âmbito da universidade que encontramos pesquisas, publicações, etc. acerca
da Lusofonia e dos oito países de língua oficial portuguesa. Sabemos que ainda não há, pelas
instituições oficiais, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e o IILP (Instituto
Internacional de Língua Portuguesa), ações políticas, econômicas e sociais que promovam, de
fato, a divulgação e a cultura dos países falantes de português.
No Brasil, abordar questões do âmbito lusófono tem sido assunto que se vê fomentado
na área de Letras, tanto linguístico quanto literário, especialmente na primeira década deste
segundo milênio. Exemplo disso foi a criação do Núcleo de Estudos Lusófonos (NEL) da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 2003, pelas professoras Regina Brito e Neusa
Bastos. Além de incentivar pesquisas e reflexões no âmbito desta universidade, tem se
destacado por associações com centros de investigação similares em outros espaços da
Lusofonia. Citemos, também, o Congresso Internacional de Lusofonia, o qual é realizado
bienalmente pelo IP-PUC/SP – Instituto de Pesquisas linguísticas “Sedes Sapientiae” para
Estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Nessa empreitada acadêmica, Fiorin (2006, p.46) explica que:
Para que a lusofonia seja um espaço simbólico significativo para seus habitantes, é preciso que seja um espaço em que todas as variantes linguísticas sejam, respeitosamente, tratadas em pé de igualdade. É necessário que não haja a autoridade “paterna” dos padrões lusitanos. Evidentemente, a lusofonia tem origem em Portugal e isso é preciso reconhecer. No entanto, o que se espera na construção do espaço enunciativo lusófono é a comunidade dos iguais, que têm a mesma origem.