• Nenhum resultado encontrado

LUSOFONIA: CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

No documento reflexões sobre lusofonia e identidade (páginas 43-59)

2 MOÇAMBIQUE E A LÍNGUA PORTUGUESA

3.1 LUSOFONIA: CONFLUÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

A polêmica que circunscreve as expressões Lusofonia, comunidade lusófona e mundo

lusófono está no fato de que há, por parte de alguns estudiosos, a compreensão de que a

Lusofonia e os termos dela derivados nada mais são do que elementos de manutenção do

império português.

Numa acepção mais “imperialista”, Lusofonia é compreendida como um movimento

ideológico que surgiu para dar sustento a práticas políticas de colonizadores portugueses na

contemporaneidade. Nesse sentido, a Lusofonia é um “imperialismo disfarçado”, é uma

dominação portuguesa exercida por meio de um colonialismo linguístico, uma espécie de

império da cultura, neocolonialismo cultural, de tal modo que Margarido (2000, p.76) afirma:

17

Entrevista concedida à Rede Globo de Televisão, no dia 20 de novembro de 2006, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Vof4kU-IT14.

O discurso “lusófono” actual18

limita-se a procurar dissimular, mas não a

eliminar os traços brutais do passado. O que se procura de facto é recuperar

pelo menos uma fracção da antiga hegemonia portuguesa, de maneira a manter o domínio colonial, embora tendo renunciado à veemência ou à

violência de qualquer discurso colonial. Ou seja, pretende-se manter o

colonialismo, fingindo abolir o colonialista, graças à maneira como o

colonizado é convidado a alienar a sua própria autonomia para servir os

interesses portugueses. O recurso à língua portuguesa não seria uma

operação autônoma, mas antes o elemento central da alienação destinada a

manter o escravo no seu lugar de sempre. (grifo nosso).

Sob essa perspectiva, a Lusofonia nada mais é do que “um rosto sob um véu”. De

acordo com Lourenço (2001, p.164), “não sejamos hipócritas, nem sobretudo

voluntariamente cegos: o sonho de uma Comunidade de Povos de Língua Portuguesa, bem ou

mal sonhado, é por natureza – que é sobretudo história e mitologia – um sonho de raiz, de

estrutura, de intenção e amplitude lusíada”. Um disfarce que camuflaria as atitudes de uma

nação que persistentemente se julga superior e, por isso, institui a língua portuguesa como

instrumento da neocolonização portuguesa. Desse modo, perdidas as colônias, Portugal veria,

por meio da língua, a possibilidade de manter a sua hegemonia.

Para Rosário (2007), estudioso moçambicano,

Independentemente da postura partidária de quem quer que seja e que pode enformar o discurso, hoje na essência, a questão permanece inalterável. O destino dos portugueses é plasmar o seu ser nos quatro cantos do mundo. A história, em parte, confirma isso, na medida em que, a partir do século XV, Portugal tornou-se numa grande potência mundial, presente em todos os continentes, fazendo-se respeitar e fazendo com que a sua língua se tornasse na língua franca nos meandros da economia, do comércio e da diplomacia. Mesmo com o enfraquecimento do estado português e consequente desaparecimento desse poderio real, os portugueses interiorizaram esse desígnio de grandeza histórica que lhe não permite ser contido naquele pequeno rectângulo que constitui o seu território.

Se assim pensarmos, a Lusofonia pode ser compreendida como o “Quinto Império

Português”, em que o colonialismo passaria de geográfico a linguístico. Assim, a língua

passaria a ser o explorador e seus falantes, os explorados. Esse procedimento dominador, se

verdadeiro, desencadearia um processo de neocolonialismo português instituído por meio da

18

Preservaremos, nas citações, a grafia original das palavras, isto é, serão grafadas de acordo com a grafia utilizada em cada país.

legitimação de uma velha e conhecida prática de colonizadores: marginalização de línguas

locais e, consequentemente, da cultura frente ao idioma e aos costumes portugueses.

Convém lembrarmos, conforme aponta Cristóvão (2008, p.171), que:

Entender a Comunidade da Lusofonia como Quinto Império é a concretização de um ideal de profundas raízes na cultura portuguesa [...] para o padre António Vieira e para Fernando Pessoa, o Quinto Império foi coisa perfeitamente definida, e cada um a define a sua maneira. Apenas haverá um Quinto Império se não existir um Quinto Imperador.

Se assim a compreendemos, a Lusofonia só existira porque haveria nos portugueses a

crença de que este é o meio para a disseminação da “sua” língua e, consequentemente, de sua

cultura, já que para muitos portugueses,

[...] a base da Pátria é o idioma, porque o idioma é pensamento em acção, e o homem é um animal pensante, e a acção é a essência da vida. O idioma, por isso mesmo é uma tradição verdadeiramente viva, a única verdadeiramente viva, concentra em si, indistinta e naturalmente um conjunto de tradições, de maneiras de ser e de pensar, uma história e uma lembrança, um passado morto que só nele pode reviver. Não somos irmãos, embora possamos ser amigos dos que falam uma língua diferente. (SERRÃO apud CRISTÓVÃO, 2008. p. 171).

Em função disso, entendemos que os outros países, uma vez colonizados por Portugal,

são parte integrante e constituinte da nação e do território português, tendo como

representação geográfica um imaginário mapa de um Portugal pluricontinental. Na esteira

desse pensamento, a extensão do território português é o ultramar. Os países africanos, o

Brasil e o Timor-Leste pertenceriam, assim, a dois continentes, aquele em que

geograficamente se encontram e ao europeu. Além disso, percebemos que sob a perspectiva

do Quinto Império, o imperador não é necessário porque por meio da língua outros elementos

apareceriam, daí a razão de quanto mais se propagar e ensinar a língua portuguesa, maior seria

o império português.

Nesse caso, a Lusofonia apropriar-se-ia da língua como pretexto de manutenção do

status quo imperialista de Portugal. E, ainda, atribuiria um caráter científico a uma ideologia

Os interesses políticos e sobretudo económicos fizeram com que as ex-potências coloniais desenhassem uma estratégia de continuidade com outra roupagem. Quer isto dizer que, ao colonialismo clássico se seguia o panorama neocolonial. E uma das configurações que esse novo modelo tomou foi o de comunidade linguística.

Nesse mesmo aspecto, Honwana (apud GONÇALVES, 2012) afirma que:

o conceito de lusofonia não corresponde a nenhuma realidade sociológica ou política e não tem qualquer validade científica”, e defende que surgiu como “forma atabalhoada para resgatar o espaço do império cuja desaparição relegou Portugal a uma situação de subalternidade no palco europeu e mundial”

Diante dessas concepções, notamos que, por vezes, a Lusofonia pode ser

compreendida como elemento de manutenção da hegemonia portuguesa sobre os povos por

ela escravizados e dominados.

O conceito de Lusofonia, no entanto, é, ou pelo menos deveria ser, compreendido

como muito mais abrangente do que a aparentemente simples definição geográfica

colonialista. Reconhecemos, conforme lembra Cristóvão (2008, p.26), que “as raízes da

lusofonia mergulham na tradição mítica de um “Quinto Império” – afinal, foi a língua um dos

instrumentos de dominação portuguesa.

Entretanto, sabemos que o papel da língua portuguesa nos países em que é adotada

como oficial não exerce o papel de dominadora, não tem essa intenção. A língua portuguesa

confere ao povo uma identidade linguística em seu território, a fim de promover a interação e

integração entre a população nacional e a divulgação da cultura desses povos para o mundo.

Até mesmo porque, em tempos de Organização das Nações Unidas (ONU) e dos Direitos

Humanos, são poucos os que ousariam defender a dominação de um povo sobre outro, pois

sabemos que na era da globalização congregar é melhor do que colonizar.

Para Brito e Bastos (2006, p.74), “o que não é viável é a instituição de uma ideologia

lusófona que nasça e corra por conta de interesses político-econômicos na esteira da chamada

globalização”. Afinal, “num tempo de globalização, em que o mote é a constituição de redes

de conhecimento e cultura, os países lusófonos possuem-na, dela têm consciência, e querem

promovê-la e atribuir-lhe um papel efectivo ao serviço do desenvolvimento.” (RODRIGUES,

2006. p.20).

Nesse contexto, Brito e Martins (2004) assinalam que:

Num tempo marcado, todavia, pela globalização, interculturalismo e multiculturalismo, o espaço cultural da lusofonia não pode deixar de ser hoje senão um espaço plural e fragmentado, com uma memória igualmente plural e fragmentada. Quer isto dizer que a ideia de pertença identitária, implícita no facto de um conjunto de povos falar um mesma língua, não dispensa nunca a consideração de realidades nacionais multiculturais em distintas regiões do globo, com a língua portuguesa a ter que se relacionar com outras línguas locais e ter que entrar em muitos casos em competição com elas.

Por conseguinte, a dinâmica da Lusofonia não intenciona, e nem pode, ignorar o

passado do movimento lusófono, o qual já sabemos que se iniciou com as incursões

colonialistas ao redor do mundo. Como bem lembra Rosário (2007), “se quisermos ver

legitimado o conceito que a expressão Lusofonia contém, devemos ir a fundo na busca dos

seus referenciais. Se assim não acontecer, reduziremos o seu alcance a um mero exercício de

retórica política, banalizando-se o seu significado.”

A Lusofonia precisa, então, reconhecer o mal ocasionado pelos colonizadores

portugueses e perceber que esse ranço de negação é herança de suas raízes, a fim de

reconfigurar-se e reconstruir-se no sentido de adquirir um novo significado, em que são

lusófonos aqueles que se comunicam “em (ou também) em língua portuguesa” (cf. BRITO E

MARTINS, 2004). É essa reconfiguração e reconstrução de significado que nos permite

afirmar que se trata de um termo ainda inacabado, portanto, em construção.

A esse respeito, Brito e Bastos (2006, p. 73) lembram que segundo Reis (apud Sousa,

2002. p.306-7)

o conceito de lusofonia pode, então ser formulado tomando por base três

princípios. O primeiro deles é o da globalização, entendendo que os

problemas da lusofonia e a afirmação de uma identidade comunitária que se funda na língua ultrapassam o fator linguístico e convocam globalmente governos, ONG, sociedade civil, etc. O segundo princípio é o da

diversificação, reconhecendo a heterogeneidade de cada realidade nos países

que compõem a comunidade lusófona e que, do ponto de vista português,

são marcados por elementos que não têm origem portuguesa. A revitalização

é o último dos princípios, implicando que a comunidade lusófona, devido à diversidade de cada realidade, é desigual e muito pouco coesa.

Nesse aspecto, afirmamos que a Lusofonia pode ser compreendida como espaço de

relações culturais contemporâneas entre os países falantes de língua portuguesa e como

fenômeno cultural que se articula por meio de uma língua comum, que realça, por meio de

suas modalidades, a diversidade linguística e étnica de cada povo pertencente a essa

comunidade. Logo, Lusofonia é uma comunidade para além da questão linguística, embora

seja a língua o elemento primeiro de identificação desse grupo. Entretanto, conforme nos

lembra Namburete (2006, p. 99), “não podemos separar a língua da cultura, uma vez que são

interdependentes na medida em que a língua expressa e representa simbolicamente os

elementos de uma dada cultura e, ao mesmo tempo, é parte constitutiva dessa realidade

cultural.”

Diante do exposto, a Lusofonia quando vista como “Quinto Império Português” não é

Lusofonia é lusitanidade ou lusitanismo ou lusismo ou lusoculturação, ou qualquer outro

termo que signifique ou faça referência explicita ou implicitamente à “somos todos

portugueses”, porque esta seria a raça superior em língua, cultura e civilização. É justamente

nesse ponto que a palavra Lusofonia causa divergências, porque muitos insistem em evocar a

presença de uma hierarquia camuflada.

Diferentemente desta Lusofonia em que “somos todos portugueses”, a Lusofonia em

que “somos todos falantes de língua portuguesa”, o idioma ao mesmo tempo em que nos une,

nos diferencia, já que se deixa modelar pela cultura local. Há, nesse contexto, uma

descentralização do português: o idioma que antes era só de Portugal passa a ser também de

Angola, do Brasil, de Cabo Verde, de Guiné-Bissau, de Moçambique, de São Tomé e Príncipe

e de Timor-Leste.

No entanto, precisamos reconhecer que na divergência entre a Lusofonia do “somos

todos portugueses”lusitanismo – e a Lusofonia do “somos todos falantes de língua

portuguesa”, há um ponto de convergência, que é a língua. Apesar de ideologias diferentes, há

entre essas “Lusofonias” um ponto de intersecção; com perspectivas contrárias aproximadas

por um ponto em comum, cada uma delas atribuirá à língua um papel diferente.

O lusitanismo olha para a “sua” língua portuguesa como artifício de dominação de

povos e culturas. Desse modo, se valem da língua para mascarar a real intenção de

assimilação político-cultural e exploração econômica. Contrário a isso, a Lusofonia percebe a

língua como meio de comunicação entre povos e culturas, um encontro de culturas diversas

por meio de uma única língua, a portuguesa. Essa dinâmica é que permite distinguir-se do

outro pela língua e por ela também perceber-se no outro, sem ignorar a realidade de

diversidade étnica e linguística dos países africanos e de Timor-Leste.

Percebemos, diante disso, que se faz necessário reconhecer que o termo Lusofonia

contém uma dimensão semântica e ideológica capaz de neutralizar outras dimensões que

possam surgir a partir de uma nova realidade global e de perspectivas pós-coloniais e

contemporâneas. Notamos, assim, que se exige ainda tempo para que ocorra um

distanciamento desse passado colonizador, já adormecido no Brasil, mas muito recente para

os países africanos. Por essa razão, Brito e Bastos (2006. p. 72) assinalam que:

Enxergar a lusofonia supõe, assim, distanciar-se da carga semântica evocativa da matriz metropolitana que o vocábulo encerra, propiciando

interpretações que conferem a Portugal um estatuto ascendente numa

situação de relacionamento que se pretende igual (Graça, 1995) [...]. De fato, para os povos que foram colonizados não pode ser simples dissociar o passado histórico colonial do sentido que ensinam os dicionários: o termo

lusófono aplica-se aos indivíduos que têm em comum a Língua Portuguesa e

que partilham elementos culturais e históricos.

Se desconsiderarmos os princípios sugeridos para a formulação do conceito de

Lusofonia, e o restringirmos ou o associarmos unicamente à questão linguística, permanecerá

viva a ideia de Quinto Império porque há entre o lusitanismo e a Lusofonia uma convergência

que é a língua. Como ilustramos abaixo:

Figura 17: Convergência Lusófona

Algumas dúvidas sobre a legitimidade da Lusofonia são, por vezes, geradas a partir

dessa confusão entre os termos. A falta de vontade de pertencer à comunidade lusófona por

parte dos cidadãos não portugueses está no fato de não saber ao certo a qual dessas

“Lusofonias fazem parte quando dizem somos todos Lusófonos. Por isso, julgamos

importante detalhar essa intersecção linguística, a qual resulta da composição dos seguintes

conjuntos:

Figura 18: Conjunto lusitanismo Figura 19: Conjunto lusofonia

Sobre isso, ousamos dizer que uma Lusofonia lusitanista corresponde ao período

colonialista; diferentemente de uma Lusofonia contemporânea, que corresponde ao período

pós-colonial. Assim, quando discutimos o conceito de Lusofonia, não podemos deixar de

considerar as motivações históricas que fragilizam e dificultam a definição desse termo.

Como lembra Lourenço (2001, p.176),

[...] a lusofonia não é nenhum reino mesmo encantadamente folclórico. É só

– e não é pouco, nem simples – aquela esfera de comunhão e de

compreensão determinada pelo uso da língua portuguesa com a genealogia

que a distingue entre outras línguas românicas e a memória cultural, que consciente ou inconscientemente, a ela vincula. (grifo nosso)

A língua portuguesa, no âmbito dessa Lusofonia, é tão própria daqueles que foram

colonizados (angolanos, brasileiros, caboverdianos, guineenses, moçambicanos, são tomenses,

timorenses) quanto dos colonizadores. Ainda que originária de Portugal, a língua ganha

contornos da cultura e dos idiomas locais; assim, “é preferível abandonarmos a expressão

Quinto Império e usarmos a que melhor exprime a realidade e os nossos ideais – a Lusofonia.

É que nela, cabem, em pé de igualdade, a unidade da língua e as suas diversas variantes,

nacionais e regionais” (CRISTÓVÃO, 2008. p.15).

A lusofonia e a comunidade lusófona só farão sentido quando de lado a lado se respeitarem (e para se respeitar é preciso conhecer) as experiências, os valores particulares, a especificidade cultural, o modo próprio de experienciar a realidade e a visão de mundo que cada comunidade vem fixando na sua norma do português – é essa a perspectiva a adotar para o entendimento da construção de uma possível identidade lusófona.

Dessa forma, na conjuntura pós-colonial, há necessidade de reconfigurar o sentido de

Lusofonia. A carga semântica desta palavra não é e não pode constituir nem a ideia de

regresso à colonização nem intencionar um caminho ao neocolonialismo. O conceito de

Lusofonia atual contesta e rejeita qualquer ideia de dominação.

A língua é um denominador comum entre os países da chamada Comunidade

Lusófona, mas não é o único fator, até mesmo porque “o panorama linguístico dos três países

africanos continentais e Timor-Leste é de diversidade linguística” (Rosário, 2007). Existe

também um vínculo histórico e um patrimônio resultante de uma colonização multissecular

que provocou dor, mas também gerou laços culturais (e, muitas vezes, consanguíneos). Nessa

linha, Brito e Bastos (2006, p.72) chamam a atenção para o fato de que:

[...] para os povos que foram colonizados não pode ser simples dissociar o passado histórico colonial do sentido que ensinam os dicionários: o termo

lusófono aplica-se aos indivíduos que têm em comum a Língua Portuguesa e

que partilham elementos culturais e históricos. (grifo das autoras).

Nessa mesma direção, o pesquisador moçambicano Namburete (2006, p. 64) defende

que:

Lusofonia é um termo que pretende representar a congregação de um grupo de países e comunidades que têm um passado comum e características linguísticas culturais similares. Entretanto, a Lusofonia ainda constitui um pólo de divergência, pois o seu entendimento ainda não é compartilhado por todos aqueles que deveriam nela se sentir representados. Lusofonia pode significar nós, mas um nós que é apenas consensual sob o ponto de vista político, dos governos e Estados. O nós da Lusofonia ainda é controverso entre os acadêmicos e estudiosos, visto que ainda desperta posições muito degladiantes e, muitas vezes, fantasmas do passado.

Vemos aqui reforçada a ideia de que construir a definição de Lusofonia é uma tarefa

difícil, árdua e, acima de tudo, delicada, uma vez que não se podem desconsiderar os conflitos

históricos existentes entre o país colonizador e os países colonizados. É importante que esse

sentimento de indefinição – ou melhor de não definição – do que seja Lusofonia é

evidenciado pela palavra “pretende” no trecho acima, diferentemente do que fazem os

estudiosos brasileiros e portugueses, o moçambicano não conceitua o termo.

Brito e Martins (2004, p.10) ainda destacam que:

[...] tendo em vista a amplitude do que, na realidade, é a lusofonia, não cabe a ninguém a posição de senhor da língua portuguesa. Em Portugal, como em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe ou Timor-Leste, a língua portuguesa conhece e constrói a sua própria história – e, por isso, está muito longe de poder ser tratado como idioma uniforme.

Sobre isso, Lourenço (2001, p. 165) assegura que “[...] dessa língua, os portugueses

são os atuantes primeiros na ordem da cronologia, mas isso só não lhes dá nenhum privilégio

de ‘senhores da língua’ [...]”. Por isso, não se pode confundir Lusofonia com Lusitanismo,

“colonialismo linguístico”, não se pode remeter o termo em questão à problemática imperial

colonialista.

Além disso, para a existência de um “nós lusófonos” é preciso considerar as

similitudes e as dessemelhanças entre os povos dos países de língua portuguesa, tornando a

Lusofonia um espaço da pluralidade e da diferença. Outro ponto, é o fato de que parece ser

(ou tem sido) apenas papel da academia – universidade – discutir as ações e as relações

lusófonas. É no âmbito da universidade que encontramos pesquisas, publicações, etc. acerca

da Lusofonia e dos oito países de língua oficial portuguesa. Sabemos que ainda não há, pelas

instituições oficiais, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e o IILP (Instituto

Internacional de Língua Portuguesa), ações políticas, econômicas e sociais que promovam, de

fato, a divulgação e a cultura dos países falantes de português.

No Brasil, abordar questões do âmbito lusófono tem sido assunto que se vê fomentado

na área de Letras, tanto linguístico quanto literário, especialmente na primeira década deste

segundo milênio. Exemplo disso foi a criação do Núcleo de Estudos Lusófonos (NEL) da

Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 2003, pelas professoras Regina Brito e Neusa

Bastos. Além de incentivar pesquisas e reflexões no âmbito desta universidade, tem se

destacado por associações com centros de investigação similares em outros espaços da

Lusofonia. Citemos, também, o Congresso Internacional de Lusofonia, o qual é realizado

bienalmente pelo IP-PUC/SP – Instituto de Pesquisas linguísticas “Sedes Sapientiae” para

Estudos de Português da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Nessa empreitada acadêmica, Fiorin (2006, p.46) explica que:

Para que a lusofonia seja um espaço simbólico significativo para seus habitantes, é preciso que seja um espaço em que todas as variantes linguísticas sejam, respeitosamente, tratadas em pé de igualdade. É necessário que não haja a autoridade “paterna” dos padrões lusitanos. Evidentemente, a lusofonia tem origem em Portugal e isso é preciso reconhecer. No entanto, o que se espera na construção do espaço enunciativo lusófono é a comunidade dos iguais, que têm a mesma origem.

No documento reflexões sobre lusofonia e identidade (páginas 43-59)