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Período pós-colonial

No documento reflexões sobre lusofonia e identidade (páginas 32-36)

2 MOÇAMBIQUE E A LÍNGUA PORTUGUESA

2.1 PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM

2.1.2 Período pós-colonial

Moçambique independente adotou a língua de seu colonizador. Apesar das vinte

línguas moçambicanas (Cicopi, Cinyanja, Cinyungwe, Cisenga, Cishona, Ciyao, Echuwabo,

Ekoti, Elomwe, Gitonga, Maconde (ou shimakonde), Kimwani, Macua (ou emakhuwa),

Memane, Suaíli (ou kiswahili), Suazi (ou swazi), Xichanga, Xironga, Xitswa e Zulu)

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comumente faladas pela população, a língua portuguesa tornou-se o único idioma a ser

utilizado no governo, nas comunicações escritas, e, principalmente, na educação.

A estratégia de usar a língua portuguesa em detrimento das línguas autóctones

proporcionava, assim como o que ocorreu entre os combatentes no período colonial, a

comunicação entre as diferentes etnias da população moçambicana, garantindo uma unidade

nacional. Segundo Gonçalves (1996, p. 17), “se por um lado, o [português] parecia oferecer

mais garantias como língua de unidade nacional, [...] ao mesmo tempo permitia a

comunicação com a comunidade internacional”. Sob esse olhar, entendemos que a língua

portuguesa, então, assumia o papel de língua de unidade e de afirmação nacional

moçambicana. Uma só língua, um só povo, além de ser o contato com o exterior.

Entretanto, há de se reconhecer que a motivação governamental para usar um idioma

que não o seu, mas o do antigo colonizador tinha, antes de tudo, uma razão política: não

privilegiar nenhum grupo étnico. Essa atitude pretendia evitar uma guerra civil entre tribos e

impedir que o país se fragmentasse, mantendo-se, assim, a integridade da jovem nação-estado.

Contudo, essa escolha não foi o suficiente para impedir as guerras civis, Moçambique

vivenciou embates internos, entre a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) a

RENAMO

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(Resistência Nacional Moçambicana) por quase duas décadas após a

independência moçambicana.

Apesar disso, a intenção política de escolha da língua é evidenciada pelo linguista

australiano Hull (2002, p.31),

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Fonte: MOÇAMBIQUE. Informação geral sobre Moçambique. Disponível em: <http://www.portaldogoverno.gov.mz/Mozambique>. Data de acesso: 27 jan 2013.

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Com a conquista da liberdade, conforme Colaço (2001, p.103), “permaneceu em Moçambique um Estado com características autoritárias e repressivas”, ocasionando no país uma profunda crise interna, decorrente da formação de um estado socialista. Diante desse contexto [...] Moçambique entrou em conflito com países vizinhos e sofreu com incursões militares em seu próprio território. A priori uma guerra sem nenhum projeto político, entregue a agentes da Rodésia e da África do Sul, cuja missão era desestabilizar Moçambique”. Por instigação desses países, no final dos anos 70, surgiu um movimento denominado Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), formado por indivíduos opositores à atuação da FRELIMO. “Boa parte da população não estava satisfeita com os procedimentos da nova ordem instaurada pela FRELIMO, principalmente em relação à sua política administrativas [...]”. A RENAMO tornou-se, então, o principal instrumento de desequilíbrio da presidência de Samora Machel e, consequentemente, do governo da FRELIMO.Como todo veículo de oposição governista, a RENAMO é apontada nos livros como um grupo de marginais sem posição ideológica, apenas como um movimento de baderneiros da África do Sul – um grupo de guerrilheiros – que tinha como função desestabilizar o país vizinho; e não como uma organização popular que buscava a implantação de um sistema político multipartidário e a realização de eleições presidenciais.(SANTANA, 2006. p.28)

[...] uma vez que não existia uma cultura comum, os novos governos viram-se impossibilitados de elevar um dos múltiplos vernáculos ao estatuto de língua nacional, devido ao receio de alienar grupos linguísticos minoritários. Foi por esta razão que a maioria dos estados africanos decidiu manter como língua oficial a língua da sua antiga potência colonizadora – quer o inglês, o francês ou o português. A língua em questão, apesar de ser estrangeira na origem, tinha indubitavelmente a enorme vantagem de ser neutra.

Acerca disso, é curioso observar que a primeira Carta Magna da República, a

Constituição Moçambicana, publicada em 1975, logo após a independência, não faz

referência nem às línguas autóctones nem à língua portuguesa. Fato que nos leva a reconhecer

a sagacidade política da FRELIMO, partido que assumiu o governo, pois oficializar a língua

do colonizador como idioma oficial, logo após a independência, poderia gerar um conflito

entre a população e o governo. Sendo assim, percebemos que a adoção da língua portuguesa,

no período pós-colonial, ocorreu também de maneira ‘naturalmente’ impositiva.

O português apareceu nos documentos oficiais apenas quinze anos após a libertação,

na reformulação do texto constitucional. Foi na segunda constituição, publicada em 1990, que

os dirigentes moçambicanos assumiram a institucionalização da língua portuguesa como

língua oficial em detrimento das línguas nacionais

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.

Sabemos que a presença da língua portuguesa em Moçambique remonta ao período

colonial, falada com certa regularidade e com falantes por todo o país. No entanto, não era, na

época da independência, o idioma de conhecimento da maioria dos moçambicanos. Segundo o

I Seminário Nacional de Informação, realizado em 1977, apenas 10% da população havia tido

contato com o português. Em 1980, o Recenseamento Geral da População aponta um

crescimento de 15% no número de falantes de língua portuguesa, ou seja, de 10% para 25%

da população, sendo que 1,2% tinha a língua portuguesa como língua-mãe.

Esses dados revelavam a multipluralidade linguística de Moçambique

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, a qual é

destacada por Lopes (2002, p.32):

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De acordo com a Constituição da República Moçambicana, em seu artigo 9, “O Estado valoriza as línguas nacionais como patrimônio cultural e educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa identidade”. Em seu artigo 10, a lei de base oficializa a língua portuguesa, “Na República de Moçambique a língua portuguesa é a língua oficial”.

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O relatório do Censo de 1980, segundo Firmino (2002, p.80-103), enumera a existência de 24 línguas nacionais.

Em Moçambique, a maior língua, o Emakhuwa, representa cerca de 25% da população total do país [...]. Este fato significa que, com base no conceito de

elevada diversidade linguística13 e tendo em conta o factor numérico,

nenhuma língua africana [...] está em condições de poder reivindicar, a nível nacional, o estatuto de língua maioritária [...] tal situação tende a reforçar o papel e o funcionamento veicular, a nível nacional, da língua exógena, como tem vindo a acontecer com a língua portuguesa.

Embora o Emakhuwa também fosse falado por 25% da população, diferentemente da

língua portuguesa, a língua moçambicana não podia ser encontrada em todas as regiões do

país, o que a caracterizava como específica de alguns grupos étnicos. Isso tudo a impedia de

ser elevada a categoria de língua oficial. Nas considerações de Brito (2009, p.79-80), “essa

realidade linguística, marcada pela multiplicidade de línguas, limita a comunicação mesmo

entre os próprios moçambicanos que falam línguas nacionais diferentes – parece residir aí o

papel fundamental (ou pelo menos a justificativa política desse papel) do status de oficial que

cabe à língua portuguesa no território”.

Nesse sentido, uma reflexão acerca da implantação da língua portuguesa em

Moçambique permite-nos perceber que num primeiro momento, a imposição da língua

portuguesa, além de arbitrária, foi visivelmente preconceituosa e doutrinadora, desrespeitando

a cultura e as línguas dos grupos étnicos ali existentes. Num segundo momento, também é

autoritária, uma vez que é institucionalizada em detrimento das línguas nacionais

moçambicanas. Entretanto, com propósitos diferentes do antigo colonizador, por pensar nas

diferenças étnico-linguísticas é que se instituiu a língua portuguesa como oficial, pois com o

estabelecimento desse idioma não se privilegiou nenhuma língua autóctone e, evitou-se,

aquilo que acentuaria conflitos étnicos.

Não foi somente para impedir problemas étnicos que se oficializou a língua

portuguesa, mas também, e principalmente, para tentar garantir a existência do Estado-Nação,

já que a escolha de um único idioma conduz o povo, de certa forma, à sensação de

pertencimento ao mesmo local, neste caso, a Moçambique, por atribuir-lhe algo em comum,

uma identidade.

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Robinson (apud LOPES, 2002. p.22) define o conceito de elevada diversidade linguísitca como “[...] uma situação em que não existe uma percentagem superior a 50% da população que fale a mesma língua”. É importante observar que a multiplicidade de línguas moçambicanas é reflexo da diversidade étnica de seu povo. Cada língua nacional, na maioria das vezes, está associada a um grupo étnico, portanto, a uma determinada região moçambicana.

A identidade linguística, contudo, é um fator imprescindível para a unidade de uma

nação, mas não é o único. Assim, reconhecemos que antes de uma unidade linguística, seria

necessária uma unificação dos diferentes povos que se encontravam juntos no espaço

territorial moçambicano, respeitando-se as diferenças étnicas e culturais de cada grupo.

No documento reflexões sobre lusofonia e identidade (páginas 32-36)