2 MOÇAMBIQUE E A LÍNGUA PORTUGUESA
3.2 LUSOFONIA: CONTINENTE IMAGINÁRIO
Sabemos que os processos colonialistas recriaram o mundo ao conferir a este uma
nova formação. A formação do universo lusófono teve início com o desbravamento português
mundo afora com as grandes navegações lusitanas, pois,
[...] quis o acaso que um dia navegadores portugueses tocassem as costas africanas, descobrindo aquilo que entre outros territórios são hoje os cinco países africanos de língua portuguesa. Que de tentativa da descoberta do caminho marítimo para a índia resultasse a descoberta de outro vasto território no Continente Americano, dando origem ao grande País que é hoje o Brasil. (MOCO, 2002. p. 21).
Desses grandes feitos do “acaso”, podemos destacar personagens como Vasco da
Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão Mendes Pinto, entre outros. Contudo, ao contrário do
que contam os historiadores, os principais protagonistas dos grandes feitos portugueses,
segundo Cristóvão (2008, p.48-9), foram, e ainda são, “[...] três outros viajantes,
‘clandestinos’, que os ultrapassaram em longevidade, importância e eficácia: a língua, a
cultura, a religião, sendo destes três o mais importante a língua, até porque serviu de
intérprete e companheira permanente aos outros dois.”
Essa afirmação de Cristóvão é evidenciada no momento em que voltamos nossos
olhares para os países que vivenciaram o imperialismo português e notamos que as influências
da cultura e da religião portuguesa estão presentes nos costumes dos povos colonizados,
apesar da complexidade e da singularidade de cada uma dessas nações.
Compreendemos, assim, que uma das concepções atribuídas ao universo da Lusofonia
é a união de países e regiões explorados e colonizados pelos portugueses. Juntas, essas pátrias
compõem aquilo que se denomina atualmente de mundo lusófono. Logo, sabemos que são os
fatos históricos, linguísticos e culturais ocorridos ao longo do período colonial e, também,
pós-colonial que nos permitem construir simbolicamente o universo denominado lusófono.
É nesse contexto paradoxal, que juntos Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe
e Timor-Leste formam o continente
imaginário da Lusofonia. Ao congregar esses
oito países de língua oficial portuguesa
constituem-se os países lusófonos e,
consequentemente, estabelece-se a geografia
descontínua do continente lusófono.
Acerca disso, Rosário (2007)
aponta-nos uma divergência em relação à
constituição do espaço lusófono:
Normalmente, quando se utiliza a
expressão “Países Lusófonos” a referência
imediata são os países africanos que têm o português como língua oficial e que por
circunstâncias históricas foram colônias de Portugal, tendo ascendido à independência na
Figura 21: Mapa dos PALOP
década de 70 no século XX. E por extensão, já mais tarde, Timor-Leste. Normalmente é senso
comum que o Brasil e os brasileiros não são incluídos neste conjunto, muito menos Portugal.
Nessa direção, a comunidade lusófona seria composta somente pelos Países Africanos
(Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) de Língua Oficial
Portuguesa (PALOP), e pelo país asiático (Timor-Leste) que adotaram a língua portuguesa
como língua oficial, respectivamente no final do século XX e no início do século XXI.
Notamos, nesse caso, que a divergência na concepção do espaço lusófono, a exemplo da
Lusofonia, convergir-se-á no aspecto linguístico.
A comunidade lusófona pode ser compreendida sob duas perspectivas. A primeira é a
instituída pela Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), espaços em que o
português é idioma oficial; a segunda, proposta por alguns teóricos e estudiosos da Lusofonia,
como por exemplo, Brito e Martins, é os espaços onde (também) se fala o português. Ambas
concebidas como um espaço geográfico descontínuo.
Em outra perspectiva, mas com certa proximidade, Elia (1989, pp. 16-17), apresenta o
espaço lusófono dividido em cinco partes e, ainda, sob uma visão colonialista:
A Lusitânia Antiga compreende Portugal, Madeira e Açores. A Lusitânia
Nova é o Brasil. A Lusitânia Novíssima abrange as nações africanas
constituídas em consequência do processo dito de “descolonização”, e que adoptaram o português como língua oficial: Angola, Moçambique,
Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe. Lusitânia Perdida são as regiões
da Ásia ou da Oceania onde já não há esperança de sobrevivência para a
língua portuguesa. Finalmente, Lusitânia Dispersa são as comunidades de
fala portuguesa espalhadas pelo mundo não lusófono, em consequência do afluxo de correntes migratórias. (grifo do autor)
Os estudos de Elia antecedem os acontecimentos históricos ocorridos em Timor-Leste,
os quais levaram à escolha da língua portuguesa como língua oficial, em 2002.
Para o Estatuto da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), instituída em
junho 1995, em Lisboa, Portugal, pelos sete presidentes dos países de expressão oficial
portuguesa, aos quais anos mais tarde foi acrescentado Timor-Leste, especificamente no
artigo 6º, o qual define quem são seus participantes, o universo lusófono geograficamente
constitui-se de países de expressão oficial portuguesa, uma vez que o texto do estatuto afirma
que: “[...] qualquer Estado, desde que use o Português como língua oficial, poderá tornar-se
membro da CPLP [...]”. Dessa forma, segundo a CPLP, a visão oficial do universo lusófono
restringe-se aos países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal,
São Tomé e Príncipe, e Timor-Leste.
Figura 22: Logomarca da CPLP
Fonte: http://opinioessobreisso.blogspot.com.br/2009/10/cplp.html
Observamos, desse modo, que é a participação comum numa certa língua, a língua
portuguesa, e não noutra que define o universo lusófono. Acrescenta-se a isso o vínculo
histórico de um colonizador comum. Assim, a Lusofonia constitui-se concomitantemente de
forma linguística – pelos países de língua oficial portuguesa, geográfica – pelos espaços em
que estão os países em que o português é idioma oficial, e pelos países que foram colonizados
por portugueses. Em síntese, para a CPLP, o mundo lusófono constitui-se pelo espaço
geográfico em que o português é o idioma oficial.
Nessa perspectiva, o universo lusófono, bem como a Lusofonia, constitui-se
geograficamente assim:
Figura 23: Mapa Estados-membros da CPLP Fonte: http://www.cplp.org/id-22.aspx (2012)
Nesse sentido, sob a perspectiva da CPLP, compreendemos o universo da Lusofonia
como espaços geograficamente descontínuos, unidos por uma língua – herança de um
colonizador comum e institucionalizada como oficial – que realça, por meio de suas
modalidades, a pluralidade étnica, linguística e cultural de seus povos. Dessa maneira, o
universo lusófono pode ser compreendido como uma identidade linguística partilhada por oito
países unidos por um passado em comum e por uma língua que mesmo enriquecida pela
diversidade desses países, ainda se reconhece como una.
Na linha do proposto pela CPLP, para Lourenço (2001, p.164):
A esfera da lusofonia é, idealmente, a dessa língua, herdada de outras, aparentada com outras, por sua vez aberta [...] a todas as outras com que entrou em contato enquanto língua de colonização, sem programa pedagógico de expansão em sentido moderno. (grifo do autor)
Essa língua una deve ser instrumento de união, de entrelaçamento, de ajuda, de
cooperação e de amizade. Não haverá Lusofonia possível sem que haja harmonia entre os
povos falantes de língua portuguesa: “[...] a afirmação de nossa comunidade só se pode
fazer-se no respeito pelas identidades culturais, às vezes regionais, que há em cada um de nossos
países. (D’LAKHAMA, 2000. p.85)
Acerca disso, é importante ressaltar, como lembra Rosário (2007), que “a base para a
constituição de uma comunidade constituída por esses Países também não adoptou o nome de
Comunidade Lusófona, mas sim Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP.”
Vemos, portanto, que na esfera oficial o termo Lusofonia não é adotado como denominador
de espaço, cultura ou identidade.
Isto observado, constatamos que a palavra Lusofonia e os termos dela derivados não
fazem parte da cadeia semântica dos discursos oficiais. Ousamos dizer aqui que ao não fazer
referência ao termo Lusofonia, a instituição da CPLP distancia-se da polêmica que o cerca e,
assim, estrategicamente assegura uma comunidade global restrita às relações
político-diplomáticas, de cooperação e de promoção da língua portuguesa.
Moco (2002, p.21) assinala que:
O mundo de hoje cada vez mais globalizado ensina-nos que a conjugação de iniciativas tem sempre melhores resultados quando é feita através de uma união, isto é, através de uma forma de organização concebida e consentido (sic) pelos respectivos povos e não imposta a estes, que permita congregar os mais supremos valores que o identificam para que juntos possam fazer face aos novos desafios impostos pela globalização tendentes a encontrar soluções capazes de resolver situações que cada vez mais requeiram a colaboração para a concretizarão (sic) de objetivos específicos comum.
Dada a não definição do conceito de Lusofonia e, consequentemente, dos termos dela
derivados, bem como da polêmica histórica que o circunscreve, a utilização do termo
Lusofonia nos discursos ou no nome da instituição certamente não permitiria congregar estes
oito países em uma comunidade.
Numa acepção geográfica mais ampla de Lusofonia, é curioso observarmos que a sigla
CPLP não significa Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa, no lugar de Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa. Se assim fosse, a sua abrangência geográfica não se
limitaria apenas aos países de língua oficial portuguesa, constituindo, assim, um universo
lusófono, ainda que descontínuo, mais amplo, já que, além dos países membros da CPLP,
estariam os povos de outras comunidades que utilizam o idioma português como meio de
comunicação e expressão, como por exemplo, os goeses e os macaenses. Somam-se ainda
outras comunidades de falantes de língua portuguesa espalhados pelo mundo: Canadá, Japão,
Índia, França, Austrália, entre outros.
É, pois, assim, o universo lusófono constituído por toda e qualquer região geográfica
onde se fala o português, e não somente pelo espaço geográfico em que a língua oficial é o
português. A partir desse fato linguístico-geográfico, somados a tantos outros, como políticos
e culturais, é que se tem procurado elaborar uma teoria acerca do universo lusófono. Dessa
forma, geograficamente, teríamos:
Figura 24: Mapa do Espaço Lusófono
Fonte:<http://www.febab.org.br/forum/Img/mapa-2.jpg>
Em síntese, o Universo da Lusofonia pode ser percebido como espaços
geograficamente descontínuos, unidos por uma língua em comum, a língua portuguesa,
respeitando-se as suas nuances locais. Esse universo constituir-se-á de um continente
imaterial, já que não se pode pertencer, nem mesmo ocupar vários continentes terrestres ao
mesmo tempo; logo, o universo lusófono só se consolidará como continente imaginário.
Diante do exposto, observamos que o universo lusófono também apresenta
convergências e divergências e, a exemplo de Lusofonia, terá o seu ponto de convergência
também, e principalmente, na língua.
Figura 25: Intersecção geográfica do universo lusófono
Todavia, a ideia de universo lusófono não pode estar associada única e exclusivamente
a um espaço de língua e a um espaço geográfico. Esses não são os únicos fatores que, juntos,
dão uma significação para o termo aqui em questão.
Extrapolada, portanto, a definição geográfica, apresentamos algumas concepções
teóricas acerca do espaço lusófono que tem sido defendida por alguns estudiosos. Para
Baptista (2006),
Do ponto de vista da língua, é forçoso reconhecer não só a extrema diversidade da língua portuguesa no espaço lusófono, o que é um fenómeno legítimo e natural no contexto da apropriação vivida que cada comunidade faz da língua que chama sua, como ainda, e sobretudo, o facto de a língua ‘lusa’ ter uma presença e importância muito diversas nos países de língua oficial portuguesa, podendo ir desde a situação do Brasil, que a tem como língua materna, até à posição extrema de língua absolutamente estranha e estrangeira como o é, por exemplo, para largas faixas da população moçambicana, angolana e timorense.
Assim, uma das características do espaço lusófono é a diversidade linguística de
línguas nativas que se que se materializam também na e pela língua portuguesa, revelando
fatores históricos, ideológicos, políticos e culturais que podem melhor significar Lusofonia e
o universo lusófono. A esse respeito, Brito e Martins (apud MARTINS, 2006, p.84)
lembram-nos que “o fato de um conjunto de povos falar uma mesma língua, não dispensa nunca a
consideração de realidades nacionais multiculturais em distintas regiões do globo, como a
língua portuguesa a ter de relacionar com outras línguas locais e a ter que entrar em muitos
casos em competição com elas”.
Nessa concepção do espaço lusófono, é perceptível também um ranço imperialista, já
que segundo Lourenço (2001), “para nós portugueses, a lusofonia preenche um espaço
imaginário de nostalgia imperial, para que nos sintamos menos sós e sejamos visíveis nas sete
partidas do mundo”. Entretanto, se assim pensarem os portugueses, Portugal é o único dos
países que não terá ainda descoberto o verdadeiro conceito de Lusofonia, o qual embora ainda
não esteja definido, sabemos que não traz em sua concepção, ainda que em construção, o
conceito de imperialismo.
Percebemos, então, conforme bem nos aponta Lourenço (2001, p. 112),
o imaginário lusófono tornou-se definitivamente, o da pluralidade e o da diferença, e é através desta evidência que nos cabe, ou nos cumpre, descobrir a comunidade e a confraternidade inerentes a um espaço cultural fragmentado, cuja unidade utópica, no sentido de partilha em comum, só pode existir pelo conhecimento mais sério e profundo, assumido como tal, dessa pluralidade e dessa diferença. Se queremos dar algum sentido à galáxia lusófona, temos de vivê-la, na medida do possível, como inextrincavelmente portuguesa, brasileira, angolana, moçambicana, cabo-verdiana ou são-tomense.
Reconhecer o continente imaginário lusófono sob a percepção da pluralidade e da
diferença é por fim a história de um Portugal dominante e imperialista e abrir espaço para a
que cada um dos países constituintes desse espaço imaginário se (re)apresentem por meio de
sua própria cultura, língua(s), memória e história.
Assim, para constituir o espaço lusófono é necessário respeitar a diversidade cultural,
étnica, geográfica de cada um dos povos pertencentes ou não aos países de expressão em
português como língua oficial. Aceitar essa condição, sem tentar, em qualquer circunstância,
superar uns aos outros, é ser lusófono e pertencer à comunidade lusófona.
[...] como espaço de cultura, a lusofonia não pode deixar de nos remeter para aquilo que podemos chamar o indicador fundamental da realidade antropológica, ou seja, para o indicador de humanização, que é o território imaginário de paisagens, tradições e língua, que da lusofonia se reclama, e que é enfim o território dos arquétipos culturais, um inconsciente colectivo lusófono, um fundo mítico de que se alimentam sonhos.