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Línguas exóticas, porém nacionais

No documento PASSAPORTE PARA A AMERICANIDADE (páginas 153-158)

CAPÍTULO III MERCOSUL: VERTENTE CULTURAL

3.5 Línguas exóticas, porém nacionais

O espanhol é falado do México à Argentina por cerca de 358 milhões de pessoas

na América, e o português, por aproximadamente 180 milhões, embora apenas no Brasil, mas por um contingente que representa metade da população da América da Sul. Para a região os dois idiomas são os principais instrumentos de sustentação cultural e canal de relacionamento entre si e com o exterior. Ambos fazem parte do imaginário sobre a identidade regional. A origem ibérica e latina de ambos facilita a comunicação entre os povos, embora essas línguas faladas pela população no cotidiano sejam entendidas com dificuldade por uns e outros falantes.

Com os dois idiomas oficialmente aceitos como instrumento de desenvolvimento das comunicações e entendimentos, o Mercosul estaria declinando do uso de qualquer outra língua falada no continente, inclusive o guarani, língua vernacular da América Meridional

e reconhecida como oficial junto com o espanhol pelo Paraguai , e algumas áreas periféricas. Por força da pressão do governo paraguaio, o guarani foi finalmente admitido no Mercosul como língua oficial, embora com um caráter simbólico .

A língua espanhola, também conhecida na América como castelhano, é o nome dado a uma língua românica , originária de Castela, na Espanha, e que primeiro chegou à América, a partir do descobrimento, no reinado de Izabel. Hoje é a língua mais falada das Américas e, junto com o inglês, é a língua ocidental que possui mais falantes. Do espanhol derivam-se dezenas de dialetos. A região do Mercosul e seus associados abriga alguns deles: espanhol chileno,espanhol colombiano central ,espanhol peruano ribeirinho,espanhol venezuelano, espanhol venezuelano central, espanhol venezuelano guaro-maracucho e espanhol riopratense. Outras vertentes sãos as línguas crioulas e outras

derivadas como o ladino e o papiamento

(<http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_castelhana> Disponível em: 14. 12.06). No Brasil fala-se o português, mas o país abriga 324 etnias, falando perto de 148 línguas diferentes, 26 das quais do tronco tupi, segundo dados da Funai (1993). A língua guarani está presente também entre algumas das 38 línguas não classificadas. Os diferentes grupos étnicos apresentam traços, costumes, culturas e línguas distintas, falando mal o português. Ocorre algo semelhante na Argentina. (Correio Braziliense, 24 de outubro de 1993, p.23)

Os falantes do português no Brasil entendem que suas falas são "sotaques" ou até "pronúncias", e não dialetos. Um dos motivos é o fato de que o termo "dialeto" tira a autonomia da língua, diminuindo, no mínimo, o seu prestígio. Entonações e sons de quase todos os dialetos de Portugal são encontrados em algum dialeto no Brasil. Alguns dialetos portugueses na África apresentam muitas semelhanças com o português do Brasil . Nas antigas colônias africanas usa-se o padrão de língua falado em Portugal. A língua portuguesa tem duas raízes dialetais e quatro sotaques principais: o português (Coimbra e Lisboa), e o brasileiro (Rio de Janeiro e São Paulo). Os demais são influenciados por essas quatro variáveis. No Brasil desenvolveram-se os seguintes sotaques: caipira - interior do estado de São Paulo e sul de Minas Gerais; cearense - Ceará; baiano - região da Bahia; fluminense - estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo (a cidade do Rio de Janeiro tem um falar próprio); gaúcho - Rio Grande do Sul; mineiro - Minas Gerais; nordestino - estados do nordeste brasileiro (o interior e Recife têm falares próprios); nortista - estados da bacia do Amazonas; paulistano - cidade de São Paulo; sertão - Estados de Goiás e Mato Grosso; sulista - Estados do Paraná e Santa Catarina (a cidade de Curitiba tem um falar próprio, e há ainda um pequeno dialeto no litoral catarinense, próximo ao açoriano). (<http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil> Disponível em:. 14.12.06)

Em que pese a 98% dos brasileiros falarem o português, grupos minoritários usam no Brasil outros idiomas no dia-a-dia. Nesse caso, estão principalmente 180 línguas indígenas. A maioria dessas línguas derivam-se do tronco tupi-guarani e são faladas por um grande número de grupos. Alguns desses idiomas estão sob risco de extinção.

Os demais são utilizadas pelas poucas comunidades remanescentes do processo de imigração e que conseguiram preservar seus idiomas de origem, principalmente no sul do país. A maior parte está no Sul, e fala dialetos alemães, entre os quais predomina o riograndenser Hunsrückisch e o pomerano, que vivem, contudo, em comunidades menores.

A outra é o italiano principalmente do Vêneto com falantes concentrados nas serras gaúchas e no interior de São Paulo. O japonês é falado nas colônias paulistas. O censo de 2000 acusou a existência de, pelo menos, dois milhões de brasileiros falando outra língua diferente do português: 1,5 milhão fala o alemão; 500 mil, o italiano; 400 mil o japonês e 37 mil o coreano. Mas são comunidades bilíngües; o português está sempre presente. Os descendentes de imigrantes que ainda falam o idioma de origem materna estão assimilando rapidamente português; está em declínio o número dos estrangeiros que ainda falam a língua dos antepassados, especialmente as novas gerações, que se escolarizam por meio da língua portuguesa. (<http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil> Disponível em: 14.12.06).

Os falantes de língua portuguesa estão hoje representados pela Comunidade de Países de Língua Portuguesa que, cedo ou tarde, se beneficiará com o êxito dos entendimentos no Mercosul, cuja constituição exige uma Reforma Ortográfica, já tentada em 1990, com o fim de criar um padrão de português internacional. A questão continua em debate. O acordo pretende eliminar algumas duplicações de letras, adicionar pequenas novas regras e agregar algumas palavras novas. A questão é importante para a CPLP, mas será fundamental para o português oficial dentro do Mercosul, já que a língua em reforma pretende ser aquela que incorporará todos os imigrantes que ainda usam a língua material e a que será utilizada pelos países e organizações que adotarem oficialmente o português nas relações internacionais. (<http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil> Disponível em: 14.12.06).

3.5.1 Política de línguas

A presença da Igreja católica na América data do descobrimento. A Igreja è outra

instituição que deixou marcas profundas na formação dos povos da América Meridional, ao dividir com o Estado os méritos e os ônus das conquistas, ambos apoiando, a seu modo, o processo de colonização, às vezes se confundindo, como no caso da Companhia de Jesus, que tanto evangelizava como ajudava na organização política, administrativa e econômica da colônia. O ato que institucionalizava a posse das novas terras passava sempre por uma missa rezada no local por um dos religiosos presentes, independentemente da forma – violenta ou pacifica – como se dera a conquista.

A organização eclesiástica seguia o formato convencional da Igreja com as arquidioceses, dioceses, prelaturas e paróquias, às quais cabia ministrar e evangelizar o gentio, ministrar os sacramentos e instruir a população, segundo, evidentemente, os preceitos cristãos, e que não sofrerão, na América, grandes modificações nem com a forte presença do pensamento iluminista. As missas eram rezadas em latim mas, aos poucos, os jesuítas, em plena atividade em prol da cristianização do gentio, foram adaptando-as aos interesses da colonização, tornando-as amalgamadas culturalmente.

Fundada em 1540 pelo basco Ignácio de Loyola e um grupo de jovens parisienses e apoiada pelo Vaticano, a Companhia de Jesus chegou ao Brasil somente em 1549. Propunha-se a disseminar o cristianismo no mundo e, na América, cristianizar o gentio, Ao chegar por aqui, instituiu a Província Brasileira da Companhia de Jesus e, logo a seguir, um colégio que foi se reproduzindo em novas unidades praticamente por toda a costa. Pautavam-se pela religiosidade e foram os principais combatentes da Igreja contra a

Reforma Protestante. Eram contrários à escravização do índio, embora os usassem na produção comunitária nos aldeamentos missionários, nas missões no Sul e nas reduções no Paraguai.

Tinham uma constituição própria, escrita por Ignácio de Loyola, superior da Ordem dos Jesuítas (1554).Chegaram a controlar estrategicamente para a Coroa espanhola todo o vale do rio Paraguai e articular missões para proteção às comunidades do altiplano boliviano, o que dava também um caráter militar às suas atividades, expresso claramente nas guerras guaraníticas, cujos relatos informam, por exemplo, que o jesuíta, padre Gabriel, seguiu “sin mas armas”, senão a própria fé, e outro jesuíta foi crucificado e atirado nas turbulentas águas do rio.

As missões jesuíticas espanholas funcionavam também como unidades econômicas de um modo de produção de aparência feudal. Produzia-se, de preferência, coletivamente, dividindo o resultado entre as famílias (abambaé) e o Estado (tabambaé), o cabildo, presidido por um corregedor eleito entre os próprios indígenas. A produção individual era também dividida: uma parte era de Deus (tupambaè), que ficava com os jesuítas.

Com a Igreja, a organização do Estado e depois a Independência, vieram as festas religiosas, os feriados, as comemorações litúrgicas - que foram se ajustando ao longo do tempo - e também as datas nacionais comemorativas, celebradas sempre com , no mínimo, uma missa solene. As datas mais importantes na área religiosa estavam relacionadas às do nascimento ou morte do santo padroeiro do país e com as representações da Independência e feitos heróicos nacionais. No Brasil, instituiu-se a comemoração da revolta de Tiradentes contra Portugal. No Uruguai, existe uma data dedicada anualmente a comemorar o nascimento de Josè Artigas, considerado o libertador do Uruguai; na Argentina, o de San Martin.

A Semana Santa e o Dia do Trabalho são comemorados em todos os países do Mercosul. Mais recentemente, os nativos da América ganharam um Dia do Índio. A Bolívia, o Peru, membros associados do Mercosul, e algumas regiões do Paraguai são os únicos a realizar,ainda hoje, eventos públicos comemorativos originários de representações culturais das populações nativas. No Brasil tem sido realizado também encontros de populações indígenas e até Jogos Indígenas de cunho nacional, nos quais reúnem-se representantes de muitos povos. Na Argentina, e na realidade em quase toda a América Espanhola, comemora- se, paradoxalmente, o “Dia da Raza”, uma exaltação à “raça” ibérica, particularmente a espanhola, pelas conquistas na América. Uma área que tem permitido um estreitamento de relações, embora sob ânimos acirrados dos cidadãos, é a dos campeonatos de futebol na América do Sul (Copa Roca), cada vez mais diversificados, e dos quais emergiu competição chamada Comebol, disputada entre os países do Mercosul. Nas regiões de fronteiras são realizadas, sistematicamente, competições e eventos amistosos entre populações de um ou outro lado.

3.5.2 Religião, festas e comemorações

Ora, a língua é um instrumento de produção de sentidos. Othon Maria Garcia, (1995, p.155) afirma que “[...] independente do emprego que se faça, a palavra existe no espírito com todos os seus significados latentes e virtuais, prontos a surgir e a se adaptarem às circunstâncias que a evoquem”. Ela fundamenta a prática discursiva dos sentidos. Está presente, gerando a ação social. Para que possa cumprir bem o seu papel, ela desliza sobre um conjunto de regras anônimas e históricas que, segundo Foucault, são sempre determinadas pelo tempo, ocorrendo no espaço devido. Ela tanto pode se apresentar com nuances de fala rural ou urbana, pública ou privada - até mesmo se vinculando a usos vulgares e corriqueiros -, escritas ou orais.

Como uma espaço público, o Mercosul busca na linguagem os fundamentos do interesse social e os limites das possibilidades da compreensão mútua e da integração entre povos. Inicialmente achou-se por bem adotar, como línguas oficiais do organismo, o espanhol e o português. As opções implicaram, contudo, numa total exclusão das línguas nativas que, na América, são ainda faladas por cerca de 50 milhões de pessoas, evidentemente que algumas mais representativas em termos numéricos e outras até em processo de extinção. A adoção do guarani como a terceira língua do Mercosul foi oportuna, já que se trata de uma língua falada por populações de, pelos menos, quatro países membros do organismo.

Mesmo admitida em caráter simbólico, a questão das línguas no Mercosul poderá vir a ser um problema, à medida que o organismo passe a dedicar maior atenção para a área cultural. Como o Mercosul se apresenta como um vetor da americanidade, ou seja, da integração de países e populações da América do Sul, obrigatoriamente essa americanidade passa por uma política lingüística, por meio da qual devem ser reconhecidas e incentivadas, de alguma forma, outras línguas nativas importantes e usuais como o quéchua, o mundungudun e o aimarà, cada uma delas apresentando sentidos próprios. Certamente, emergirão dessa política as contradições do multilingüísmo.

Em todos os países, os governantes eventuais procuraram direcionar a prática e o ensino de uma língua mais específica, capaz de refletir uma identidade nacional, e o fizeram de maneira nem sempre civilizada. Nos últimos 70 anos, o guarani foi banido das escolas no Paraguai. A resistência da língua é, contudo, impressionante. Proibida nas escolas, ela è falada na família, nas casas, nos contatos íntimos e na rua. O quéchua foi a língua comum dos incas, e, apesar de toda repressão, ao longo desses 500 anos, sobreviveu e é hoje língua oficial no Peru. O mesmo ocorre com o aimará, na Bolívia. Uma política lingüística para o Mercosul vai dizer que línguas devem ser admitidas como oficiais ou públicas, e que tipo de tratamento receberão em função da sua responsabilidade de produzir sentidos públicos. O guarani aparece em discursos no âmbito privado e em discursos de caráter público na literatura, na política e na mídia.

A América è multilingüística e o Mercosul é um espaço, no mínimo, do bilingüismo. Mas, enquanto o espanhol e o português são línguas que ultrapassam os limites nacionais e até continentais, as demais línguas americanas apresentam-se como experiências muito localizadas [...] o espaço que o guarani ocupa é muito limitado e a passagem para o

espanhol se torna rapidamente indispensável”, afirma Carolina Alcalá (2006) e conclui dizendo que a produção de sentido, a partir dessas línguas, apresenta sérias restrições: a escassez de gramáticas e dicionários monolíngües, e de textos didáticos escritos em espanhol.

3.6 Perfil identitário do Mercosul (Indústria cultural)

Quando se discute um processo integracionista entre nações soberanas e autônomas, é impossível ignorar a imagem que os povos têm de si e entre si. Na formação de cada Nação, existem elementos históricos e culturais diferenciados, interferindo na vida social e, portanto, no imaginário das populações. Diante da pluralidade de culturas, qual seria o perfil identitário dos povos do Mercosul? Os mitos fundadores precisariam ser refundados?

A inserção da dimensão cultural identitária no espaço social do Mercosul passaria, no entender de Saraiva (2003), pelo tratamento da integração a partir da cultura de uma forma pragmática: a da indústria cultural. O Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) dedicou boa parte do seu tempo, tentando operar nessa direção. Saraiva (idem) entende que [...] “a materialidade econômica da cultura permite viabilizar os desejos de aproximação dos povos”. Ressalta, contudo, que:

[...] inserindo a dimensão de cultura no seu contexto econômico, não significa a negação das percepções românticas que imaginam a integração como o ideal que alimenta a vontade dos povos de estar juntos, de construir identidades comuns e de alimentar sonhos de um futuro sem fronteiras culturais entre os povos. [...] A experiência histórica da formação dos processos de integração demonstra como as duas dimensões – a romântica e a pragmática – podem e devem seguir juntas. [...] Já se pode afirmar que não haverá futuro para um Mercosul apenas mercantilista. [...] A revitalização desejável do esforço de integração demandará, nos próximos anos, um novo ambiente na relação entre cultura, educação e economia (SARAIVA, 2003, p.17).

Como vetor de uma identidade, o Mercosul procuraria promover a autoconsciência histórica dos povos envolvidos e uma mudança de atitudes culturais. Para Saraiva (2003), o sentido dessa mudança só poderia ser alcançado com o desenvolvimento da relação entre cultura e indústria cultural. No seu entender, parece inegável que essa última tenha, entre outras, a função de contribuir efetivamente para a construção da identidade dos povos da região. “Se há um patrimônio já conquistado pelo bloco, outros necessitam ser construídos”, afirma, o que conduz à idéia de que há necessidade de um projeto novo para as indústrias culturais do Mercosul.

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