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Noção de americanidade

No documento PASSAPORTE PARA A AMERICANIDADE (páginas 79-86)

CAPÍTULO II AMERICANIDADE: MODERNIDADE E IDENTIDADE

2.5 Noção de americanidade

A noção de “americanidade” buscada nesta pesquisa pretende que ela seja uma leitura da realidade, um auto-reconhecimento identitário e, ao mesmo tempo, a incorporação individual de um imaginário enraizado nas culturas e etnias continentais e experiências sociais históricas dos povos da América e que conduzam à percepção de um pertencimento. A sua realização parece exigir uma certa visão de alteridade - escrever a própria história a partir da compreensão do outro - podendo até mesmo envolver a construção de uma espécie de “non lieu identitaire” para a população, por exemplo, de imigrantes mais novos, de raízes americanas ainda frágeis.

A complexidade do fenômeno está aí presente. Convive-se com problemas graves, quase inconciliáveis em relação, por exemplo, às diferenças econômicas e sociais, com a riqueza e a pobreza e outros paradoxos. Interessa neste trabalho saber como encaixar as diferenças culturais. Se é difícil a construção de uma nacionalidade numa sociedade fragmentada ou num mundo que vem se insinuando global, imagine-se conseguir a adesão a uma identidade continental fluída de matizes históricos e culturais descompensados . De outro modo, quando se pensa na homogeneidade conceitual da americanidade, a primeira preocupação seria com o fato de que se a adesão não levaria ao rompimento com as marcas identitárias étnicas, lingüísticas e as representações da nacionalidade, aquelas que refletem o estado de pertencimento a uma comunidade específica.

A americanidade está diante também do desafio de enfrentar o patronímio “americano”, cujo uso está relacionado com o caráter identitário nacional do indivíduo nascido ou naturalizado nos EUA, construído, segundo Zilá Bernd, sob a forma de uma “metonímia hipervalorizante”. Trata-se de uma discussão também bastante complicada, já que os norte-americanos (estadunidenses) assumiram logo no primeiro momento da sua independência a condição de pertencimento à América em oposição aos europeus.

[...] un mythe américain comme um mythe de transformation e de renouvellement. Ce scénario mythique reflete um geste de passage qui determine lê conflit inaugurall propre au êtres américains. Le mythe définit l’americanité , identifie les manifestations cultureles du Nouveau Monde et caractérise la conscience de l’homme américanin déchirée entre des appelles contradictoires: une défense de la civilisation, mais une méfiance à l’égard d’elle; une attirance pour les sauvages, mais un mépris envers eux; um désir de stabilité , mais um attrait pour les grands espaces ouverts de l’aventure. (SOUSA, 2002. p. 55-83).

de cidadania distinta, independente e “excepcional”, instituída com o sentido de neutralizar a influência européia, apelidada de Velho Mundo, deslocada pelas descobertas de novos mundos, cujas contradições não se ajustavam ali, e para identificar um espaço de autonomia. Contudo, parece haver maior segurança na América, fora dos Estados Unidos, no uso sistemático no cotidiano do patronímio “americano” para se referenciar aos nascidos ou naturalizados naquele país, do que mesmo entre os cidadãos estadunidenses para distinguirem-se.

Uma corrente de intelectuais norte-americanos, Berlowitz, Donohuge e Menand (1993) entende que os cidadãos nascidos nos EUA convivem sistematicamente com a dúvida sobre a existência de um passado fundacional. As matrizes que configuram a sua cidadania, segundo essa corrente de pensadores de uma teoria para a América, são encontradas mais nos discursos de três cidadãos - John Adams Thomas Jefferson e James Monroe - que na própria literatura que tem reivindicado para si esse privilégio. Donaghue, no seu ensaio “Os Verdadeiros Sentimentos da América” (BERLOWITZ, 1993), salienta que John Adams, por exemplo, como um dos pais fundadores da Nação, seria o principal responsável pela convicção dos norte-americanos de que eles estão destinados a salvar o mundo da corrupção e da tirania, e de que não devem obediência a ninguém fora dos EUA.

[...] o sonho de perfectibilidade americano e o desejo de desempenhar um papel de cruzado e de exemplo para o mundo tem obsedado e fequentemente feito fracassar a política externa

americana por várias administrações. (CHACE, 1993 apud

BERLOWITZ et alli, 2003).

Tais convicções, observa Donaghue (BERLOWITZ, 1993), produziram um aparato imperialista e uma política externa que têm ameaçado a estabilidade e a paz mundial. Belowitz encerra sua apresentação de “A América em Teoria” (1993), dizendo que os ensaios contidos no livro tratam, no fundo, da “natureza dinâmica da vida e do pensamento americano”.

Ora, os Estados Unidos, como uma sociedade nova e diferenciada dos europeus, tiveram um desenvolvimento rápido e próprio, baseado especialmente no desenvolvimento do capital financeiro, da indústria e da tecnologia, de tal forma que se transformou num ícone da modernidade, nos tempos de globalização. Impulsionada pelos meios de comunicação contemporâneos - cinema, música pop, televisões a cabo, a grande imprensa, a internet - a cultura norte-americana, sem negar os velhos postulados do pensamento filosófico europeu, vem se fazendo presente, desde a sua Independência, como um modelo, uma opção para o restante do mundo. Nesse sentido, exerce uma forte atração sobre as pessoas e nações e se apresenta como um espaço de deglutição de valores arraigados para os jovens de todo o mundo, de que não se excluem os outros países das demais Américas e seus povos.

A dimensão da questão é observar que pode estar surgindo também daí, matizes - alguns contestados ideologicamente - de um pacto expressivo transformador e configurativo de uma americanidade diferente daquela que vem sendo posta até então como fundamentada em raízes históricas e culturais bem definidas. As décadas de 80 e 90, quando o mundo

viveu suas crises econômicas mais contundentes, o comércio, as novas tecnologias e a integração emergiram, sinalizando como solução para um entendimento regional. É quando vai se dar a formação do Mercado Comum Europeu, além de outros esforços integracionistas que farão com que as culturas nacionais interajam em prol de uma unidade regional capaz de marcar a presença identitária no todo.

Embora a cultura norte-americana se apresente com um formato próprio e um "aparato" de sedução – a indústria cultural -, até como modelo para os países da América, a colonização espanhola e portuguesa e as independências, conduzidas por diferentes caudilhos libertadores em diferentes regiões da América, enraizaram outras influências, levando essas regiões, já países, a buscarem outros caminhos que terminaram por conduzi- los, quarenta anos depois da independência norte-americana (1776), a patronímios que os distinguiram de si mesmos e já não da Europa, mas, e, principalmente, dos Estados Unidos, cujo modelo era visto como uma ameaça ao desenvolvimento das demais regiões ou países da América. De modo que essa América, por receio, recusou-se a americanizar-se nos termos do modelo e do formato dado pelos Estados Unidos, embora continuasse a perseguir, primeiro, o progresso e, em seguida, a modernização dos seus países. Para políticos nacionalistas e intelectuais românticos, americanizar-se passou a significar a incorporação da identidade e da cidadania norte-americana.

Refletindo sobre o espaço americano, Donaldo Schüler observa que

O mapa do continente americano emerge das lutas por independência manchando de nacionalidade, fragmentos e unidades impostas, herança de conflitos distantes. As unidades políticas se isolam ressentidas, mutuamente hostis. Desenvolvem-se inseguras, carentes. Nascidas de batalhas contra o autoritarismo de cabeças coroadas, não cessa a resistência a subordinação imperialista [...] O receio de que a influência alienígena contamine legados culturais de que nos orgulhamos dissemina cautelas (SHULLER, 2001, p.12, apud BERND, 2002, p.13).

E assim, apareceram os argentinos, os bolivianos, os uruguaios, os paraguaios e daí por diante. Cada novo país passou a referenciar seu batismo em caudilhos revolucionários e em lutas históricas regionais diferenciadas. Essas representações não conseguiram, entretanto, apagar todos os rastros das civilizações que lhes deram origem e consistência cultural. Surge então uma corrente de pensamento, da qual compartilha a professora Lícia Sousa (2002), que, ao discutir o caráter identitário dos povos da América, entendia que, de uma maneira ou de outra, “l’espace américain dessine un monde hybride bati a partir de la rencontre de peuples différents.”

Outros, como Maximilien Laroche (1986), entendem que, para se chegar a uma configuração de uma identidade na América, há necessidade de romper o que ele chama de “vício” lingüístico que se espalha por todos os idiomas, unindo sistematicamente uma palavra e uma coisa. Constata-se que a apropriação da palavra “americain” pelos EUA nos termos como é usada cotidianamente – e não apenas nos EUA, mas por oposição também pelos demais habitantes da América - evidencia uma distinção e, ao mesmo tempo, sua

ambigüidade, impedindo, de certa forma, que apareçam argumentos fortes propondo uma reversão da situação. Para esses, as Américas precisam ser redescobertas ou reinventadas: “Reinvention of the Americas must begin with exposure of the rhetorical incoherence we commit each time we designate the United States by the sign America, a name that belongs by rights to the hemisphere” (CHAVIGNY et alli, 1992, p.195).

Seguindo a linha da multiculturalidade, no artigo publicado na revista Interfaces, da Associação Brasileira de Estudos Canadenses, Zilá Bernd (2002) procurou fazer uma ligeira revisão do ideologema “americanidade”, retraçando seu percurso até chegar ao Brasil, a partir de onde ela introduz o subtítulo “Parcours brésilien”. Começa citando o Padre Antônio Vieira (1608-1697) porque, segundo ela, foi a voz de maior repercussão no período colonial brasileiro, destacando na sua fala, uma referência à América, ao analisar a situação dos escravos no Brasil: “ Eles passam da África à América para viver e morrer como cativos”. Lembra também o poema épico O Uraguai (1769), do ex-jesuíta José Basílio da Gama, no qual ele sinaliza para os primeiros fundamentos identitários do Continente, quando, no “Canto IV”, utiliza a expressão “ Liberdade Americana”, e cita os índios vinculados às Missões como “rudes americanos” (BERND, 2002, p.12) . Esse foi o momento em que, destruídas as Missões e expulsos os jesuítas, acirrar-se-iam as discussões na Europa sobre o perfil do homem americano e da sua cultura. Os jesuítas expulsos iriam participar ativamente desses debates, em sua maioria, defendendo a América já como uma “Pátria”, conforme mostra Beatriz H. Domingues. (2007):

[...] a historiografia brasileira mostra que do século XVII ao XIX a palavra “americano” circulava referindo-se ao Brasil. José de Alencar no prefácio do livro “Sonhos d´Ouro”(1872) , na esperança de fundar uma literatura nacional – [...] a literatura não que outra coisa não é senão a alma da pátria -, utilizou muitas vezes de expressões “Sève américaine”, “peuple américain, “terre américaine”. ((BERND, 2002. p. 12).

A partir do início do século XIX, quando são desencadeadas as guerras pela Independência, os novos países estão desamparados de um discurso identitário. Constitui-se numa prioridade a definição das matrizes identitárias de cada nação. No Brasil, os ainda não patronímios “americano” e “brasileiro”, vagueiam pela prosa, pela poesia e, às vezes, pelo teatro. José de Alencar (1829-1877) mostra metaforicamente o casamento do colonizador com o colonizado e com a terra americana, bem como sinais da gestação da nação brasileira e do povo americano. Gonçalves de Magalhães, Couto de Magalhães (1811-1882) e Adolfo Varnhagen (1816-1878) seguem de perto o instinto da americanidade, tentando construir ou fixar uma identidade nacional na literatura brasileira, segundo Luiz Roberto Cairo (CAIRO, 2000, p. 86, apud BERND, 2002, p.13). Cairo cita ainda a definição de Hélio Lopes (1997) para o americanismo: “[...] ne exaltation du continent américain, vu comme um des aspect

du nationalisme romantique brésilien”(CAIRO, 2000, p.86 apud BERND). Segundo Lopes

(1997), “o americanismo dos românticos brasileiros era um tipo de usurpação do termo América: “Nós queremos mesmo roubar o nome América para reestendê-lo ao Brasil (LOPES, 1997, apud CAIRO, 2000, p. 86 apud BERND, 2002, p.13). Assim, diz Cairo, que o pecado que atribuímos aos Estados Unidos foi cometido antes pelos poetas brasileiros do século XIX, na urgência de construir uma identidade nacional. (BERND, 2002, p.13).

Conquistada a Independência, era necessário estabelecer, em definitivo, uma identidade. Tanto D.Pedro I quanto D.Pedro II preocuparam-se profundamente com essa questão, enviando também estudiosos brasileiros á Europa para levantar documentos que pudessem dar consistência á fundação do Brasil como uma nação, dar ao país um caráter institucional, a fixação de uma imagem pública. Era preciso construir, a partir de então, uma literatura eminentemente brasileira, e isso passou a fazer parte de um projeto nacional. Inspirado no grande debate sobre a América que ocorria naquele momento, procurou-se buscar algo em oposição à Europa, e que também não fizesse a América ficar de joelhos para os Estados Unidos, cuja influência no Continente crescia significativamente devido á sua experiência de quase cinqüenta anos como nação independente e soberana. Havia o perigo de um neocolonialismo. Destaca Bernd (2002) que o interesse de demarcar uma ideologia tornou-se ambíguo, e “começou a exigir um outro ideologema que pudesse representar as identidades nacionais”.

Embora a construção da identidade nacional tenha recebido o influxo metodológico dos intelectuais românticos da Europa, os poetas e escritores brasileiros do romantismo e depois do naturalismo e do realismo vão configurar um modelo de brasilidade, fundado na exaltação do índio enquanto etnia brasileira e americana, na miscigenação étnica, e na natureza exuberante, o que facilitará em muito o trabalho dos modernistas de agregar aspectos psicológicos, surgidos das preocupações expressionistas, simbolistas e surrealistas, ao perfil e ao comportamento do brasileiro dos trópicos, distante da Europa, e confuso (dadaísta) devido ao seu surgimento na ambigüidade do processo colonial que se estendeu até à Proclamação da República. Antes da preocupação como um modelo futurista, quase uma ficção naquele momento, baseada nas perspectivas de um mundo de novas tecnologias industriais e domésticas, os autores brasileiros vão, vagarosamente, optar por inscrever-se no que poderia ser chamado de um pré-modernismo, procurando definir o perfil e os tipos humanos brasileiros: o nordestino (Gilberto Freire: 1900-1987); o sertanejo (Euclides da Cunha: 1869-1909: 1882-1948); o caipira (Monteiro Lobato: 1882-1948), o jagunço (Guimarães Rosa: 1908-1968); o garimpeiro (Bernardo de Guimarães: 1825-1884); o índio (Darcy Ribeiro: 1922-1997); o imigrante europeu paulista (Mário de Andrade: (1893-1945); os pampianos (Érico Veríssimo: 1905-1975); o escravo negro, Bernardo Guimarães (1825-1884)); o cidadão urbano, o carioca (Lima Barreto: 1881 - 1922).

Os modernistas chafurdaram a literatura e o cotidiano em busca do caráter que faltava ao brasileiro para formatar uma identidade nacional, ou seja, a essência da sua brasilidade - ainda em oposição à Europa - tentando reconstruir a língua a partir da fala do português no dia-a-dia, mesclada de palavras e expressões utilizadas pelos índios, pelos negros e pelos imigrantes, e assim, delineando o perfil de uma cultura nacional baseada na língua e na linguagem. Eles vão reavivar mitos e lendas fundadores da brasilidade, do que surgirá o personagem Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, um herói híbrido - filho de uma mistura de branco, índio e negro - primitivo, sem nenhum caráter e que vai declarar seu pertencimento à América: “Eu sou americano e meu lugar é na América”. (ANDRADE, 1979, p.166, apud BERND, p. 14)

2.6 “Parcours latino-americain”

Na América Latina, o papel da literatura como instrumento fundamental de auto- afirmação das identidades nacionais não pode ser desprezada. Após as lutas da Independência, os autores nacionais procuraram construir, por meio da literatura, em todo o Continente praticamente, discursos fundacionais para seus nascentes estados. Surgiu um novo tipo de romance - romântico, açucarado e simplista - com versões idealizadas da vida local, alinhavando-os aos interesses ideológicos das elites nacionais que se consolidavam. O ideologema “americanidade” desenvolve-se ao longo desse percurso misto entre o romântico e o ideológico, seguindo um longo processo de diferenciação e identificação (BOLAÑOS, apud BERND, 2001, p, 20) no meio das elites ilustradas do Continente. A expressão foi usada e difundida por Simon Bolívar (1783-1830), com o propósito, segundo ele, de transformar-se num mito fundacional (RICARDO ÁVILA, 1989). Sua consolidação serviria de resposta à política do presidente norte-americano James Monroe, segundo o qual “A América é para os americanos”.

A declaração de autonomia dos Estados Unidos em relação à Europa, pretendeu, ao mesmo tempo – e assim tem sido interpretada – afirmar caráter hegemônico norte- americano, com o seu “destino manifesto” de salvador e protetor da América . Daí surgem novas desconfianças, provocando, ao mesmo tempo, um deslocamento do eixo das lutas pela independência do colonialismo para uma reação contra uma proposta imperialista dos norte- americanos. As autonomias nacionais começaram a conviver com o paradoxo no campo da política externa entre a manutenção de vínculos neocoloniais com a Europa ou de subserviência aos Estados Unidos. A diferença era que os norte-americanos ocupavam o mesmo território e tinham origem similares às dos demais países do Continente. Seu invejável desenvolvimento era impulsionado, contudo, não apenas pela alavanca do liberalismo, da livre iniciativa e amparado por valores religiosos calvinistas, conforme Max Weber, mas também pela destruição das raízes nativas e pela ocupação dos territórios dos demais povos nascidos ou reinstalados na América, pairando sobre toda a América o fantasma da presença e da intervenção norte-americana, possibilidade sistematizada em diversos documentos e declarações unilaterais.

No dizer de Roberto Fernandéz Retamar, o cubano José Martí (1853-1895) foi o grande “descolonizador verbal” da América, ao negar, primeiro, a existência da batalha entre ‘civilização” e “barbárie” , tese levantada por Domingos Faustino Sarmiento (1811- 1888), um educador, escritor e governante argentino, quando na Conferência Internacional Americana, realizada em Washington, (1899-90) expressou seu sentimento de americanidade ao enfatizar que

[...] por maior que seja esta terra e por ungida que esteja para os homens livres, a América em que nasceu Lincoln, para nós, no mais íntimo do nosso peito [...], é maior a América em que nasceu Juarez, porque é a nossa e porque tem sido mais infeliz. ”(RETAMAR, 2006 p.38).

José Martí foi um dos primeiros jornalistas correspondentes da América nos Estados Unidos e na Europa, trabalhando para jornais argentinos, uruguaios e cubanos. Tinha um estilo marcadamente forte e vislumbrava em seus textos os perigos que pairavam sobre a América em relação às propostas dos Estados Unidos, onde viveu boa parte da sua vida. Escreveu “Encenas Norte-americanas” (1881), crônicas sobre a vida cotidiana norte- americana para o jornal “La Nación”, de Buenos Aires, nas quais mostrava as diferenças sociais existentes no país, desaconselhando a adoção do mesmo modelo para a América. Como um visionário, disse e escreveu sobre o seu sonho de uma “Nuestra América” (1891), que começava ao sul do rio Bravo, em que descrevia uma América “mestiça” e homogênea: “ um único coração e uma única mentalidade” (BERND,p.20). Sua influência no pensamento libertário americano foi tão expressiva que, segundo conta Retamar, Fidel Castro, quando foi preso em 1953 sob a acusação de assaltar o quartel Moncada, em Santiago de Cuba, ao ser perguntado quem era o autor intelectual do episódio, respondeu em tom irônico. “A culpa é de José Martí”.

Seguindo por uma linha paralela não necessariamente vinculada ao pensamento de José Martí, mas comungando com as idéias americanistas, aparece o também jornalista nicaragüense Rubén Darío (1867-1916), cujos poemas vão colocá-lo entre os precursores do Modernismo na Nicarágua, Chile, Argentina e até na Espanha, ao reunir o romantismo, o simbolismo e o parnasianismo. Tinha um estilo exótico, emotivo e vibrante, próprio a literatura da América. O Modernismo no Brasil fundiu as matrizes do romantismo, com o naturalismo e o simbolismo, concentrou-se no caráter antropofágico da cultura e encontrou sua maior expressão no grupo de modernistas de 1922, que procurou dar uma configuração identitária singular para o Brasil e os brasileiros, e servirá de inspiração para os outros povos da América.

José Lezama Lima (1910-1976), também cubano como Martí, está entre os intelectuais do Continente a reivindicar explicitamente a necessidade de uma expressão “Americana” que englobasse as diferentes culturas etnias, inclusive as transmigradas, e que se caracterizasse pela voracidade, na deglutição de todo conhecimento disponível. No entender de Lezama o grande exemplo viria das formas proliferantes e incorporativas do barroco, que surgiu na América, dentro de um processo de transculturação, utilizando restos, traços e marcas de outras culturas e dando origem a elementos novos. Assim seria com a americanidade nascida dentro de uma perspectiva modernista.

“Cette expression américaine se caractérise para la prolifération e para la voracité, dans le sens de l´ouverture vers la rèception de toute sorte d´influences, para la capacité de récupérer de restes, des traces, de marque de cultures dévalorisées pour les mettre em scène dans um nouveau contexte”.”[...] L´Amerique serait le lieu de transformation des fragments dáutres imaginaires envue de donner

origine à une esthètique baroque” (Bernd,2002, p.21) . “Le barroque figure dans la fable de notre passé comme um authentique commencement et non pas commer une origine, étant une forme forme que renaît pour engendrer l´Americain” (CHIAMPI, 1988,

No documento PASSAPORTE PARA A AMERICANIDADE (páginas 79-86)