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PARTE II ± DIREITOS, DEMOCRACIA E MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE 54!

3.1 A ênfase nos direitos individuais 55!

3.1.3 Liberalismo moderado 60!

Em outra vertente, um importante marco do liberalismo moderado (às vezes FKDPDGRGH³QRYROLEHUDOLVPR´ IRLDinfluente teoria de justiça de Rawls, formulada inicialmente em 1971 (Rawls, 1999). Construída a partir da concepção de uma ³SRVLomRRULJLQDO´KLSRWpWLFDQDTXDORVSDUWLFLSDQWHVHVWDULDPVXEPHWLGRVDXP³YpX GD LJQRUkQFLD´ 5DZOV VH GHGLFD D LPDJLQDU R SURFHVVR GH IRUPDomR GH XPD sociedade SRUPHLR GH XP ³FRQWUDWR VRFLDO´ FXMR REMHWR seria definir os critérios de GLVWULEXLomRSHODVLQVWLWXLo}HVGRV³EHQV SULPiULRV´GDVRFLHGDGHRXVHMDGRVEHQV

61 identificados como cruciais para permitir aos indivíduos a promoção de seus planos de vida22.

2V SULQFtSLRV IXQGDPHQWDLV ³SULQFtSLRV GH MXVWLoD´  que, na visão de Rawls, poderiam ser aceitos por indivíduos VXEPHWLGRVj³SRVLomRRULJLQDO´ são dois: (i) o

princípio da liberdade, segundo o qual todas as pessoas têm igual direito a um

abrangente e adequado sistema de liberdades básicas, compatível para todos; e (ii) o princípio da igualdade, segundo o qual eventuais desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: (a) devem ser vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos ³SULQFtSLRGDigualdade de oportunidades´ ; e (b) devem ser vantajosas para os membros da sociedade menos favorecidos ³SULQFtSLR GD GLIHUHQoD´ .

O princípio da liberdade é constituído por diversas liberdades civis, nomeadamente a liberdade política (voto e assunção de cargos eletivos), a liberdade de fala e de reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, a liberdade/integridade da pessoa, o direito à propriedade e a proteção contra a prisão arbitrária. Na teoria rawlsiana, o princípio da liberdade tem sempre primazia: em nenhuma hipótese liberdades básicas podem ser objeto de transação para obtenção de benefícios com relação ao princípio da igualdade.

A teoria de Rawls sofreu transformações com o tempo, dando passos em direção ao deliberacionismo. Em obra de 1993 chamada ³3ROLWLFDO /LEHUDOLVP´ (RAWLS:2005), reconhecendo a diversidade de doutrinas opostas, ou mesmo inconciliáveis, no campo da religião, filosofia e moral, o autor introduziu o conceito de consenso sobreposto ³RYHUODSSLQJ FRQVHQVXV´ , atingível por meio do discurso público e da comunicação baseada no uso da razão pública23.

Embora Rawls não discuta explicitamente o papel da comunicação de massa, desenvolve algumas ideias acerca da liberdade de expressão política que fornecem

22 Para Rawls (1999:6), o objeto primário da justiça é a forma pela qual as principais instituições

sociais ± entendidos como a Constituição política e os principais arranjos econômicos e sociais ± distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens decorrentes da cooperação social. Entre as principais instituições sociais, Rawls inclui a proteção legal à liberdade de pensamento e consciência, os mercados competitivos e a propriedade privada, entre outros.

23 A ideia de uso público da razão significa, para Rawls, que cidadãos envolvidos em certas atividades

políticas têm o dever de justificar suas decisões sobre questões políticas fundamentais (como questões de natureza constitucional ou de justiça básica) com referência somente a padrões e valores públicos e utilizando princípios de raciocínio razoáveis que poderiam ser endossados por todos os cidadãos.

pistas sobre sua visão do tema. Em ³3ROLWLFDO/LEHUDOLVP´ (2005:340ss), por exemplo, Rawls claramente estabelece a liberdade de expressão política como uma liberdade básica, elencando, entre seus aspectos centrais, a inexistência do crime de difamação contra autoridades ou a ordem instituída, a inexistência de limitações prévias sobre a liberdade de imprensa, e a plena proteção da defesa de doutrinas revolucionárias e subversivas. Assim, ao seu ver, do conceito de liberdade de expressão política decorre a impossibilidade de censura sobre doutrinas políticas, religiosas e filosóficas, o que incluiria a defesa da subversão.

Apesar do destaque que dá à liberdade de expressão, o autor nota que as OLEHUGDGHV EiVLFDV LQWHJUDP XPD ³IDPtOLD GH OLEHUGDGHV´ GH PRGR TXH QHQKXPD liberdade individualmente considerada tem prioridade sobre as demais. Nesse sentido, ao analisar especificamente o financiamento público de campanhas eleitorais, Rawls considera legítimo que a fala política seja regulada de modo a preservar o justo valor das iguais liberdades políticas. Tal regulação, contudo, deve observar três condições. Em primeiro lugar, não podem existir restrições sobre o conteúdo da fala, de modo a favorecer uma doutrina política em detrimento de outra. Em segundo lugar, os arranjos instituídos não podem impor ônus excessivo aos diversos grupos políticos na sociedade, devendo afetar a todos eles de modo equitativo. Finalmente, as diversas regulações da fala política devem ser racionalmente desenhadas, de modo a alcançar o justo valor das liberdades políticas, adotando-se, quando possível, medidas menos restritivas24. Assim, ao contrário de pensadores mais libertários, Rawls enfatiza a importância da igualdade com relação à liberdade de expressão política, admitindo a existência da regulação com o objetivo de assegurar uma mais equilibrada alocação dos recursos necessários para a fala política em condições de igualdade.

Essa argumentação parece ser consistente com o estabelecimento de regras voltadas à promoção de maior igualdade no acesso a meios de comunicação de massa, no contexto do exercício da liberdade de expressão política. Paradoxalmente R PHVPR DXWRU p H[SOtFLWR DR DUJXPHQWDU TXH D LGHLD GH ³UD]mR S~EOLFD´ QmR é aplicável aos meios de comunicação de massa (1997:768). Em

24 Com relação a esse ponto, Rawls (2005:358) argumenta claramente que a proibição de grandes

contribuições financeiras de pessoas ou entidades privadas a candidatos a cargos políticos não representaria uma restrição excessiva, pois pode ser necessária para que cidadãos com talentos e motivação similares tenham uma chance aproximadamente igual de influenciar a política do governo e de alcançar posições de autoridade, independentemente de sua classe social e econômica.

63 contraposição a Habermas, que defende que a ideia de deliberação deve valer também nas arenas informais da esfera pública, Rawls sustenta que a razão pública deve ser aplicada somente no momento de decisão sobre questões políticas fundamentais na ³DUHQD S~EOLFD SROtWLFD´ ou, mais precisamente, pelos juízes da Suprema Corte; pelos governantes e legisladores; e pelos candidatos a cargos eletivos. A ideia de razão pública, para Rawls, não se aplica à cultura da sociedade civil, nem a qualquer tipo de mídia25.