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Sistemas midiáticos comparados: categorizações e modelos 113!

PARTE II ± DIREITOS, DEMOCRACIA E MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

4. A CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA DO DISCURSO 87!

4.6 Sistemas midiáticos comparados: categorizações e modelos 113!

Conforme antes mencionado, um dos primeiros e mais importantes trabalhos de classificação de modelos midiáticos foi aquele empreendido por Siebert, Peterson H6FKUDPP  QROLYUR³4XDWURWHRULDVVREUHDLPSUHQVD´1DREUDRV autores procuraram, de forma ambiciosa, apresentar concepções diferenciadas sobre o que a imprensa deveria ser e fazer, identificando, para tanto, quatro modelos distintos: (i) o modelo libertário; (ii) o modelo da responsabilidade social; (iii) o modelo autoritário; e (iv) o modelo comunista soviético.

Desenvolvida em plena guerra fria, a pesquisa carrega marcas nítidas da dicotomia então existente entre os modelos estadunidense e soviético. De fato, os autores afirmaram haver, na verdade, apenas duas teorias da imprensa ± a teoria

autoritária e a teoria libertária ± das quais poderiam derivar pelo menos duas outras

teorias: a teoria comunista soviética e a teoria da responsabilidade social. Subjacente à pesquisa está a concepção de que a real diferença entre os sistemas

GH LPSUHQVD p XPD ³TXHVWmR GH ILORVRILD´ 1mR REVWDQWH DV FUtWLFDV GLUHFLRQDGDV j classificação apresentada67, trata-se de obra de influência marcante e duradoura.

O modelo autoritário da imprensa é descrito, pelos autores, como o mais antigo, fruto do período final do renascimento, durante o qual se acreditava que a imprensa deveria servir para transmitir ao público apenas aquelas informações consideradas oportunas pelos governantes. Entre os pressupostos da teoria autoritária está a ideia de que o homem somente pode alcançar seu inteiro potencial como membro de uma sociedade, e que o Estado, como expressão mais elevada da organização da coletividade, deveria sempre prevalecer sobre o indivíduo. O modelo de uma imprensa a serviço do Estado excluía, por óbvio, uma das funções hoje a ela tradicionalmente atribuídas, qual seja aquela de exercer controle sobre o governo.

O modelo libertário, para Siebert, Peterson e Schramm, surgiu no século XIX como reação ao autoritarismo, conferindo ao homem racionalidade e independência com relação ao Estado e, consequentemente, outorgando à imprensa o papel de ³SDUFHLURQDEXVFDSHODYHUGDGH´*DQKRXIRUoDDLGHLDGDLPSUHQVDFRPRXPOLYUH mercado de ideias e de informação, ideia essa que foi, inclusive, incorporada ao Bill

of Rights norte-americano.

O modelo da responsabilidade social, qualificado pelos autores como um ³QRYR PRGHOR OLEHUWiULR´ VXUJLX QR VpFXOR SDVVDGR FRPR IRUPD GH HQGHUHoDU D crescente concentração da mídia. Passou-se a sustentar a necessidade de que a mídia fosse socialmente responsável, zelando pela apresentação imparcial de todos os aspectos envolvidos, de modo que o público tivesse acesso a informações amplas que lhe permitissem tomar decisões informadas.

Por fim, o modelo comunista soviético é retratado como um dramático desenvolvimento do autoritarismo, necessário para assegurar a supremacia política de um partido que, segundo os autores, representaria menos de 10% da população russa.

Entre as diversas críticas dirigidas a essa forma de categorizar a imprensa, destaca-se a assertiva de que Siebert, Peterson e Schramm não teriam, de fato,

67 +DOOLQH0DQFLQL  FKHJDPDRSRQWRGHDILUPDUTXHDREUDWUDQVLWRX³FRPRXP]XPELGHXP

ILOPHGHWHUURU´SHORKRUL]RQWH dos estudos dos meios de comunicação, durante décadas após a sua morte natural. Para esses autores, teria chegado o momento de dar-lhe um enterro digno e avançar no desenvolvimento de modelos mais sofisticados, baseados em uma real análise comparativa.

115 realizado uma análise comparativa, prendendo-se, antes, apenas às filosofias ou ideologias utilizadaV SDUD ³OHJLWLPDU´ RV PRGHORV DSUHVHQWDGRV +DOOLQ H 0DQFLQL 2008:9). Outra importante crítica refere-se ao fato de que muito embora o livro se apresente como uma categorização neutra, ele foi elaborado em pleno contexto de Guerra Fria, carregando, portanto, de forma velada, a agenda política norte- americana no que se refere à expansão do modelo da imprensa privada e comercial. Para Nerone (1995:8), por exemplo, os quatro modelos são apresentados, em realidade, a partir da perspectiva do modelo libertário.

(PERUDDFDUDFWHUL]DomRHPSUHHQGLGDHP³4XDWURteorias sobre a LPSUHQVD´ possua sobrevida duvidosa após o final da guerra fria, a dificuldade em substituir a esquematização apresentada por modelos realistas talvez explique a sua longevidade.

Outra tentativa foi realizada por Blumler e Gurevitch em texto de 1975 (BLUMLER e GUREVITCH, 1995). Os autores não buscaram estabelecer modelos padronizados de sistemas midiáticos e nem se aventuraram por uma análise empírica, mas, reconhecendo a essencialidade das comparações transnacionais para a compreensão dos diferentes vínculos formados entre instituições de mídia e instituições políticas, propuseram quatro dimensões relevantes para a análise comparativa das estruturas de comunicação política: (i) o grau de controle estatal sobre as organizações de comunicação de massa; (ii) o grau de integração entre a elite midiática e política; (iii) o grau de engajamento da mídia; e (iv) a natureza da ideologia legitimadora das instituições de mídia. A filosofia básica por detrás da concepção dessas dimensões é de que os sistemas de mídia podem ser classificados conforme seu maior ou menor grau de subordinação ou autonomia com relação aos sistemas políticos; que tais diferenças estruturais ensejam diferentes formas de processar e apresentar ideias políticas, temas e questões ao público; e que isso gerará consequências diferenciadas com relação aos vínculos entre cidadãos individuais e seus respectivos sistemas políticos.

Proposta mais recente foi apresentada por Hallin e Mancini (2008), que, rechaçando o enfoque universalista pretendido por Siebert, Peterson e Schramm, buscaram apresentar modelos referentes somente às democracias desenvolvidas da Europa ocidental e da América do Norte, com base em uma análise empírica. Assim como Blumler e Gurevitch, Hallin e Mancini elegeram quatro dimensões de

comparação: (i) o desenvolvimento dos mercados dos meios de comunicação; (ii) o paralelismo político, ou seja, o grau e a natureza dos vínculos entre os meios de comunicação e os partidos políticos (ou, de forma mais geral, até que ponto o sistema de meios de comunicação reflete as principais divisões políticas da sociedade); (iii) o desenvolvimento do caráter profissional dos jornalistas; e (iv) o grau e a natureza da intervenção estatal no sistema dos meios de comunicação. Utilizando tais referências, os autores identificam três modelos distintos de sistemas de meios de comunicação: (i) o modelo liberal ou do Atlântico Norte; (ii) o modelo

democrático corporativo ou do norte e centro da Europa; e (iii) o modelo pluralista polarizado ou mediterrâneo.

O modelo liberal ou do Atlântico Norte é caracterizado pelos autores como típico daqueles países que possuem longa tradição de democracia, ampla liberdade de imprensa e forte individualismo. Em geral, é adotado um sistema eleitoral majoritário. Os meios de comunicação de massa são governados por interesses comerciais e não possuem fortes vínculos com partidos políticos e com o governo. Há um grau elevado de profissionalismo dos jornalistas. Exemplos de países identificados com esse modelo são o Reino Unido, os Estados Unidos da América, o Canadá e a Irlanda.

O modelo democrático corporativo ou da Europa do Norte é caracterizado por países com longas tradições democráticas e por Estados fortes, amparados por bem estruturados sistemas jurídicos. Há forte presença do serviço público não comercial de radiodifusão e elevado grau de autonomia para os radiodifusores. O jornalismo, em geral, é profissional e autorregulado, com padrões éticos comuns para rádio, televisão e jornais. Alguns países identificados com esse modelo são a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a Áustria e a Alemanha.

Por fim, o modelo pluralista polarizado ou mediterrâneo é atribuído a países com democratização tardia, forte intervenção governamental na economia e uma imprensa elitista com tiragem relativamente baixa. As empresas de serviço público tendem a se alinhar aos governos nacionais e aos sistemas parlamentares, de modo que sua orientação se altera ao sabor das eleições. O jornalismo é pouco profissional e há fortes vínculos entre atores políticos e jornalistas. O sistema jurídico é frágil. Países incluídos neste modelo são Grécia, Portugal e Espanha.

117 Com todas as simplificações e generalizações inevitáveis em classificações dessa natureza, entende-se que as características lançam luz sobre importantes aspectos dos meios de comunicação e de seus respectivos contextos sociais e políticos. O próximo capítulo examinará as experiências de diferentes países na implantação de mecanismos de pluralismo interno de programação televisiva, buscando avaliar o incremento da participação de diferentes atores e grupos sociais na programação da radiodifusão televisiva. Conforme exposto anteriormente, buscar-se-á, assim, identificar modelos de evolução conjunta de fenômenos sociais, históricos e políticos que impulsionem a instituição de mecanismos formais conducentes a maior grau de pluralismo interno nos meios de comunicação de massa.