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PARTE II ± DIREITOS, DEMOCRACIA E MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE 54!

3.3 A ênfase nos aspectos econômicos e nas relações de poder 79!

3.3.1 Teoria Crítica 79!

A teoria crítica, uma vertente do pensamento marxista, desenvolveu-se a partir da década de 1930, com os estudos empreendidos no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, na Alemanha, sob o comando de Max Horkheimer, e integrado por pensadores como Marcuse, Adorno e Pollock. Tem como fundamentos

filosóficos os trabalhos de Kant, Hegel e Marx, e deve a autores como Habermas e Honneth sua formulação atual. As múltiplas manifestações da teoria crítica caminham por campos pouco explorados pelo marxismo mais ortodoxo, como a estética, a cultura, a psicanálise, a metodologia científica, a democracia, o direito e a sociedade de massas. É importante salientar, contudo, que a teoria crítica não é unitária e não forma uma unidade coesa de pensamento, o que dificulta a identificação de um conjunto fechado de técnicas e proposições. Autores como Held (1980:14) chegam a afirmar que a teoria crítica se divide em dois ramos: o primeiro, centrado no trabalho desenvolvido na Escola de Frankfurt; e o segundo, centrado no trabalho mais recente de Jürgen Habermas, que reformulou a noção de teoria crítica. O uso do termo ³teoria crítica´ no contexto do trabalho da Escola de Frankfurt é, geralmente, reconduzido a artigo de Horkheimer de 1937, no qual a teoria crítica é apresentada como uma teoria social orientada à crítica da sociedade, à sua modificação e à emancipação do indivíduo, contrastando, assim, com a ³teoria tradicional´, voltada apenas à compreensão da sociedade44. A teoria tradicional retratada por Horkheimer é baseada na lógica dedutiva, semelhante àquela aplicada às ciências naturais, e prega uma separação entre o cientista ± sujeito ±, a teoria e o objeto de pesquisa. A teoria crítica, em contraposição, busca compreender a totalidade social e situa o cientista dentro de determinada estrutura de divisão de trabalho no sistema capitalista, evidenciando, assim, a relação entre posições LQWHOHFWXDLVH³ORFDOL]DomR´VRFLDO

A teoria crítica constitui-se, assim, em uma forma reflexiva de racionalidade, ancorada no processo histórico, que se propõe a ser simultaneamente explicativa, prática e normativa. Dito de outro modo, a teoria crítica não se limita a ser descritiva, mas representa uma forma de provocar mudanças sociais por meio do fornecimento de conhecimento acerca das forças da desigualdade social que, por sua vez, podem informar a ação política voltada à emancipação (RUSH, 2005: Capítulo 1). Preocupa-se, assim, em aliar a crítica social à explicação dos processos que

44 Nessa linha, Held (1980:15) esclarece que os fundadores da teoria crítica preservaram muitas das

preocupações do pensamento idealista alemão, mas reformularam a maneira em que estes haviam anteriormente sido compreendidos, colocando a história no centro de sua abordagem à filosofia e à sociedade. Contudo, Segundo o autor, as questões por eles endereçadas iam além do foco no passado e acolhiam possibilidades futuras, preocupando-se com as forças que moviam (e poderiam ser orientadas a mover) a sociedade em direção a instituições racionais ± instituições que assegurariam uma vida verdadeira, justa e livre. Cientes dos muitos obstáculos à mudança radical, tais pensadores preocupavam-se tanto com a interpretação quanto com a transformação.

81 encobrem as injustiças sociais e, simultaneamente, podem provocar a sua reversão45.

O pensamento da Escola de Frankfurt apresenta viés bastante pessimista, o que pode ser explicado pelo ambiente político da época46. Para Honneth (2005: Capítulo 13), um ponto em comum entre as diferentes formas da teoria crítica é o negativismo social, ancorado na concepção de que a sociedade capitalista padeceria de patologias sociais atribuíveis a um déficit de racionalidade (ideia essa WUDGX]LGD SRU WHUPRV FRPR ³FRORQL]DomR GR PXQGR GD YLGD´ ± Habermas; ou ³RUJDQL]DomR LUUDFLRQDO GD VRFLHGDGH´ ± Horkheimer). Consequentemente, ideia comum entre os pensadores da Escola de Frankfurt é de que existiria uma forma ³LQWDFWD´ ³QmR-SDWROyJLFD´ GH UHODFLRQDPHQWR VRFLDO RULHQWDGD GH DFRUGR FRP XP alto padrão de racionalidade. Para Habermas, por exemplo, em suas formulações acerca da teoria da ação comunicativa, a racionalidade universal seria atingível por meio do acordo comunicativo, que fixa determinada forma de razão apta a gerar uma integração racional e satisfatória da sociedade.

A teoria crítica, para Honneth (2005: Capítulo 13), se diferencia tanto do liberalismo quanto do comunitarismo, embora alguns de seus teóricos tenham importantes aproximações com relação a ambas as linhas de pensamento. De um lado, o pensamento crítico se afasta do liberalismo ao sustentar a necessidade de

45 Segundo Dryzek (2000: Capítulo 1), não se deve cair no equívoco de acreditar, com base nessa

definição, que a teoria crítica é revolucionária enquanto o liberalismo aceita o status quo ± o liberalismo, em suas origens, era uma forma de pensamento que se insurgia contra o feudalismo e a monarquia absolutista. A principal diferença entre as duas formas de pensar, a seu ver, é que o OLEHUDOLVPRDRIRFDUHPOHLVHFRQVWLWXLo}HVRSHUDQD³VXSHUItFLH´GDHFRQRPLDSROtWLFDHQTXDQWRD teoria crítica busca reconhecer e endereçar os agentes reais que provocam distorções no diálogo político, como os discursos e ideologias dominantes e as forças econômicas estruturais. A teoria crítica se preocupa, ademais, com a competência dos cidadãos para reconhecer e fazer oposição a tais forças, o que pode ser promovido por meio da participação política. Assim, ao invés de simplesmente confiar nas instituições deliberativas do Estado liberal, a teoria crítica se volta para a contestação das estruturas de poder e dos discursos na esfera pública.

46 Conforme esclarece Antonio (1983:329-332), os partidos socialdemocratas haviam perdido contato

com suas raízes radicais e a base política do proletariado havia se erodido; o fascismo e o nazismo ganhavam fôlego na Europa, ao mesmo tempo em que o regime da União Soviética experimentava a burocracia e o terror associado ao stalinismo; por fim, a legislação associada ao New Deal evidenciava uma abordagem capitalista flexível, com poderes de integração não imaginados. O colapso do capitalismo, prometido pelo marxismo científico, parecia mais distante do que nunca. Nesse cenário político, os pensadores da Escola de Frankfurt dedicaram-se a estudar temas como autoridade, totalitarismo, a estrutura da sociedade nazista, teoria estética e cultura de massa, criticando, assim, tanto o capitalismo quanto o socialismo soviético. Na visão de Antonio, (1983:332), a primeira geração de pensadores de Frankfurt acreditava que a vitalidade do marxismo dependia de sua capacidade de, simultaneamente, endereçar a situação histórica do capitalismo moderno e contrapor-se à transformação do marxismo soviético em uma ideologia da burocracia estatal socialista.

um alto grau de acordo intersubjetivo, de uma práxis comum e de uma disposição para chegar a entendimentos mútuos de forma não coercitiva que transcende, em muito, a simples agregação de interesses individuais. Por outro lado, o pensamento crítico se afasta, também, do comunitarismo, em particular no que se refere à racionalidade. Na concepção crítica, as visões compartilhadas entre membros de uma comunidade não decorrem simplesmente da existência da comunidade, de ODoRVDIHWLYRVRXGHVHQWLPHQWRVGH³SHUWHQFLPHQWR´PDVQHFHVVDULDPHQWHGHYHP ser resultado de processos racionais de cooperação social. Embora os pensadores identificados com a Teoria Crítica tenham em comum com os comunitaristas o desejo de transcender o individualismo liberal, divergem ao enfatizar o caráter racional do acordo social e a dimensão comunicativa da comunidade.

Em 1934 muitos integrantes da Escola de Frankfurt migraram para os Estados Unidos da América, decisão tomada em função da crescente força do nacional socialismo na Alemanha. Ao longo das décadas de 1930 e 1940, influenciados pelo consumismo estadunidense e pela emergência de sociedades totalitárias em um cenário de desenvolvimento de novos meios de comunicação, os pensadores da Escola de Frankfurt passaram a focar na relação entre a cultura de massa e a dominação, tendo em vista o papel estruturante das forças econômicas e os seus efeitos ideológicos. Pela sua relevância para o presente trabalho, deve-se dedicar algumas palavras a um de suas vertentes mais férteis: a economia política da comunicação.