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PARTE II ± DIREITOS, DEMOCRACIA E MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE 54!

3.1 A ênfase nos direitos individuais 55!

3.1.2 Pluralismo liberal 58!

Uma vertente importante do liberalismo é o chamado pluralismo liberal19. As teorias pluralistas da democracia buscaram endereçar e contornar uma deficiência atribuída às teorias elitistas da democracia (em especial, à teoria Schumpeteriana): a pouca atenção dada ao papel desempenhado pelos grupos intermediários entre o cidadão comum e as elites políticas, como as associações, os sindicatos e os grupos religiosos, entre outros.

No influente trabalho ³$ 3UHIDFH WR 'HPRFUDWLF 7KHRU\´, publicado originalmente em 1956, Dahl investiga a distribuição de poder em democracias ocidentais, focalizando os processos que resultam quando indivíduos combinam seus esforços, por meio de grupos de interesse, na luta por poder. Na visão pluralista, o poder político seria resultado de um incessante processo de barganha entre grupos representando interesses diversos e o governo, que sofreria influência dos diferentes grupos que concorrem pelo acesso a recursos escassos. O trabalho de Dahl descreve, em detalhes, o modelo democrático por ele denominado de poliarquia, definido como o governo das minorias bem organizadas20.

Sob a ótica do pluralismo, a existência de grupos de interesse (também chamados, por alguns autores, de facções), longe de representar qualquer risco, seria uma fonte de estabilidade do sistema e a verdadeira expressão da democracia. Nesse sentido, assim como a economia se refere a indivíduos em busca da maximização de seus interesses pessoais, a política poderia ser compreendida como grupos de indivíduos em busca da maximização de seus interesses comuns (HELD, 2006:159). A democracia teria, portanto, estrutura análoga à de um mercado, com concorrência mais ou menos perfeita, no qual diferentes grupos competem por influência e pela maximização de seus interesses. A competição entre as diferentes perspectivas tenderia a gerar situação de equilíbrio competitivo, e, consequentemente, a elaboração de políticas benéficas para todos os cidadãos no longo prazo. Na visão de Dahl, a democracia e a liberdade política seriam

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é usado no contexto da disputa pelo poder entre diferentes grupos de interesses (interest group

politics).

20 Ressalte-se contudo, conforme esclarece Krouse (1982), que a teoria da democracia poliárquica de

Dahl sofreu importantes inflexões ao longo dos anos, caminhando em direção a uma visão mais procedimental da democracia.

59 asseguradas pela existência de múltiplos grupos, ou múltiplas minorias, cenário esse, a seu ver, mais favorável do que o do simples governo da maioria.

Sob a ótica do pluralismo liberal, a mídia é geralmente retratada como sistema que deve se manter apartado do governo e autônomo com relação a facções ou interesses particulares. É atribuída confiança a mecanismos de mercado para promover o maior número possível de pontos de vista, e, eventualmente, são aceitas medidas regulatórias visando a limitar a concentração de propriedade, assim como a aplicação de regras antitruste ou de defesa da competição.

Como descreve Held (2006: 165), Dahl não estabelece, como requisito para a democracia, que o controle sobre decisões políticas seja distribuído de forma homogênea, e nem requer que todos os indivíduos e grupos tenham influência política equivalente. Reconhece, ademais, que organizações e instituições podem DFDEDUSRUDVVXPLU³YLGDSUySULD´DIDVWDQGR-se dos interesses que justificaram sua criação. Assim, concede que a política pública pode acabar se inclinando na direção de grupos de interesse mais poderosos e mais bem organizados.

Um aspecto importante da perspectiva pluralista clássica é que a distribuição de riquezas, os direitos e as preferências existentes são consideradas variáveis exógenas, que formam o pano de fundo para a disputa pluralista pelos recursos sociais escassos. A meta do sistema seria de assegurar que os diferentes inputs sejam adequadamente refletidos na legislação; o governo exerceria pouco ou nenhum julgamento autônomo, respondendo apenas às pressões recebidas. O sistema apresentaria, assim, em tese, o mérito de buscar respeitar as preferências existentes e evitar os riscos de tirania associados ao ativismo governamental na formação dessas preferências (SUNSTEIN, 1988:1543). Trabalhos pluralistas mais recentes têm acrescentado um componente econômico à análise, enfatizando as ameaças à liberdade política representadas pela acumulação de recursos financeiros e pelo sistema de propriedade e controle de empresas21.

21 1DV SDODYUDV GH +(/'   ³$ WHRULD GHPRFUiWLFD VH GHSDUD SRUWDQto, com um grande

desafio, um desafio muito maior do que Tocqueville e J.S. Mill imaginaram, e muito mais complexo do que os teóricos do pluralismo clássico jamais conceberam. Representantes políticos achariam extremamente difícil, se não impossível, executar as vontades de um eleitorado comprometido com a redução dos efeitos adversos do capitalismo corporativo sobre a democracia e sobre a igualdade política. A democracia está entranhada em um sistema socioeconômico que sistematicamente assegura uma posição SULYLOHJLDGDDLQWHUHVVHVFRPHUFLDLV´(VVDSUHRFXSDomRWHPVLGRUHIOHWLGDQD discussão neomarxista e em abordagens corporativistas da democracia e do Estado.

Deve-se registrar que não obstante a influência do pensamento pluralista, têm-se levantado importantes críticas a ele, muitas associadas à ideia de que a natureza e a distribuição de poder social seriam inadequadamente retratadas pela perspectiva pluralista. Sunstein, em sofisticada análise (1988:1543), levanta outras objeções. Em primeiro lugar, argumenta que o governo não deveria simplesmente implementar os desejos dos cidadãos, mas deveria exercer, também, um escrutínio crítico de tais desejos ± ou seja, a esfera política deve deter certo grau de autonomia face às pressões dos grupos de interesse. Em segundo lugar, defende que a política não pode se resumir a negociações resultantes de interesses particulares, mas deve ter uma dimensão deliberativa, selecionando valores e criando oportunidades para a formação de novas preferências, ao invés de simplesmente implementar as preferências existentes. Um terceiro ponto levantado por Sunstein é de que há muitos elementos aleatórios que podem negativamente influenciar a apropriada agregação de preferências, como o comportamento estratégico/manipulador e até mesmo o acaso. Por fim, Sunstein comenta o tema da ausência de participação política: enquanto, na perspectiva pluralista, a baixa participação política não é encarada como um problema, podendo mesmo indicar um contentamento geral com o status quo, Sunstein argumenta que a participação deveria, sim, ser reconhecida como um importante valor individual e coletivo a ser perseguido.