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7 Rito de Iniciação: Relações Simbólicas, territórios de passagem

7.2 Máscara

Um dos mais antigos testemunhos do uso da máscara data do período terciário, gravado nas paredes da gruta Les Deux Frères. Segundo Fo (1998), essa gruta está localizada nos Pirineus, na vertente francesa. É uma cena de caça. A pintura, com traços de grande agilidade, mostra um rebanho de cabras selvagens. À primeira vista, o grupo parece homogêneo, mas, observando-se mais atentamente, percebe-se que uma das cabras, em vez de possuir patas com cascos, apresenta pernas com pés humanos. Não quatro, mas duas apenas, além das mãos. Despontando do peitoral do animal, empunham um arco com flecha já a ponto de disparar.

Evidentemente, trata-se de um homem, um caçador disfarçado e transvestido.

Cobrindo seu rosto, há uma máscara de cabra, dotada de chifres e de barbicha. Desde a linha dos ombros até abaixo da cintura, essa máscara empesteou-se com o esterco das cabras para mascarar o seu próprio cheiro.

São dois os propósitos desse transvestimento (termo utilizado por Dario Fo). Em primeiro lugar, como explicam os antropólogos, a máscara servia para bloquear os tabus. Os povos antigos – basta lembrar os gregos do passado – acreditavam que todo animal contava com uma divindade particular capaz de oferecer proteção. Pelo transvestimento, evitava-se a vingança do deus das cabras, disposto a infligir desgraças terríveis ao caçador que houvesse liquidado uma de suas protegidas sem o salvo-conduto do antitabu (1998).

A explanação de Fo (1998) em relação às pinturas nas cavernas é uma situação particular. Os estudos realizados com as mesmas não definem a situação ou contexto em que são aplicadas: caça, ritual ou registro, embora também possam ser pinturas desinteressadas de qualquer explicação.

O nome “máscara” vem do italiano maschera, de origem mediterrânea, cujo sentido primeiro foi “demônio” ou “máscara” que representa o demônio donde

mascarare é enegrecer o rosto, torná-lo irreconhecível, como também o faz o bufão,

(personagem) ridículo.

Transvestir-se com peles e máscaras de animais, observa Fo (1998), está ligado à cultura da maioria dos povos com um sentido ritual. Ao pensarmos nas máscaras, logo as relacionamos com o carnaval. A festa carnavalesca existe em todos os lugares, em todos os tempos. Percebe-se, na festa de carnaval, o aflorar de um ritual muito antigo, um jogo simultaneamente mágico e religioso. Provavelmente, o transvestimento e as máscaras estão interligados na origem da história humana e do teatro primitivo.

Berthold (2000) profere, sobre o uso de acessórios exteriores no teatro primitivo, exatamente o que seu sucessor altamente desenvolvido conclui. A utilização desses acessórios (máscaras, figurinos e adereços utilizados nas danças e nas personificações da “caçada selvagem”) foi observada, identificada de forma mais simplificada na baixa Idade Média, com Mesnie Hellequim, termo francês do Arlecchino da Commedia dell’arte.

Diz Pavis (1999) que o teatro contemporâneo ocidental reencontra o uso da máscara. Essa redescoberta (se pensar no teatro antigo ou na Commedia

dell’arte) acompanha a reteatralização do teatro e a promoção da expressão

corporal. Berthold (2000, p. 1) afirma:

O artista que necessita apenas de seu corpo para evocar mundos inteiros e percorre a escala completa das emoções é representativo da arte de expressão primitiva do teatro. O pré-histórico e o moderno manifestam-se em sua pessoa.

Embora ao corpo esteja legado o princípio primitivo da criação de toda e de qualquer arte, temos, na utilização da máscara, a manifestação de ações secretas, mágicas vinculadas à expressão humana em diferentes contextos artísticos.

De certa forma, a arte pode pronunciar uma forma diversificada de o ser humano expressar-se simbolicamente. Essa forma diversa é pronunciada pela maneira de mostrar a alma. Aquilo que aflige, que não tem solução, mesmo sem resposta, define-se por “poetizar” de diferentes formas e gêneros. As formas de representação desde os primórdios , pressupõem a transformação do ser numa outra pessoa, segundo Berthold ( 2000) elucidam as representações arquetípicas da expressão humana.

A arte teatral de representação configura os estilos trágico, dramático e cômico como componentes formativos. Limitamos nosso tema à arte cômica, a qual determina um modo de o ser humano proceder de forma engraçada, parodiando a desordem na ordem. Ver o mundo ao avesso com olhos e lentes de aumento burlescas, tal qual a vida na Idade Média e no Renascimento. Nessas épocas, existiram tipos cômicos que utilizavam ou não máscaras para se transvestir de bobos da corte, palhaços, anões, bufões que atuavam nas ruas, feiras, praças, castelos, igrejas, parodiando a seriedade dos cerimoniais representados nesses locais, dando-lhes um caráter mais divertido. Transvestindo uma máscara, pode-se encontrar a permissão para que o divertimento crie corpo. A máscara da comédia é a maneira de o ser humano ritualizar o avesso e corporificar o outro engraçado a si e autorizar rir de si mesmo.

Na arte teatral de representação, existem técnicas desenvolvidas desde os primórdios que fazem essa ponte entre o ator e o espectador. Cada técnica vai trabalhar especificamente um tipo de energia potencial no ator. Nesse caso, o clown é uma técnica que utiliza um nariz vermelho como máscara de representação da arte cômica, a qual foi inspirada na Commedia dell’arte ( BURNIER,2001), que utiliza esquemas básicos de conflitos demasiadamente humanos, inesgotável e infinita

matéria-prima que, segundo Berthold (2000), é tema dos comediantes no grande teatro do mundo. Burnier (2001) afirma que o clown exige humanidade, generosidade, disponibilidade e transparência impressionantes do ator, colocando, em primeiro plano, a relação com o público. Partindo da relação como aspecto básico, o estado da comicidade por meio da máscara pode atuar e ser criado e aplicado a pessoas no teatro, na rua, no cinema, no palco, no hospital ou em qualquer outra situação (WUO, 1999). No entanto, a máscara utilizada pelo clown não é acessório à parte nem no sentido de abrigar, esconder ou deformar o rosto ou a fisionomia humana, como aponta Pavis ( 1999), mas no sentido de desnudar e revelar como defende Burnier ( 2001). Então nesse caso o termo “Desformar”, em minha concepção, desmodela um rosto e um corpo quotidiano. No ritual de iniciação, esse corpo quotidiano transforma-se num corpo novo que manifesta uma linguagem simbólica, avessa primitiva e atual, profana e sagrada, grotesca e sublime, recria o cômico por meio do inusitado..

O cômico, segundo Pavis (1999), é um fenômeno antropológico, que responde ao instinto do jogo, ao gosto do homem pela brincadeira, pelo riso e pela percepção de aspectos insólitos e ridículos que podem ser compreendidos por vários ângulos e em diversos campos, principalmente, na realidade física e social.