• Nenhum resultado encontrado

Visualização da montanha palhaça

1 Introdução

6.6 Visualização da montanha palhaça

Começo a introduzir a imagem da subida da montanha desde o primeiro dia de curso, para que o iniciado tenha a percepção de um processo agregador. A intenção é que cada dia percorra e suba mais um trecho do caminho até atingir o topo da mesma para se encontrar com o seu clown.

6.6.1 O dia do nascimento

Cada aprendiz, minutos antes da prática daquele ritual, prepara com tecidos ou lençóis a sua cama, ninho ou concha de iniciação. Deixa o nariz, sapato e as roupas preparadas bem ao lado, as quais serão vestidas durante a subida da montanha. Peço que se deitem ao lado das suas vestimentas, fechem os olhos e ouçam atentamente a minha voz. A narração do percurso ritual começa, todos estão na base de uma montanha. Existe uma trilha, na qual o neófito inicia sua caminhada. Ao pé da montanha, olham para cima e percebem o trajeto. Ao olhar para o chão, percebem uma trilha, passam por um caminho estreito, depois por um riachinho onde tomam um banho na agua cristalina; ao olhar para o fundo, um peixe verbaliza um “oi”; continuam, daí, o percurso por uma mata molhada, úmida, onde pássaros voam; uma borboleta voa e diz um “ oi”; um vento fresquinho toca as folhas das árvores; o sol vai aquecendo às vezes mais forte e outras menos. Subindo mais um pouco, encontram um paredão de pedra e, sem cordas de proteção, sobem, agarrando com as mãos. Minha voz:

Ao mesmo tempo em que estamos subindo, do outro lado, uma outra pessoa vai subindo também. Ao mesmo tempo que uma pessoa vive a outra morre. A morte nesse momento é como um convite à vida. Uma pessoa vive e a outra morre. Quem vai viver e que vai morrer. A pessoas que vive é uma pessoa muito querida que não vemos há muito tempo? É muito generosa? Alegre? Feliz? Ou ao contrário?

Aborrecida? Brava? Infeliz? Muito chata? Quem será que vive? . Então você que morreu para uma forma e assumiu uma outra, não pare a escalada, agora uma chuva geladinha começa a cair, enquanto você continua subindo.

A cada dia de prática, o neófito, imaginariamente, sobe um pouco até chegar ao topo. No final da subida, existe um castelo; dentro dele, existe uma sala onde há uma arca; dentro dela, existe um guardião; sob a sua guarda uma concha; deve-se pedir permissão para pegá-la; ao abrir a concha, encontra-se uma pérola vermelha; dentro dessa pérola, mora o coração do aprendiz, que a pega e coloca perto de si; ninando, acalentando, aquele que se inicia protege-a, passa-a pelo seu corpo, olha para ela e vê seu rosto, reconhece-se pequenino e muito frágil, do tamanho de um botão. Esse instante é muito particular e absolutamente único para cada participante.

No momento em que as pessoas vão cruzar a passagem estreita, penetrando no mundo dos clowns, prefiro não registrar nada, pois creio que esse instante é extremamente particular e só quem está no processo pode sentir. É um segredo entre nós. A fase liminar entre dois mundos, no canal do parto. Nesse momento, o ambiente está parcialmente escuro ou totalmente escuro. Só a minha presença de parteira faz-se presente, como cúmplice condutora à passagem ao mundo misterioso dos clowns.

A minha voz conduz o grupo coletivo a formação, iniciação a narração e descrição do processo com pequenas frases indicando os lugares a serem percorridos :dentro da arca, existe uma passagem para um mundo pessoal, uma passagem estreita, escura; aos poucos, acontecerá a troca de mundos por um canal estreito, a troca de pele, de roupa, é o passe, veste-se ao avesso; após a passagem pelo canal estreito, pelo túnel escuro, vê-se a possibilidade de luz; ao colocar a pérola vermelha no nariz, completa-se a passagem para o mundo dos clowns; todos permanecem de olhos fechados e aguardam o sinal para abrirem os olhos; vou falando e deixando os aprendizes curiosos para ver os novos irmãos, que nasceram juntos; o momento é inusitado, de grande alegria, de surpresa, pois os clowns nascem todos juntos, como uma ninhada, nascem pelo avesso, com a roupa pele, vestimenta ritual; assim, comemora-se o pertencimento a uma família palhacesca irmã.

Após todo o processo de iniciação, é hora de descobrir como os neófitos entenderam o processo. Após alguns dias do nascimento, proponho que tentem

responder a algumas questões: o que é clown para você? Como foi a iniciação de

clown? Como você a percebeu? Os aprendizes respondem-me por escrito, pois

preciso entender, também por meio da verbalização, se existe uma compreensão clara e precisa em relação ao processo iniciático, e se o experimento realizado foi compreendido, percebido, se o participante segue seus próprios passos cômicos a partir do que foi aprendido.

6.6.2 O nome

Para complementar a composição do ritual, o clown do neófito recebe um nome após o nascimento e de acordo com suas características físicas ou de personalidade. O nome finaliza uma etapa do ritual de iniciação. Nomear é complementar a imagem verbal. É dar uma identidade ao clown.

Menciono aqui alguns nomes dos iniciados, escolhidos aleatoriamente nos cursos, somente para exemplificar características que influenciaram a escolha: Dona Coxilha (coxa grossa), Porcarelha (gordinha com cara de porquinha), Galíngula (misto de galinha delicada com escatologias), Acássia (amarela como uma flor), Patativa (aquela que dá patadas, mas que é romântica), Veia-Lâmbida (quando fica brava, tem as veias crescidas, tem um cabelo escorrido e uma cara lambida), Pleura Imaculada (não sabe se existe, nem o que quer), Classic (de modos elegantes), Soresperança (espera que tudo dê certo), Dentina (dentes destacantes, muito risonha), Florentino Libra (bancário aposentado que mantém a postura corporal ereta, mas que tem o coração de nordestino, sempre voltado às belas flores de todas as idades), Chimia Boia (doce como uma chimia [geleia] e redonda como uma boia).