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Quando as perguntas entram em cena

1 Introdução

2.1 Quando as perguntas entram em cena

Gostaria de dizer que este trabalho foi permeado, em sua grande parte, por questionamentos que estão constantemente em cena. Constitui-se um picadeiro, no qual os corpos humanos, suas ações e seus sentimentos revelam a presente reflexão como uma pérola preciosa permeada da vida de pessoas que se iniciaram e que se expuseram artisticamente em público; junto a essa exposição, os mais valiosos e delicados sentimentos, emoções, confiados à minha pessoa, segredos permeados pelo encontro com o desconhecido mundo que tentávamos habitar e ao qual, de tão imenso, nem mesmo nós sabíamos se conseguiríamos chegar...

[...] tão profundamente estamos fincados no solo de todas as transformações nós, os mais mutáveis, que seguimos com uma urgência de compreender tudo e (enquanto não alcançamos isso) fazemos do imenso uma tarefa de nosso coração a fim de que não venha a nos destruir. (RILKE, 2001).

Isso aconteceu graças à generosidade dessas pessoas que vieram à minha procura para aprender sobre clown (e eu à procura delas, ensinando). Encontros esses com o desconhecido para consumarmos e consagrarmos o grande ato da criação de um processo de busca e encontro com a comicidade corpórea. Foram pessoas que, muitas vezes, emocionaram-me ao mostrar o grande valor que o mistério do processo de criação artística em forma de clown proporcionou a suas vidas.

Passei bons anos perguntando-me sobre o mistério da criação de um

somente essa mesma solidão pode preencher, com questionamentos, a decisão de querermos descobrir os caminhos ou de abandonarmos tudo. Mas essa sensação foi, em muitos momentos, sendo habitada pelas pessoas e por suas descobertas de uma maneira pessoal de ser clown, de uma verdade tão intensa e tão profunda, que não poderia restar nenhuma sombra de dúvida, como num palco no qual as encenações foram transcorrendo em meio ao processo criativo. E eram, quando se colocavam com tranquilidade, parte de um processo de transformação sem respostas universais, sem modelos, que se expressavam. Daí, entrava em cena um novo espetáculo humano clownesco, o espetáculo de cada participante e a busca da própria criação, que significa um universo de possibilidades, em que cada um é um iniciado e, por sua vez, a iniciação é diferente para cada um. Há a necessidade de sistematizar um processo de iniciar os clowns com as diferenças, porque cada pessoa é o seu próprio criador e tem a minha pessoa como interlocutora. A questão principal geradora da pesquisa girou em torno de como iniciar o clown de um ator a partir de uma perspectiva autoral do mestre. Embora, num primeiro momento, a questão nos pareça simples de responder, proveu a elaboração de procedimentos metodológicos e um conjunto interlocutor de princípios norteadores que adensam o corpus para análise da práxis.

A análise dos procedimentos e das teorizações referente ao aprendizado da comicidade corporal e do risível provê diretrizes para a elaboração de uma proposta metodológica de iniciação á técnica clownesca. Na confluência entre teoria e prática, elaborou-se proposta de disciplina para alunos de graduação em teatro durante os anos de 1998 a 2016, a qual foi ministrada em universidades públicas e privadas dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

Para tanto, muitas outras perguntas brotaram em meio às dificuldades encontradas durante o processo. Processo esse que levou a sistematização de procedimentos e a um caminho para propiciar a exposição da qualidade cômica no corpo.

Para que o processo de descobertas do iniciador da comicidade clownesca no neófito faça-se compreensivo, há de se recorrer aos ensinamentos dos mestres, os quais estão memorizados como uma forma de transmissão no que se refere ao assunto iniciação. Somente um iniciado, aquele que passou pelo processo, pode iniciar a outrem. Nesse caso, não temos pretensão de abordar de forma abrangente o assunto, mas explicitamos a reflexão para indicar ao leitor como

a pesquisa foi levada em frente pelos ensinamentos dos mestres e estes são pontos de influência nos princípios e nas escolhas na metodologia dos cursos de iniciação. Há influências do mestre de iniciação na composição da expressão artística do outro, já que a iniciação do clown depende de interlocução: o mestre reflete o mistério e o mistério para se deixar desvendar a fim de que aconteça a configuração efetiva da obra clown no corpo e na vida do neófito. O aprendiz orienta- se pelas pistas que o mestre indica para iniciar o processo das descobertas. Acredita-se que exista um aprendizado contínuo nessa jornada. O clown, em uma imagem imediata, é uma figura cuja essência mítica irá permear um processo de descobertas no decorrer da vida profissional e pessoal do mesmo.

O processo profere que o iniciador, mestre do rito de passagem, seja aquele que ajuda o outro a construir a sua obra e que existam vários caminhos para fazer a iniciação de uma pessoa na técnica de clown. Para chegar a construir os caminhos, objetivou-se sistematizar um processo e concluir o ciclo do mesmo prospectivamente.

Durante a pesquisa, pretendeu-se verificar se existe um aprendizado da comicidade no corpo que pode se desencadear no ritual de iniciação, momento em que os aprendizes preparam-se para desvendar o próprio clown.

Vislumbrou-se a possibilidade de criação de um processo pessoal a partir de uma investigação prática e teórica, tecendo reflexões sobre as formas de iniciação de clown das escolas de Jacques Lecoq, Philipe Gaulier e Burnier. O clown elabora-se em processo criativo, no confronto entre a lógica social preestabelecida e a lógica do clown, de si mesmo. Essa pode ser uma questão a ser desvendada pelo iniciador27 abrir possibilidades de perceber outras lógicas pessoais artísticas para enxergar o potencial e a essência clownesca no participante.