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3 GOSTOS, PREFERÊNCIAS, USOS E FUNÇÕES MUSICAIS: A NECESSÁRIA

3.3 Mídia e Tecnologias: limitações ou contribuições para a diversidade musical?

Agora, se faz importante externarmos aqui quais implicações há entre as funções sociais musicais de hoje com os aparatos tecnológicos e midiáticos da contemporaneidade, buscando uma percepção crítica a respeito sobre as limitações ou contribuições dessa em relação a diversidade musical. Nos capítulos anteriores teci sucintamente a relação de poder estabelecida entre tecnologia, música e educação. Agora, contribuo sobre essas relações nos campos das diversidades musicais na área da educação musical. Será que os meios tecnológicos/midiáticos contribuem para o acesso de novas experiências culturais musicais? Ou os assédios sistemáticos das indústrias culturais contemporâneas inviabilizam de algum modo o contato dos alunos com o “diferente” em seus hábitos de escuta?

O ser humano é um ser social e a música é o resultado de suas relações e interações; nos quais significados são atribuídos constantemente às essas produções artísticas, além do mais, tudo isso é gerido por processos de apropriação e transmissão musicais (KRAEMER,

2000). Dessa forma, é possível afirmar que analisar a música e o seu ensino é uma forma de se produzir conhecimento sobre o ser humano. Então, faz-se necessário considerar e compreender as tecnologias como condição e aparato para a música em seu processo social e cultural ao longo da história. A esse respeito, em concordância com Queiroz (2011), friso:

As mudanças que se consolidaram, sobretudo, nos últimos 60 anos, no cenário da mídia, da tecnologia e, consequentemente, da música, são resultados de um processo que vêm se estabelecendo na sociedade moderna desde o século XIX. Esse processo se configurou a partir do surgimento dos meios de circulação em massa em ampla escala, das descobertas tecnológicas e da consolidação de novas formas de produção e veiculação do fenômeno musical (p.138).

Considerar a existência de “um vasto e predominante processo histórico-social, econômico, político e cultural que expressa a transição da sociedade nacional, ou modernidade- nação, para a sociedade global, ou modernidade-mundo” (IANNI, 2004, p. 28) é, portanto, fundamental para discutir o cotidiano e as transformações humanas em seus espaços sociais e em suas relações pessoais. A mídia, como intermediadora e possibilitadora dessas conexões, não pode, assim, ser desvinculada desse processo, pois, exerce influência tanto nas relações humanidade/tecnologia como nas suas diversas formas de produção e consumo.

Em concordância com todas as assertivas anteriores, acredito que “sem a tecnologia eletrônica, a música popular do século XX é absolutamente inconcebível” (THÉBERGE, 2001, p. 22). Não há dúvida, que o lado positivo desse processo é que a música passou a ser mais acessível a qualquer indivíduo que possui um aparelho eletrônico em suas mãos. E é por isso que as aulas de músicas não podem se afastar da utilização dos mecanismos tecnológicos para subsidiar conhecimentos que outrora era inacessíveis para alguns. É inevitável pensar a música de hoje sem se ater aos seus meios de produção e circulação. Faz, inclusive, sentido a promoção de políticas públicas que façam com que essa produção tecnológica esteja cada vez mais acessível, principalmente para os indivíduos menos providos economicamente, assim como programas educacionais que subsidiem tanto para alunos como professores o manejo e a capacitação dessa nova realidade. Se não for assim, para que servirá um aparelho eletrônico nas mãos de um indivíduo se o mesmo não souber usar? É importante subsidiar o acesso, porém, mais relevante ainda é como compreender e usufruir dessa acessibilidade.

Outro fator a se pensar na atual relação entre ser humano, música e tecnologia é compreender a quem um ou outro está a serviço. Já refleti um pouco até aqui que a música popular massiva está em sua maioria a serviço dos interpostos capitalistas em uma prática que tende a restringir seus ouvintes apenas ao consumo e entretenimento. Quanto à tecnologia,

Zygmunt Bauman atenta para as novas relações propiciadas pelas mais novas. Para o autor, a sociedade de consumo consubstanciada com as novas tecnologias tem gerado uma “nova desordem mundial” (BAUMAN, 2008, p. 48), com a “significação social de transitoriedade e durabilidade”. (Ibid., p. 54). Uma realidade é fatídica: o consumo e sua ideologia da necessidade ilusória faz com que as pessoas busquem na tecnologia o escape de suas vontades inesgotáveis. A música por fazer parte desta conjuntura, portanto, não deve ser pensada a parte dessa perspectiva. Em contrapartida, a difusão das músicas midiáticas massivas não seria possível em largas escalas se não fossem os avanços tecnológicos. Por isso que nunca se fabricou tantos aparelhos descartáveis como na atualidade. Então, o problema não é possuir tecnologia, mas o que se fazer com ela. Corroboro com a citação que segue:

Este mundo imaterial está altamente ligado a valores materiais, já que os fluxos de informação e capital se intercruzam na lógica da globalização. Como forma de resistência a esta lógica que parece se impor como a única possível, processos alternativos de subjetivação podem ser criados na apropriação do potencial da rede para a constituição de novos jogos comunicativos, nos quais o modelo linear unidirecional – típico dos meios de comunicação de massa – é substituído pelo modelo reticular multidirecional, que favorece a constituição de tribos ou grupos identitários nomádicos e efêmeros, típicos da cibercultura (CASTRO, 2008, p.9).

Conhecer, portanto, a articulação entre música, mídia e tecnologia é essencial para compreendermos como tem se dado os meios de produção, fruição e consumo musicais que constantemente se articulam na contemporaneidade. Há sempre uma busca de cunho social – impregnadas também por essas relações – que se detém aos imperativos do prazer. As tecnologias contemporâneas, por sua vez, facilitam o alcance à inúmeras informações e possibilitam múltiplas relações com os meios. Por isso que “a midiatização da sociedade contemporânea opera sempre como pano de fundo das críticas sobre a centralidade do espetáculo em nossos dias” (HERSCHMANN; KISCHINHEVSKY, 2008, p.101). Então, considerando que a tecnologia e a mídia estão, em grande medida, a serviço do capital, parece ser imprescindível pensar em uma educação musical que evidencie e problematize esse contexto. Para fortalecer o desenvolvimento dessa ideia, destaco o seguinte comentário:

No campo musical, como afirmam Iazzetta e Gohn, o fato de que as tecnologias de criação e reprodução sonoras tenham tornado a música um elemento onipresente na vida cotidiana de nossa sociedade não significa que hoje as pessoas tenham mais acesso ou mais conhecimento sobre a diversidade de músicas e práticas musicais existentes no mundo atual e em épocas passadas. Pelo contrário, as novas tecnologias – e com elas a mídia televisiva – podem até exercer papel limitante sobre as motivações musicais das pessoas,

permitindo que lhes falte vontade de conhecer o diferente, aquilo que está além das paradas de sucesso e dos programas televisivos do momento. Por se encontrar em todo e qualquer lugar e a toda hora, a música deixa de ser entendida como um objeto ou prática cultural enriquecedora, passando a padronizar comportamentos. Decorre do exposto que um dos caminhos para a Educação Musical hoje, em nosso país, seria o de criar novas motivações e possibilidades musicais para os alunos, ampliando sua bagagem musical que, via de regra, é fortemente configurada e limitada pelos padrões midiáticos (BENEDETTI; KERR, 2010, p.75).

As identidades das pessoas são construídas, em grande medida, portanto, a partir do acesso e interação que elas têm com as tecnologias de hoje. Já que nossas relações sociais estão se construindo significativamente através da cibercultura, faz-se necessário trazer à tona as problemáticas dessa realidade. Cada novidade em si pode trazer ao mesmo tempo o progresso como também consequências catastróficas dessa expansão. Como pesquisadores, devemos estar atentos ambos os lados, para não sermos tendenciosos e assim macular a realidade. E, para tanto, nada melhor que construir este conhecimento na escola e pensar a música neste contexto. Em conformidade com Gumes (2011), “Valorações, gostos e identidades são formatados pela tecnologia que nos permite experimentar e pensar a música. Ela é parte do processo de criação musical” (p.102). Por assim entender, continuo esse pensamento com a seguinte referência:

A necessidade de se levar em consideração as novas tecnologias na educação musical já é um assunto bastante discutido pela área, variando, porém, o olhar sobre o uso e funções dessas tecnologias. Jesus, Uriarte e Raabe, por exemplo, sugerem o uso de computadores como uma ferramenta no processo educacional, pois, além de estarem cada vez mais disponíveis nas escolas, permitiriam a simulação de situações musicais. Krueger, Gerling e Hentschke, defendem que os softwares poderiam desenvolver musicalmente os alunos por meio de experiências práticas e do aumento de seu conhecimento em música. Pode-se dizer que esses dois trabalhos citados possuem uma posição similar em relação ao uso de tecnologias na educação musical: sugerem seu uso como ferramentas de auxílio ao professor para o ensino de conteúdos musicais (GALIZIA, 2009, p.80).

Um paradoxo notório é que nas sociedades de hoje nunca se houve uma conectividade tão eficaz entre os indivíduos – resultado dos avanços tecnológicos –, mas em contrapartida nunca as pessoas ficaram tão reclusas e aterrorizadas em seus próprios mundos. Por isso as “culturas de massa constituídas por uma pluralidade de indivíduos cuja consciência do eu e cujo senso de responsabilidade social vêm sendo reduzidos ao mínimo” (KOELLREUTTER, 1998, p.43). Vivemos em uma geração dos fones de ouvidos, no qual, cada ser consome sua música de maneira autônoma e individual, sem, muitas das vezes, intervenções de outrem em seus espaços. Uma sociedade que vai para os shows de seus cantores para gravar ou tirar fotos de

seus objetos de desejos e postar nas redes sociais mais do que a valorização de outros motivos. Em uma relação que se retroalimenta de empoderamento financeiro e status social, Conforme afirma Barbosa (2012),

Vivemos – principalmente nas sociedades de consumo ocidentais – a época das redes sociais on-line, dos games, das mídias locativas, da interatividade, da convergência e da visibilidade, para citar apenas alguns dos objetos e conceitos que nos rondam diariamente e que têm os jovens como seus principais atores” (p.78).

A insatisfação produzida, portanto, faz com que as pessoas busquem nos produtos – o que engloba tecnologia e música – alguma satisfação. É possível observa que as propagandas são gerenciadoras do novo ao mesmo tempo em que descartam o obsoleto. Tanto a indústria como em suas propagandas a noção do renovar-se é promotora de desejos. Há uma necessidade dos indivíduos em trocar de celular todos os anos porque o novo produto é mais rápido ou apresenta qualidades que aquele outro não possui. Da mesma maneira, muda-se de carro com 30km rodados porque já saiu um carro 0km – e possuir um carro novo é motivo de respeitabilidade e empoderamento social –. Dessa maneira, a tecnologia e as indústrias trabalham juntas também na alternância de necessidades em troca de satisfações obsoletas.

A renovação tecnológica é avassaladora em um mundo cada vez menos sensível às suas reais necessidades. “Se antes se valorizava o durável, hoje o transitório é visto como sinônimo de liberdade e privilégio” (FERNANDES, 2012, p.35). Da mesma maneira acontece com a música: há uma carência de renovação dos “hits” do momento (como já falado nos capítulos anteriores) para atender a apelos icónicos industriais e pouco artísticos. Assim como mudamos de celular, mudamos ainda mais facilmente de produções musicais. Como afirma Castro (2007),

Embutidas nesta noção de evolução tecnológica, estão o que se tem chamado de “tirania do novo” e obsolescência planejada. Ambas as estratégias induzem ao consumo de produtos de última geração, para se estar sempre “em dia” com o que se há de mais up to date. A intenção, nada velada, é fazer com que o consumidor se sinta ultrapassado caso “ainda” não possua o produto apresentado como o mais avançado na escala evolutiva. E se ele está ultrapassado, convém adquirir o produto anunciado para não “fazer feio” junto ao seu grupo social. A obsolescência torna-se especialmente relevante no caso de dispositivos tecnológicos, que rapidamente tornam-se obsoletos ao serem suplantados por modelos mais recentes que ostentam versões atualizadas das tecnologias em questão (p.61).

Estar atento a todas essas demandas e investigá-las é contribuir com o crescimento da música enquanto área de conhecimento, pois a música também se relaciona com tudo isso. Mas

faz-se necessário refletir mais: A música produzida com uma finalidade essencialmente para o consumo traz contribuições significativas para os processos formativos humano e social? Ou se limita aos interesses particulares de empresas para apenas angariar lucros vorazes? Discutirei tais questões a seguir na perspectiva em que o consumo exerce uma relação de poder nas relações sociais e no que tange também nas preferências musicais dos indivíduos.