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2 ACCOUNTABILITY: A BUSCA DE UMA CONCEITUAÇÃO

2.5 Accountability: um conceito plural

2.5.3 Mainwaring: Accountability intraestado

Mainwaring (2003) em seus estudos tem como premissa a demarcação conceitual, o que lhe conduz a estabelecer bases/critérios restritos em sua análise de accountability. Para o autor, a sociedade civil e a imprensa exercem atividades relevantes para a efetivação dos mecanismos de controle. Sua utilização como elementos demarcadores é inapropriada, pois:

“Yet if we include all forms of public oversight or holding actors responsible, the concept becomes so elastic that it may not be useful.”42 (MAINWARING, 2003, p. 8).

Essa exclusão conceitual é operada por Mainwaring (2003) pelo fato que a dimensão societal – a societal accountability, conforme Smulovitz e Peruzzotti (2003) –, não impõe sanções formais (previstas em lei):

Excluding non-legalized relationships from the concept of 'accountability' does not means that relationships outside this boundary are less important than those that fall within it. The issue is one conceptual demarcation, not political significance. As conceptualized here, accountability implies not only answerability, but also the legal obligation to answer or the institutionalized right of an agent of accountability to impose sanctions on public officials. […] This definition excludes as agents of accountability the press and civil society organizations that investigate and denounce abuses and wrongdoings by public officials. (MAINWARING, 2003, p. 7).43

Segundo Mainwaring (2003), para que ocorra a accountability tem que haver sanção e, em sua concepção de accountability política, apenas dois tipos de atores a exercem: 1) os eleitores – por meio da accountability eleitoral, quando avaliam os candidados no processo de reeleição (accountability retrospectiva); 2) os órgãos estatais – exercendo a

accounyability intraestado, quando os órgãos públicos monitoram e sancionam os agentes

públicos.

A accountability intraestado é segmentada por Mainwaring (2003) em três tipos relacionais: 1) Relação principal (A) e agente (B) – um principal (A) designa um agente (B) para realizar uma tarefa, sendo que A goza de ascendência hierárquica sobre B, sendo que B é controlado/monitorado por A que pode, eventualmente, punir B –; 2) Sistema Legal com poder de sanção – os chamados agentes de sanção (Sistema Judiciário, Comissões de Investigação – os processos de impeachment) –; 3) Atores e agências estatais – com atribuições de fiscalizar e controlar autoridades e organizações públicas (o ombudsman é um exemplo).

Com a concepção de interestado, Mainwaring (2003) aborda a questão da efetividade governamental interligada à accountability. O resultado da política passa a ser considerado em uma relação pela qual os representantes não estão presos aos interesses dos

42 "ainda que incluamos todas as formas de vigilância pública ou responsabilização de atores, o conceito se torna tão elástico que pode não ser útil.” (Tradução nossa).

43 “Excluir relações não legalizadas do conceito de ‘accountability’ não significa que as relações foram desse limite são menos importantes das que estão dentro dele. A questão é uma demarcação conceitual, não significação política. Conforme conceituada aqui, accountability implica não apenas na possibilidade de resposta, mas também na obrigação legal de responder ou no direito institucionalizado de um agente de accountability de impor sanções em agentes públicos [...] Essa definição exclui como agentes de accountability a imprensa e organizações da sociedade civil que investigam e denunciam abusos e transgressões de agentes públicos.” (Tradução nossa).

representados, o que importa é que as políticas públicas sejam efetivas, logo, que o intersesse público seja atendido. Mainwaring (2003, p. 4-5) destaca a relação accountability e efetividade da ação do Estado:

The task facing Latin American democrats is not simply how to build more effective mechanisms of accountability. For while accountability is a desirable feature in political systems, so is governmental effectiveness, which often is in tension with accountability. […] Positing the existence of a potential tradeoff between accountability and government performance does not imply a zero sum conflict between these two desiderata. Unaccountable governments can produce terrible policy results, and accountable governments can produce excellent results. Powerful mechanisms of accountability make it easier to block governments from implementing disastrous policies.44

Mainwaring e sua apreensão de accountability intraestado indica que “a

accountability é um atributo desejável em sistemas políticos”, bem como, “a efetividade

governamental”, embora, frequentemente se encontrem “em conflito com a accountability”. (MAINWARING, 2003, p. 4, tradução nossa).

Mesmo diante da frequente tensão envolvendo accountability e a efetividade governamental, há uma acomodação mediada pelos mecanismos de mercado (gerencialismo, eficácia, eficiência, etc.) que passaram a influenciar o processo de despolitização das decisões governamentais, convertidas à lógica da eficiência administrativa – segundo os parâmetros da

New Public Management: o Estado deixa gradativamente sua função de Provedor para Estado

Regulador (BALL, 2004, p. 1106) ou Estado Avaliador (AFONSO, 2009; BALL, 2004).45 Nesse contexto, desde a década de 1980, as polítcas de responsabilização no campo educacional têm proliferado, a partir dos EUA e Inglaterra, como meio de impulsionar melhorias na qualidade dos sistemas educacionais (BROOKE, 2013; HOFFER, 2000. No Brasil o efeito de contaminação se fez sentir a partir da década de 1990 quando se redefiniu o papel do Estado e das escolas, adotando princípios/modelos e políticas educacionais mais flexíveis para o processo educacional. Esta mudança inspirada no toyotismo, por incorporação, tem conduzido à uniformização e rigidez do controle do processo educacional ainda segundo os ditames do tecnicismo taylorista-fordista. (SAVIANI, 2013, p. 439).

44 “A tarefa que democratas latino-americanos enfrentam não é simplesmente de construir mecanismos de accountability mais eficazes. Enquanto a accountability é um atributo desejável em sistemas políticos, também o é a efetividade governamental, que frequentemente se encontra em conflito com a accountability. [...] Propor a existência de um potencial compromisso entre accountability e a performance do governo não implica em uma soma zero do conflito entre esses dois elementos. Governos não accountable podem produzir terríveis políticas e governos accountable podem produzir excelentes resultados. Poderosos mecanismos de accountability tornam mais fácil impedir governos de implementar políticas desastrosas.” (Tradução nossa).

45 Os conceitos citados gerencialismo, eficácia e eficiência encontram-se definidos no capítulo Accountability educacional: responsabilização, prestação de contas e avaliação, no Quadro 12, Quadro sintético analítico – Reforma Gerencial e Aferição de Requisitos, nas p. 183-184; bem como, a conceituação de Estado Avaliador é desenvolvida no capítulo Accountability educacional: o estado avaliador, deste trabalho.

A busca da “qualidade”, em uma conjuntura marcada pela concorrência entre as nações, a educação tem emergido como um meio eficiente na arena de batalha. Desta forma, mediante mecanismos de responsabilização, prestação de contas e avaliação, governos nacionais e subnacionais tentam promover mudanças nas políticas educacionais para ampliar suas capacidades competitivas: como fruto desse movimento, desenvolveu-se a accountability educacional.

Em virtude de sua polissemia conceitual e a diversidade em que se apresenta nas sociedades que a “absorvem”, a accountability exige uma análise que considere suas origens e, minimamente, a sua constituição e evolução, considerando sua normatização político-social e cultural. Desta forma, não é possível compreender accountability examinando-a a partir do isolamento de seus elementos constitutivos, pois, tal ação pode resultar em sua distorção ou estreitamento teórica.

Sua conceituação, portanto, deve perpassar por uma investigação histórico-social que considere os antecedentes filosófico-políticos de seus elementos constituidores de sua definição. Logo, faz-se necessário analisar os elementos que a constituem, ou seja, como responsabilização, avaliação, prestação de contas, informação e, sobretudo, controle do poder se afirmam, evoluem e, em um processo lento, vão se agregando até comporem em um tempo-espaço específico, a accountability, em sincronia e diacronia com os princípios de democracia, participação e liberdade.