OS ESSÉNIOS
Embora o Novo Testamento não mencione a seita judaica peculiar conhecida como “ os Essênios” , devemos examiná-la bre vemente, como contribuindo com um outro aspecto significativo ao período intertestamentário final. £ interessante notar como em cada época reaparecem os mesmos três tipos — o “ ortodoxo” , o “ heterodoxo” e os “ peculiares” . Os fariseus se apegavam total mente à letra da Lei. Os saduceus se desligaram de tudo menos do sentido mais amplo da mesma. Os essênios se satisfaziam em vi ver no espírito da lei e para isto se retiraram da sociedade huma na comum, vivendo isolados no campo, onde praticavam um esti lo monástico de vida e um tipo místico de judaísmo.
E igualmente estranho como em cada época os diferentes grupos podem ser tão cegos às suas próprias contradições. Os es sênios eram super-judeus, sendo Moisés sua principal autoridade. Todavia, como acontece com a maioria dos místicos, sua contem plação transformou e diluiu os significados claros da autoridade que veneravam tão profundamente.
Eles se desligaram dos sacrifícios no templo, por possuírem, supostamente, purificações próprias que destacavam o significa do espiritual. Não podiam misturar-se à multidão vulgar dos fre qüentadores do templo que, segundo eles, profanava os seus pre cintos. Estava mais de acordo com o espírito das prescrições mosai cas isolar-se e render sacrifício no santuário mais santo de sua ha
bitação. Mesmo assim, porém, mostravam sua reverência pelo tem plo, enviando ofertas regulares de incenso. Sua obsessão vinha de uma mente pura, uma religião espiritual, a separação para Deus às custas da humilhação pessoal, através de isolamento monástico, disciplina ascética e máxima simplicidade de vida.
Eles eram uma comunidade à parte. Viviam “ sós em casas de sua propriedade, trabalhando nos campos ou em serviços úteis, mas rejeitando o comércio como um estímulo à cobiça” . Cada re feição era preparada pelos seus sacerdotes e tomada como um sa crifício a Deus. Só um prato era colocado à frente de cada um. Se opunham à guerra por questão de princípios e proibiam os jura mentos. Os mais estritos renunciavam até ao casamento — um asce tismo absolutamente estranho ao ensino mosaico. Os membros só eram admitidos depois de um período de experiência, sendo sole nemente obrigados a cumprir as regras e manter os segredos da ordem; deviam praticar a piedade para com Deus e a justiça para com o homem, odiando os perversos e ajudando os retos; deviam falar apenas a verdade e não prejudicar ninguém.
Sua espiritualidade monástica era, entretanto, sobrepujada pela escravidão às exterioridades! Eles guardavam o sábado tão rigidamente, conforme a Lei, que não podiam sequer acender o fo go ou preparar a comida. Consideravam profanação comer qual quer alimento preparado por outra pessoa que não fosse de sua fra ternidade e preferiam mesmo a morte a tal coisa. Reprimiam-se su persticiosamente de cuspir, especialmente do lado direito. Quando tocados por algum incircunciso precisavam imediatamente subme ter-se a abluções corporais.
Embora fossem uma mistura contraditória, manifestavam vir tudes santas que os elevavam muito acima da média (veja o tributo de Josefo, anexo a este estudo). O motivo era bom, mas o método errado. Seu exclusivismo, ascetismo e misticismo não passavam de escapismo disfarçado. Seu ultra-judaísmo tornou-se quase anti-ju deu. Sua liberdade mística com a Palavra Escrita não lhes propor cionou liberdade espiritual, mas os manteve escravos da forma. Afinal de contas, eles não conseguiram penetrar sób a camada su perficial, descobrindo o verdadeiro espírito da Lei. Isso não pode ser feito do modo deles. O Senhor Jesus mostrou o verdadeiro caminho: e Ele não era um recluso. Os essênios tinham boa repu tação pela sua piedade, assim como pela sua percepção religiosa e
foi dito que suas predições sobre o futuro eram consideradas como praticamente infalíveis. Mas não tinham boa comunica ção com os homens; portanto, não fizeram um impacto real em sua época e não são mencionados no Novo Testamento. São, en tretanto, importantes por revelarem ainda mais as aspirações e comportamento do povo durante aqueles séculos intertestamen- tários.
OS H ER O D IA N O S
Em Mateus 22:16, Marcos 3:6 e 12:12 encontramos outro círculo judeu, a saber, os herodianos. Quem eram eles? Nenhuma informação explícita foi deixada quanto ao seu agrupamento origi nal, mas o próprio nome revela naturalmente seu papel destaca do e razão de ser. Quaisquer que fossem as preferências ou aver sões religiosas de seus membros, o grupo como tal não era de for ma alguma um culto ou união religiosa. Era político; e o objeti vo principal de seus adeptos era promover a causa do governo de Herodes. Não se sabe ao certo se a casa ou trono de Herodes os subsidiava diretamente, mas obviamente eles tinham o selo da aprovação real e cada um dos astutos, mas inquietos Herodes, faria seus agentes colaborarem com eles.
Podemos perfeitamente imaginar que muitos considerariam uma boa política fortalecer a pressão da casa de Herodes sobre os líderes e público judeus. Depois da torturante insegurança, rivali dades sangrentas e expedientes quase suicidas que haviam afligido os governantes judeus desde o período macabeu, o que poderia ser mais prudente do que apoiar o trono herodiano, que gozava do favor de Roma, dando assim à J udéia a proteção desse podero so império? Muitos veriam nos Herodes a única esperança judaica de continuação nacional; a única alternativa para fugir ao dom í nio pagão direto. Outros iriam também favorecer uma mistura da fé antiga e da cultura romana como no princípio Herodes e seus sucessores tinham buscado fazer, como sendo a mais elevada consumação das esperanças judaicas.
Por outro lado, devem ter havido muitos que detestavam a própria menção desse nome. A fam ília dos Herodes não era com posta de judeus, mas de idumeus. O primeiro Herodes não assas
sinara todos, com exceção de dois membros do Sinédrio? Ele não comprometera a fé judaica que tinha antes abraçado ostensiva mente? Não construíra em Panes um templo de mármore branco para a adoração de Augusto? Fora da Judéia, não era ele o patrono indisfarçado do paganismo? Não edificara um teatro romano em Jerusalém, com um amplo anfiteatro fora dos muros, instituindo lutas políticas entre gladiadores? E embora tivesse construído o novo e magnífico templo judeu em Jerusalém, não havia mandado colocar a águia dourada romana sobre a entrada principal do pátio externo? Não estava a família Herodes manchada com o sangue dos crimes mais medonhos? Ela não representava, em análise final, o poder do odiado conquistador romano? Podemos imaginar como os fariseus, por exemplo, devem ter odiado os herodianos! Os dois partidos nao se toleravam de forma alguma, o que torna a união dos fariseus e herodianos contra o Senhor muito mais surpreen dente.
OS Z E L O T E S
Em M t 10:4, Mc 3:18, Lc 6:15 e A t 1:13, aparece o nome de um certo Simão, o Zelote. Quem e o que eram então os zelotes? Eles representavam de maneira drástica o partido nacionalista ju deu. Foram de fato eles que praticamente provocaram o choque furioso com Roma que resultou na completa ruína e saque de Je rusalém pelo general T ito em 70 A.D.
Para o seu início como movimento precisamos reportar-nos ao ano de 63 a.C., quando o período de independência sob os ma cabeus terminou e a Judéia passou para o domínio romano. Havia uma larga diferença entre a turbulenta comunidade judaica que tornou-se então vassala de Roma e o Remanescente que se subme tera ao governo persa no começo do período intertestamentário! Não só tinham crescido em número, como também seu tempera mento se modificara grandemente. Os setenta anos de governo in dependente, acrescidos da influência farisaica, atuara sobre o es pírito da nação tornando-a talvez a comunidade mais provocante que os romanos tinham de administrar.
Enquanto os judeus da Judéia nos primeiros tempos do pe ríodo intertestamentário estavam resignados a aguardar passiva
mente atê que seu Messias viesse e livrasse um povo que cumpria fielmente a lei sagrada, havia agora uma contenda impetuosa no sentido de que a intervenção divina só seria enviada a um povo preparado para lutar pela libertação de Israel do dom ínio estran geiro. ,;0 mesmo fanatismo fariseu pela letra da Lei continuava a existir, mas com um tom nacionalista ardente que superava a in diferença piedosa do farisaísmo anterior.
; Além do mais, vinte e seis anos depois de Roma ter passado a governar a Judéia, o intrigante e odiado Herodes, um estrangei ro, mediante atos sangrentos e selvagens conseguira apossar-se do trono da Judéia, apoiado por Roma, mas contrariando a resis tência amarga dos judeus. Foi a sua ascensão, ao que parece, que inflamou os reacionários zelotes a formar um movimento ou par tido organizado. O Dr. Edersheim não hesita em dizer que “ uma visão mais profunda e independente da história da época (i.e. a partir de então) talvez nos levasse a considerar o país inteiro co mo dividido, aceitando ou rejeitando uma das facções” .
As mais violentas atividades do movimento parecem ter ocor rido a princípio na região da Galiléia. No ano 6 A.D., quando Qui- rino, o legado romano da Síria, ordenou o levantamento de um cen so na Palestina, Judas o Galileu, juntamente com Zadoque, um fa riseu, encabeçaram uma revolta contra o dom ínio romano, invo cando os compatriotas como o povo de Deus para resistir ao despotismo humano. Ele queria restaurar completamente a forma teocrática de governo. Um grande grupo o seguiu, mas foi facil mente dispersado por Quirino e Judas acabou sendo assassinado (At 5:37). Todavia, como diz o falecido Dr. W. A. Lindsay: “ Des de essa época até a destruição de Jerusalém e a dispersão da raça judaica, a história externa dos judeus é principalmente um registro das lutas travadas pelos que zelavam pela Lei contra a invasão do poder romano e da cultura helenista” .
Os filhos de Judas continuaram a causa. Dois deles, Jacó e Si mão, foram crucificados por Tibério Alexandre, um procurador, üm terceiro filho, que afirmou ser o Messias, foi morto por uma multidão.
Mas a oposição dos zelotes contra Roma pela força das ar mas, acabou infelizmente num pretexto para a violência até mes mo contra seus próprios patrícios. Durante as últimas décadas antes da destruição de Jerusalém, em 70 A.D., eles se transformaram em
bandos de marginais sem lei, aterrorizando a todos. Nao é impro vável que Barrabás e seus homens fossem zelotes, assim como os dois ladrões crucificados pelo Senhor. Note que o nome Barrabás é aramaico; que tanto ele como um grupo de amotinadores se achavam na prisão por terem cometido homicídio em um “ tumul to” (insurreição) (Mc 15.7). Os dois malfeitores crucificados com o Senhor eram salteadores violentos e não apenas “ ladrões” . A pa lavra “ salteadores” foi corretamente empregada na Edição Revista e Corrigida em Mateus 27.44. Talvez o salteador penitente, como fizeram outros, tivesse pensado, no início, que o “ reino de Deus” podia ser introduzido pela força. Ao observar Jesus na cruz ele, re pentinamente, percebeu o seu erro.