• Nenhum resultado encontrado

ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PÓS EMENDA

CONSTITUCIONAL Nº 19/1998

Após a edição da EC nº 19/98, o entendimento do SRF sofreu mudanças em relação àquela linha de total impedimento da possibilidade de greve no setor público, inclusive porque o rigor no processo legislativo para edição da norma regulamentadora era muito maior. (MORAES, 2012).

Segundo disposto por Gasparini (2012, p. 252):

[...] ao julgar os Mandados de Injunção n. 670/ES, 708/PB e 712/PA, o Supremo Tribunal Federal mudou sua orientação e firmou o entendimento segundo o qual a Lei de Greve dos trabalhadores comuns poderá ser aplicada aos movimentos paredistas dos servidores públicos em tudo que não contrarie a natureza estatutária do liame existente entre esses servidores e o Poder Público.

Ou seja, havendo exigência apenas de uma lei ordinária para regulamentação do exercício do direito de greve no setor público (tendo em vista o novo texto constitucional dado pela EC nº 19/1998 ao inciso VII, do artigo 37, da CRFB/88), o STF entendeu que, enquanto não editada norma específica, deveria ser utilizada, por analogia, a Lei de Greve.

Dos decisórios proferidos nos autos dos Mandados de Injunção nº 670/ES e 708/DF - os quais foram julgados em conjunto e tinham o mesmo relator, o ministro Gilmar Mendes -, observa-se que, primeiramente, fora rememorado que o STF, em diversas outras manifestações, já havia reconhecido a mora do legislativo em editar a norma regulamentadora do direito de greve no setor público. Como se vê a seguir:

[...] O tema da existência, ou não, de omissão legislativa quanto à definição das possibilidades, condições e limites para o exercício do direito de greve por servidores públicos civis já foi, por diversas vezes, apreciado pelo STF. Em todas as oportunidades, esta Corte firmou entendimento de que o objeto do mandado de injunção cingir-se-ia à declaração da existência, ou não, de mora legislativa para a edição de norma regulamentadora específica. (BRASIL, STF, 2007a).

Continuando, o relator ressalta que a falta da regulamentação do direito de greve no setor público contribui para o afastamento do exercício de direitos constitucionalmente garantidos.21

Registre-se o posicionamento adotado pelo ministro Gilmar Mendes:

Nesse contexto, é de se concluir que não se pode considerar simplesmente que a satisfação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis deva ficar submetida absoluta e exclusivamente a juízo de oportunidade e conveniência do Poder Legislativo. (BRASIL, STF, 2007a).

Ainda, extrai-se de referidos julgados que:

Apesar das modificações implementadas pela Emenda Constitucional n. 19/1998 quanto à modificação da reserva legal de lei complementar para a de lei ordinária

21A permanência da situação não-regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis contribui para

a ampliação da regularidade das instituições de um Estado democrático de direito (CF, art. 1º). Além de o tema envolver uma série de questões estratégicas e orçamentárias diretamente relacionadas aos servidores públicos, a ausência de parâmetros jurídicos de controle dos abusos cometidos na deflagração desse tipo específico de movimento grevista tem favorecido que o legítimo exercício de direitos constitucionais seja afastado por uma verdadeira ‘lei da selva’. (BRASIL, STF, 2007a).

específica (CF, art. 37, VII), observa-se que o direito de greve dos servidores públicos civis continua sem receber tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com imperativos constitucionais. (BRASIL, STF, 2007a).

E considerando a situação em que os servidores se enquadram até os dias de hoje, a Suprema Corte entendeu naquela época que na omissão do legislativo caberia ao judiciário adotar eventual medida alternativa, porém legítima, a fim de se obstar as omissões inconstitucionais, sem, todavia, ferir o princípio da separação dos poderes.22

Desse modo, a Suprema Corte decidiu por aplicar, por analogia, aos servidores públicos civis, a Lei de Greve, existente para disciplinar o exercício do direito de greve pelos trabalhadores do setor privado. Nesse sentido:

Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de que se aplique a Lei n. 7.783/89 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII). (BRASIL, STF, 2007b).

Contudo, o entendimento exarado nos Mandados de Injunção nº 670/ES e 708/DF não se limitou a não obstar a aplicação, por analogia, da Lei de Greve também no setor público, mas permitiu que cada Tribunal empregasse um regime de greve mais rígido no caso de paralisações nos serviços de atividades essenciais, por exemplo, considerando o rol previsto nos artigos 9º a 11 da lei supracitada, apenas como exemplificativo.23

Ademais, restou decidido, também, que cada Tribunal seria competente, dentro de

22 [...] Tendo em vista as imperiosas balias jurídico-políticas que demandam a concretização do direito de greve a

todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador, é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes, declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial. Na experiência do direito comparado (em especial, na Alemanha e na Itália), admite-se que o Poder Judiciário adote medidas normativas como alternativa legítima de superação de omissões

inconstitucionais, sem que a proteção judicial efetiva a direitos fundamentais se configure como ofensa ao modelo de separação de poderes (CF, art. 2º). (BRASIL, STF, 2007b).

23Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, contudo, não se pode afastar que, de acordo

com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao tribunal competente, impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de “serviços ou atividades essenciais”, nos termos do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei nº 7.783/1989. Isso ocorre porque não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses “serviços ou atividades essenciais” seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos “essenciais”. O sistema de judicialização do direito de greve dos servidores públicos civis está aberto para que outras atividades sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e variedade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9º a 11 da Lei nº 7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei nº

sua jurisdição, para definir questões como abusividade de greve, pagamento ou não dos dias de paralisação, entre outras questões relativas a cada caso. Outrossim, a Suprema Corte ressaltou que uma das consequências da greve é a suspensão do contrato de trabalho, consoante o disposto no art. 7º da Lei de Greve. E, dessa forma, os salários referentes ao período de paralisação dos serviços não deveriam ser pagos, exceto em situações excepcionais, em que o pagamento seria legítimo.24

Por fim, restou determinado em ambos os Mandados de Injunção que o Congresso Nacional legislasse, em até 60 dias, sobre o tema, editando norma específica para disciplinar o exercício do direito de greve no setor público.25

Em relação ao Mandado de Injunção nº 712/PA, também julgado no ano de 2007, cujo relator foi o ministro Eros Grau, embora o resultado tenha sido o mesmo dos demais mandados de injunção anteriormente citados, alguns trechos merecem ser destacados.

O ministro Eros Grau, em seu voto, deixou claro seu posicionamento quanto à importância da greve:

A greve é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida. Consubstancia um poder de fato; por isso mesmo que, tal como positivado o princípio no texto constitucional (art. 9º), recebe concreção, imediata – sua auto-aplicabilidade é inquestionável – como direito fundamental de natureza instrumental. A Constituição, tratando dos trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a eles compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, senão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, greves políticas, greves de protesto. (BRASIL, STF, 2007c).

Em seguida, o relator elucida que o inciso VII, do artigo 37, da CRFB/88, exige norma específica em relação à generalidade do artigo 9º da Carta Magna, porquanto, segundo ele, “a greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público”, e, também, pelo fato de que o “serviço público, na noção que dele podemos enunciar é a atividade explícita ou

24Considerados os parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se

discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, serão

competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art. 7º da Lei nº 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento dos servidores públicos civis, ou por outras situações

excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7º da Lei nº 7.783/1989, in fine). (BRASIL, STF, 2007c).

25Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve

dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, entendo ser válida a fixação do prazo de 60 dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. (BRASIL, STF, 2007c).

implicitamente definida pela Constituição como indispensável, em determinado momento histórico, à realização e ao desenvolvimento da coesão e da interdependência social.” (BRASIL, STF, 2007c).

Por conta disso, restou decidido, também no Mandado de Injunção nº 712/PA, que não poderia ser aplicada a Lei nº 7.783/89, sem alterações, para disciplinar o exercício do direito de greve pelos servidores públicos, cabendo ao Judiciário impor demais limites à fruição de referida garantia constitucional.26

Importante destacar que os votos dos mandados de injunção supracitados não foram unânimes, sendo que alguns ministros, como, por exemplo, Ricardo Lewandowski, foram contrários aos votos vencidos, tendo em vista seu entendimento de que há diferença clara entre o setor privado e o público que impossibilitaria a aplicação analógica da Lei de Greve para regulamentar o exercício do direito de greve pelos servidores públicos.

Embora existissem ideias conservadoras dentro do STF, a partir desse novo posicionamento majoritário adotado por parte dos ministros, o exercício do direito de greve dos servidores públicos civis deixou de ser considerado prática ilegal. No entanto, como até hoje não há norma específica para disciplinar os movimentos paredistas no setor público, as discussões são constantemente levadas ao crivo do Poder Judiciário que, por não haver lei específica, decide de modo diverso em cada caso concreto, por vezes limitando excessivamente este direito, por outras aplicando penalidades aos envolvidos.

A falta de norma específica, somada ao entendimento do STF, de que cada Tribunal poderá aplicar um regime de greve mais rígido, quando julgar necessário, amplia muito os poderes do Estado sobre seus servidores, diminuindo o poder de barganha destes.

Em algumas situações o exercício de greve é limitado a vinte por cento do número de servidores de determinada vara, em outros há determinação deliberada de corte de ponto, de exoneração do exercício de função, etc.

Destarte, a seguir (no item 4.4) serão analisadas algumas decisões proferidas tanto pelo TRF da 4ª região, como pelo STJ acerca do exercício do direito de greve pelos servidores do Poder Judiciário Federal. A ideia central é verificar se o direito de greve é, de fato,

26 Por isso tenho que a Lei n. 7.783, de 20.6.89, atinente à greve dos trabalhadores em geral, não se presta, sem

determinados acréscimos, bem assim algumas reduções do seu texto, a regular o exercício do direito de greve pelos servidores públicos. Este reclama, em certos pontos, regulação peculiar, mesmo porque ‘serviços ou atividades essenciais” e “necessidades inadiáveis da coletividade” não se superpõem a “serviços públicos’; e vice-versa. Trata-se aí de atividades próprias do setor privado, de um lado – ainda que essenciais, voltadas ao atendimento de necessidades inadiáveis da coletividade – e de atividades próprias do Estado, de outro. Daí porque, de início, não me parece deva ser aplicado ao exercício do direito de greve no âmbito da Administração tão-somente o disposto na Lei n. 7.783/89. A esta Corte impõe-se traçar os parâmetros atinentes a esse exercício. (BRASIL, STF, 2007c).

recepcionado pelos Tribunais mencionados e, ainda, analisar de que forma o judiciário tem se utilizado do seu poder discricionário para decidir sobre as questões inerentes às paralisações no setor público e suas consequências no âmbito jurídico.

4.3 PROJETOS DE LEI RELACIONADOS À REGULAMENTAÇÃO DO EXERCÍCIO DO