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Manifestações Folclóricas na Mídia

3. ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA CULTURA CAIPIRA

4.2. Manifestações Folclóricas na Mídia

Diversas pesquisas sobre a presença de conteúdos folclóricos na mídia vêm sendo realizadas ultimamente. Em Folkcomunicação, pretende-se destacar os estudos de Benjamin (2000 e 2004b), Trigueiro (2001) e Melo (2004).

A mídia é uma indústria de domínio público que se refere a impressos (jornais, revistas, periódicos, folhetos, mala-direta, boletins informativos etc.), radiodifusão (rádio e

televisão) e à internet. Outros meios mais recentes: CD-ROM, aparelhos de fax de última geração, telefones inteligentes, computadores multimídia, livros eletrônicos, banco de dados, videotextos, TV por cabo e transmitida diretamente por satélites. Algumas de suas principais características são:

9 processo de comunicação direcional: mensagem produzida para um público. Com a internet os produtos deixaram de se originar de uma única fonte central;

9 oferece elemento de escolha: pode-se optar por participar ou não do público a qualquer momento;

9 capacidade de aumentar a retenção de informações sobre determinado tema, desde que seja útil ou coincida com atitudes existentes (Carter, 1971, apud Nielsen, 2002, p. 153); 9 a mensagem é industrializada e vertical: dos meios para o público, mas não unilateral, apenas é mais complexo o processo de obter respostas do público. Exceção feita à internet, na qual o usuário tem a mesma oportunidade de expressar suas opiniões;

9 Feedback indireto, exceto a internet, na qual o feedback pode ser praticamente espontâneo e direto, com produtos interativos;

9 A mídia produz mensagens de acordo com os valores dos grupos, fomentando interesses comuns, às vezes integrando e outras vezes desintegrando solidariedades sociais (Beltrão, 1980, p. 3);

9 Instantaneidade: capacidade de transmissão dos acontecimentos à medida que acontecem ultrapassando barreiras espaciais e de tempo;

9 Universalização da informação: a mídia divulga os fatos de acordo com suas próprias regras de funcionamento e os submete a um processo de homogeneização, no qual passamos todos a partilhar um mesmo mundo midiático. Isso não significa, entretanto que toda a humanidade passe a ter as mesmas representações da realidade e viver numa mesma área cultural (Rodrigues, 1999, p. 25).

Na mídia, aqui abordada como uma série de instituições (coisa estabelecida, instituída e que de certo modo rege a sociedade) ocupadas com a produção em grande escala e difusão generalizada de formas simbólicas, é possível encontrar conteúdos folclóricos diversos como o mito europeu da Cinderela, ou do príncipe encantado nas telenovelas, a divulgação de festas e espetáculos populares, danças folclóricas, contos, mitos e lendas. Temas míticos da bondade e da maldade, a do final feliz, do herói, de monstros, situação entre a vida e a morte, aparecem diariamente nas telas da TV, ao som do rádio e nas

páginas do jornal, sem falar nas correntes veiculadas pela Internet com forte conteúdo mítico e já chamadas de e-lendas. Essas narrativas míticas midiáticas continuam a desenvolver o propósito mítico segundo Campbell: a de dar sentido às experiências humanas, contribuindo na busca da compreensão de mistérios da vida e dos grandes e pequenos dilemas do cotidiano (2002, passim).

O inventário dos mitos cuja permanência ou divulgação está sendo realizada pelos meios de comunicação de massa, em paralelo às formas tradicionais de sua transmissão, constitui parte do estudo da Folkcomunicação, tanto no âmbito da apropriação de elementos da cultura folk pela cultura de massas, como no âmbito da recepção da cultura folk, dos elementos de sua própria cultura, reprocessada pela cultura de massas (BENJAMIN, 2000, p. 98).

No passado era a comunicação oral que garantia a transmissão das experiências, regras e mitos de uma sociedade à outra e, no plano local, para as gerações seguintes, hoje a mídia retira tanto da cultura popular quanto da erudita “códigos e elementos míticos que incorpora ao seu próprio acervo e os retribui sob a forma de novas influências”(MELO, 1998, p.190).

Roberto Benjamin (2000, 2004b) registrou a presença de narrativas mitológicas diversas na mídia brasileira e latino-americana. A dama-de-branco, de norte a sul do país, aparece como uma mulher sedutora nas páginas da imprensa e até em vídeos-documentário, já no Chile a dama-de-branco é conhecida como “la Lola” (BENJAMIN, 2000, p.93). O mito do lobisomem, homem que se transforma em lobo, possui registros na Europa desde a Idade Média, e aparece na imprensa brasileira que destaca além dele, outros personagens como o atual chupa-cabras, um animal selvagem que ataca rebanhos chupando-lhes o sangue, divulgado também pela mídia estrangeira em localidades do Chile, Porto Rico, Equador e Estados Unidos (BENJAMIN, 2000, p. 96).

Na cultura popular, o mito do urso sedutor de herança européia foi pesquisado por Benjamin no nordeste do Brasil (BENJAMIN, 2004, p.119). O autor descreve alguns registros de narrativas maravilhosas sobre ursos na Europa e mostra como as histórias vieram com os colonizadores e permaneceram na memória do povo nordestino através de folguedos, apresentações de nome “Entremeio do Urso” no espetáculo onde um ator interpreta o urso amestrado e outro o italiano domador.

Em Recife, vários blocos carnavalescos têm o urso no nome em referência ao amante da mulher casada e ao ato sexual como “Urso Furicoteu”, “Urso da tua mãe”, “Urso do Pau Amarelo”, perpetuando um mito antigo, anterior à Idade Média européia, em terras brasileiras, exercendo a função de animal sedutor, apesar de não ser um animal da Fauna do país.

Osvaldo Meira Trigueiro (2001) estudou as imagens midiáticas da Festa de São João em Campina Grande, na Paraíba. A festa católica tradicional passa a ser, nos últimos anos, segundo o autor, um “produto comercializado pelos meios de comunicação” (p. 135).

A festa vem se modernizando devido à influência da televisão que agenda os eventos que lhe interessa divulgar, num processo de mediação com os promotores da festa, que buscam criar fatos inusitados para garantir espaço midiático.

De festa local passou a nacional, com a transmissão pelas grandes redes de TV do país e hoje integra o Calendário Turístico da Embratur. Segundo o autor, a negociação, entre os canais de TV, os organizadores dos eventos, os patrocinadores e os telespectadores, mostram que a cultura global não irá eliminar a cultura local, mas trará uma nova dinâmica, um jogo de convivência entre a modernidade e a tradição:

As festas populares na realidade estão sendo alcançadas pela mídia, pelas empresas de turismo e de entretenimento, passando por profundas transformações para atender novos interesses e sentidos do mercado de consumo do mundo globalizado. Os símbolos tradicionais das festas juninas – como balões, espigas de milho, fogueiras, bandeirolas, sanfona, triângulo e zabumba – são (re) desenhados em tecidos, em gás-neon, raio laser e mesmo peças publicitárias e projetados na decoração das casas e das ruas, para brilharem no écran. Desse modo, os símbolos tradicionais são inovados para se adequarem às imagens midiáticas (TRIGUEIRO, 2001, p. 146).

Essa negociação entre o local e o global não elimina a cultura popular, “mas a transforma e insere no novo mercado de consumo da Sociedade Midiática e do Turismo” (TRIGUEIRO, 2001, p. 148).

Ainda se tratando de festas populares, Melo (2004) analisou a celebração natalina, uma festa do calendário religioso brasileiro, em jornais, revistas e na televisão da cidade de São Paulo na pesquisa intitulada: “Natal: dos presépios rústicos às celebrações glamourizadas”. Posteriormente, realizou, em equipe, um estudo semelhante sobre o Carnaval, mas envolvendo também a mídia nacional e estrangeira.

(...) os estrategistas das políticas de comunicação das indústrias midiáticas, reconhecendo a prevalência de valores tradicionais nos hábitos de consumo cultural das classes populares, trataram de observar, identificar e recolher signos e estruturas capazes de monitorar a geração de novos produtos midiáticos. Desta forma, apropriam-se da cultura popular, dando-lhe tratamento massivo, de forma a preservar e ampliar suas audiências e lucros (MELO, 2004, p. 206).

O objetivo da pesquisa sobre o Natal era o de identificar a imagem da celebração popular na mídia paulistana em função de três eixos temáticos propostos pelo pesquisador: tradição/inovação, espaço/tempo e público/privado.

Nessa pesquisa o autor percebeu que o folclore atua como um elemento de mediação, pois, ao mesmo tempo em que a cidade de São Paulo é uma metrópole que ostenta símbolos da sociedade da informação, preserva alguns traços enraizados da cultura nacional.

Símbolos natalinos do mundo globalizado como os Shopping Centers, Papai Noel e desenhos da Disney, convivem em São Paulo com traços preservados da cultura popular como a religiosidade da época, o menino Jesus e os Reis Magos, o espírito de solidariedade, numa relação contraditória:

Da mesma maneira que a celebração do Natal preserva traços comunitários locais, intimamente enraizados na cultura nacional, apresenta um grau crescente de incorporação dos valores peculiares à sociedade global (MELO, 2004, p. 173).

Ao analisar o conteúdo dos dados empíricos, a pesquisa buscou a identidade em construção entre o local, regional, nacional e global, além de evidenciar os símbolos natalinos em transição. Esse estudo comparativo sobre a identidade da celebração do Natal captada pela mídia paulistana oferece uma opção metodológica de análise do conteúdo de dados empíricos.