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4 TALLER COMO EXPRESSÃO E CONSTRUÇÃO DA

4.2 As experiências talleristas

4.2.2 Mar do Caribe: “a porta sul americana”

Dentro do que denomino sistema estruturante continental, o Taller posiciona-se em articulações regionais, em que minha abordagem inicia-se em Havana, capital de Cuba, com seus símbolos políticos e marcos históricos.

O território latino-americano, banhado pelo Mar do Caribe, proporcionou-me desenvolver, dentro do Taller Sudamericano, inúmeros desafios quanto às problemáticas territoriais, econômicas e sociais como parte de uma construção coletiva regional. Em um território onde o patrimônio, a arte e o urbano confundem-se, além da questão econômica e política, surgem inúmeras discussões muito mais profundas.

Além disso, o enfoque baseado na prática solidária e cidadã entre os povos da América Latina demonstra o compromisso de trabalho em pequenas ações capazes de consolidarem-se em grandes transformações para inúmeras regiões do continente.

Jacobs (2011) destaca, em sua reflexão, a análise entre a visão de arte e o urbano nas questões estratégias urbanas de uma cidade:

Ao lidarmos com as cidades, estamos lidando com a vida em seu aspecto mais complexo e intenso. Por isso, há uma limitação estética fundamental no que pode ser feito com as cidades: uma cidade não pode ser uma obra de arte. Precisamos da arte, tanto na organização as cidades quanto em outras esferas da vida, para ajudar a explicar a vida para nós, para mostrar-nos seus significados, esclarecer a interação entre a vida de cada um de nós e a vida ao nosso redor. Talvez precisemos mais da arte para nos reassegurarmos de nossa humanidade. Todavia, embora arte e vida estejam entrelaçadas, elas não são a mesma coisa. A confusão sobre elas é, em parte, a razão de as iniciativas do planejamento urbano serem tão decepcionantes. É importante desfazer essa confusão para obter melhores táticas e estratégias de desenho urbano (JACOBS, 2011, p. 415).

Uma das grandes características do desenvolvimento desse Taller, em Cuba, é a participação de representantes das diversas faculdades de Arquitetura e Urbanismo, localizados pelo território da América Latina, com seus interesses e angústias frente aos

desafios cubanos. O Taller Sudamericano teve organização geral do “Programa SOS Ciudades”, liderado pela Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo da Universidad de Buenos Aires (Argentina), sob a supervisão dos arquitetos e urbanistas Pablo Ferreiro e Marcelo Villa, professores da UBA.

Destacam-se a organização local cubana, por meio da Facultad de Arquitectura da CUJAE – Instituto Politécnico José Echeverría, em Havana, e a forma de interagir das demais universidades participantes do território latino americano, na 12ª edição do referido Taller, as quais são: Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (Brasil), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil), Universidad La Gran Colombia (Colômbia), Universidad Nacional Federico Villarreal (Peru), Pontifícia Universidad Católica de Peru (Peru), Universidade Luterana do Brasil (Brasil), Faculdade Ritter dos Reis (Brasil), Universidad de Buenos Aires (Argentina), Universidad Nacional de Córdoba (Argentina), Universidad de Valparaíso (Chile) e Universidad Nacional de Asunción (Paraguai).

O Taller Sudamericano estruturou-se por meio de uma composição de cento e vinte e cinco (125) estudantes das mais diversas escolas de Arquitetura e Urbanismo, vinte (20) professores, os quais tiveram a oportunidade de debater temáticas relevantes ao desenvolvimento de suas propostas em cinco (5) conferências, bem como visitas “in loco” na Baía de Havana, sítio escolhido para as intervenções e projetos urbanos. O Taller teve uma programação com duração de uma semana, entre os dias 20 e 27 de abril de 2014,e desenvolveu-se na Casa de Condes de Cañongo (Figura 10), conhecida como a famosa “Plaza

Vieja”, localizada próximo ao bairro histórico de “Habana Vieja”, bairro declarado, em 1982,

patrimônio histórico da UNESCO.

Figura 10 – Programação do Taller, em Cuba, em 2014 e a Casa de Condes de Cañongo

A instituição sede do evento, a Facultad de Arquitectura de La Habana – Instituto Superior Politécnico José Antonio Echeverría, tornou-se responsável por oferecer espaços apropriados para a realização de cada etapa de trabalho desenvolvido, sendo requisito estar próximo ao alojamento para receber as delegações internacionais de professores e estudantes dos mais diversos países. Além disso, foi necessária a reserva de um auditório com a capacidade para quatrocentas (400) pessoas.

Cada faculdade de Arquitetura e Urbanismo selecionou estudantes interessados e que estivessem no 4º ou 5º ano de seus respectivos cursos, isso por sugestão da organização do evento para, num período curto de atividades, obterem-se melhores resultados, devido à complexidade do tema.

Cada estudante precisou pagar à organização do evento uma importância de 30 dólares americanos, os quais foram aplicados para cobrir gastos operativos do programa, além de assumir os gastos com passagens aéreas desde sua cidade de origem até a capital cubana. A instituição sede oportunizou o transporte do local de alojamentos até os espaços destinados à realização do evento, e foram oferecidos jogos de cópias de mapas e projetos existentes para o início do desenvolvimento dos trabalhos por parte dos professores e estudantes da área.

A organização e o desenvolvimento do Taller ocorreram em três fases (Quadro 14):

Quadro 14 – Fases de desenvolvimento do Taller em Havana – Cuba, 2014

Fase O quê? Como?

1 Sessões de talleres

Organização de grupos de trabalhos com aproximadamente 18 estudantes de cada faculdade participante e 2 professores. Os diretores do evento coordenam as ações.

2 Conferências diárias

A cada final de trabalho diário, realizavam-se conferências em duas ordens: [1] temas específicos do Taller; [2] ordens e assuntos gerais de arquiteturas emergentes que se produzem nos países da América Latina.

3 Apresentação final

Realiza-se uma exposição final dos trabalhos com a participação das autoridades municipais, representantes da comunidade e professores convidados.

Por meio dessas fases e desenvolvimento dos trabalhos, observa-se que as dimensões econômicas e políticas (Quadro 15) dominam os sistemas estruturantes da ilha caribenha e expressam o desafio de assumir, ao longo dos próximos anos, futuros impactos no território, a partir, justamente, dessas “políticas” como marco de uma nova etapa de integração do território cubano ao cenário macro global.

Quadro 15 – Dimensões analisadas – Taller Cuba, 2014

TALLER (Cenário) DIMENSÕES ANALISADAS ECONÔMICA POLÍTICA CUBA Processos Produtivos e Problematização do Mercado de Trabalho (Embargo)

Dimensão Estratégica do Porto de Mariel em escala regional e sua iminente conversão urbana

como território

Fonte: Elaboração do autor.

Cabe ressaltar que, em dezembro de 2014, a comunidade internacional recebeu a notícia da abertura das relações econômicas e políticas entre Cuba e Estados Unidos da América, e a profunda reflexão das transformações desse novo cenário poderá gerar novos paradigmas sobre o processo de transformação dessas dimensões na ilha. Dessa forma, é possível instrumentalizar os aspectos de cultura e de território.

Faço destaque aos impactos econômicos, que já estão sendo pontualmente desenvolvidos com a construção do “Puerto de Mariel”, localizado a, aproximadamente, 55 km da capital cubana, sendo, após sua conclusão, o principal porto da ilha e um dos maiores da região caribenha da América Central. Estrategicamente, o Brasil teve papel fundamental na construção desse porto, por meio de fundos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o qual pode se tornar realidade à concretização desse ponto estratégico e selar uma política binacional que já se vinha desenhando há uma década entre Brasil e Cuba.

Lopes (2014) descreve a mudança na paisagem:

Ao final de 44 quilômetros desde Havana, a estrada muda de aspecto. O que era um caminho esburacado, cheio de solavancos, passa a ser uma auto-estrada de asfalto impecável com duas pistas duplas. Máquinas trabalham em grandes anéis viários e mudas de palmeiras acrescentam um toque colorido ao cenário cinzento de obra recém-acabada. São os primeiros sinais de que o visitante está aproximando-se da

maior obra construída em Cuba desde a Revolução de 1959: o novíssimo porto de Mariel (LOPES, 2014, p. 1).

Essas transformações nas paisagens até o sistema urbano, que ora apresento, perpassam o processo de conhecimento, de construir coletivamente e de obter uma visão regional acerca de soluções pertinentes aos âmbitos globais, como a construção de um saber coletivo para que novas gerações de profissionais possam liderar esse movimento, pensando o território latino americano integrado num todo.

A produção de projetos obedeceu a um critério organizativo, o qual se apresenta no Quadro 16:

Quadro 16 – Objetivos do Taller Sudamericano em Havana – Cuba, 2014

Descrição Onde? Como?

As delegações estudam, primeiramente, os objetos de

estudo (sítio, lugar)

Baía de Havana Mapas planialtimétricos, setores urbanos e informações gerais Estabelecimento de estratégias projetuais, planos de ações e

desenvolvimento projetual Definição de diretrizes e ordenamento urbano Desenvolvimento das pranchas e esboços

Aprofundar as reflexões pós-taller e a entrega do material para as

autoridades locais

Apresentação final

Discussões abertas e entrega dos conjuntos

de projetos

Fonte: Elaboração do autor.

Com a significativa aposta no “Puerto de Mariel”, instalado na cidade cubana de Mariel, e suas áreas de influência, os trabalhos foram produzidos como desde o início do desenvolvimento pensando à transformação da Baía de Habana, como um espaço capaz de qualificar zonas anteriormente abandonadas, como a zona turística pouco valorizada e a recuperação da zona de produção da cidade.

Dessa forma, desenvolve-se um novo espaço simbólico de cidade, nesse novo marco histórico para Cuba, por meio de propostas talleristas produzidas no evento, conforme mostra a Figura 11.

Figura 11 – Desenvolvimento projetual e produção de propostas Talleristas para um novo espaço simbólico de cidades em Cuba, 2014

Fonte: Autor.

A partir disso, busca-se desenvolver, junto aos estudantes talleristas do grupo, linhas de investigação e estratégias para buscarmos os primeiros riscos em nossa proposta, nos quais: [1] Dimensão Global: procurar perceber a visão simbólica e real da Baía de Habana ao assumir sua nova característica, constituindo-se uma centralidade, servindo, agora, como um centro de logística e abastecimento, impulsionando essa zona no contexto urbano regional; [2] Dimensão Urbana: uma nova interpretação com o tecido urbano e suas conexões, como, por exemplo, o sistema de acesso aos transportes e incremento aos programas de eletricidade e saneamento básico.

A representação de perspectivas do espaço urbano, com base no mapa geral da cidade (Figura 12), serviu para o entendimento das dimensões estudadas pelos talleristas.

Figura 12 – Perspectiva urbana e mapa geral desenvolvido na proposta tallerista

A visita por setores pelos quais passamos faz-me refletir sobre as colocações de Romero e Mesías, quando tratam da introdução de metodologias participativas, isto é, diretamente a técnicos e profissionais da área que estão envolvidos com a comunidade, em que se acaba indo diretamente no local, passando a reconhecer que:

- Antes de qualquer problema não há uma única resposta e que o conhecimento da realidade se amplia e se enriquece ao envolver distintos pontos de vistas;

- existe uma necessidade social de relações mais equitativas e transparentes; - que os atores envolvidos diretamente em um problema são os que melhores conhecem suas próprias necessidades, desejos e possibilidades;

- na maioria dos casos há um jogo distinto de interesses que necessitam de um processo de negociação e acordos para ganhar consensos coletivos (ROMERO; MESÍAS, 2004, p. 35, tradução nossa).

O papel do professor arquiteto e urbanista é, basicamente, criar condições com sua equipe de trabalho, a fim de transformar-se em um agente do processo de participação e não ser apenas mero autor. Em outras palavras, a ele atribui-se a tomada de decisões na busca por consensos, na avaliação das propostas urbano-arquitetônicas que garantam a função social da atividade e na instigação de mudanças de posturas necessárias perante seu grupo e beneficiários.

Nessa experiência vivida em Cuba, ficou claro que o professor arquiteto e urbanista, durante sua atuação como integrante da equipe do Taller, deverá ser coordenador de uma situação social de aprendizagem cidadã, conforme mostra o esquema na Figura 13:

Figura 13 – Esquema de aprendizagem cidadã na metodologia tallerista