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Como apresentado, os aspectos naturais e culturais do Marajó são usados na promoção turística do estado do Pará. Contudo, apesar da sustentabilidade ser adotada no discurso dos documentos oficiais, as políticas públicas de promoção da atividade no estado pouco têm se preocupado em reverter aos marajoaras os recursos financeiros adquiridos. O MdM e, sobretudo, a cerâmica marajoara fazem parte desses elementos, uma vez que, aparecem na promoção do turismo paraense sem, contudo, receber a devida atenção quando se trata de seu uso como instrumento de desenvolvimento econômico e social da população marajoara ou da proteção e/ou preservação do patrimônio e da cultura que representam.

Tavares (2009) diz que apesar de algumas ações no sentido de dinamizar a atratividade turística, o Pará não contribui efetivamente com o desenvolvimento socioeconômico local e que, além disto, tem dimensionado a exclusão social, entre outros, ao reduzir a atratividade turística a aspectos naturais sem dar oportunidade às populações nativas para a participação com seus saberes. A autora explica que “trata-se de processos que têm assumido no espaço amazônico formas de territorialidades múltiplas, diferenciadas e contraditórias, acompanhadas de uma degradação dos meios, de conflitos de uso e de novas desigualdades sociais” (TAVARES, p. 258). A autora faz as mesmas observações em relação ao Polo Marajó, ressaltando as políticas de desenvolvimento turístico têm sido pontuais e direcionadas a um só tipo de turismo. Assim, Tavares conclui que “o desenvolvimento não se caracteriza pela inserção social e econômica que busque a justiça social, equidade e a participação da sociedade local” (TAVARES, p.259). Além das questões observadas por Tavares, é comum que ocorra a venda e

execução de pacotes turísticos por parte do órgão onde se promovem visitações nas quais os prejuízos causados parecem ultrapassar em muito os saldos positivos que deveriam existir. A depredação de sítios arqueológicos, sobretudo, nas ruínas jesuíticas da vila de Joanes, e o lixo deixado pelos turistas são alguns exemplos. Penso que a busca de alinhamento com o marketing turístico do Pará tem acirrado as disputas entre os agentes do turismo local (em grande parte são políticos) na intensão de promover suas cidades como as mais paradisíacas da região. Dentre outras, que desviam o olhar de questões mais importantes, as disputas por slogans como e títulos como o de “capital do Marajó”.

Ao referir-se ao uso turístico do patrimônio arqueológico, Morais (2005) avalia que este deve considerar as expectativas da comunidade que detém o patrimônio e as normas que regulam a relação patrimônio/turismo. Assim, deve haver precedência na elaboração de leis de preservação – o que, acredito, se estenda a todos os outros tipos de patrimônio. Morais também enfatiza que o envolvimento da população disponibiliza, ao turista, informações que vão além daquelas dispostas nos roteiros e em manuais técnicos. Ao discorrer sobre o patrimônio histórico e arquitetônico, Rodrigues (2005) observa que embora haja alguns projetos bem sucedidos, esses elementos ainda não foram assumidos como objeto de políticas públicas em favor do desenvolvimento social e, raramente, atende ao desenvolvimento turístico. Muitos dos relatórios do IPHAN, resultantes de Fóruns sobre patrimônio, também destacam a negligência do poder público em relação ao patrimônio cultural brasileiro.

Entre outras discussões acadêmicas sobre os patrimônios brasileiros consta, ainda, a visão amplamente aceita de que a transmissão de valores culturais, assim como a preservação de bens patrimoniais e o fortalecimento identitário, ocorre somente a partir da apropriação que a comunidade faz de seu patrimônio. Penso que este discurso tem servido como base para justificar a existência de projetos preservacionistas que, muitas vezes, servem apenas a interesses particulares. O caso marajoara, por exemplo, assinala que essas discussões devam ter também sentido contrário, pois, o que ocorre ali parece ser uma apropriação da apropriação que o povo do Marajó faz de seus bens culturais, do passado e presente. A ampla utilização da cultura marajoara na promoção turística do Pará (nacional e internacionalmente) sem considerar que a população do Marajó tem os menores IDHs do estado pode ser vista como um exemplo deste processo. Deste modo, é

feita uma seleção de elementos culturais representativos de um discurso determinado através da criação de uma realidade fictícia, com vistas a “reproduzir uma localidade descolada do real e de estimular o fluxo de pessoas que veem a população local como mais um elemento da paisagem” (Catão, 2006, p.258). Nela, “o patrimônio cultural do Marajó remonta aos seus habitantes originais, os marajoaras, considerados os grupos humanos mais antigos da Amazônia, [...] reconhecidos pela extraordinária produção cerâmica”69

e a população atual é um componente paisagístico de menor importância: “observe a singularidade do lugar: búfalos caminham tranquilamente pela cidade, servem de meio de transporte e até como montaria para garantir o policiamento dos municípios”70

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Apesar ser inegável que as discussões acadêmicas fomentem a reflexão sobre o patrimônio, bem como sobre a relação deste com o turismo, considero que exista pouca efetividade neste campo junto aos órgãos administrativos de interesse público – nacionais e paraenses. Nesse sentido, o turismo estabelece suas próprias patrimonializações, voltadas para interesses do mercado. Temos, assim, os “patrimônios do turismo” em contraposição ao uso turístico dos bens culturais em benefício de suas culturas geradoras. Nessa visão, o turismo torna-se insustentável e “ávido” a “apropriar-se” das culturas locais de maneira estereotipada, terminando por destituí-las dos direitos aos frutos gerados pela sua utilização pelo marketing turístico e, ao mesmo tempo, da possibilidade de interferir nesta construção.

No campo acadêmico, algumas das referências ao uso turístico da cultura marajoara, como o artigo de Gabbay e Paiva (2008) são exemplos, já que têm distanciado a população nativa do “marajoara” enquanto seu referencial cultural. Em âmbito prático, o uso turístico do MdM exemplifica o mesmo fenômeno, uma vez que sua visitação turística ocorre de maneira espontânea em relação à comunidade de Cachoeira do Arari, porém, induzida, em relação aos pacotes vendidos que tem como destino os municípios “indutores” do Polo Marajó. Em contrapartida, é o esforço físico e ideológico da população local que – cultiva – o MdM, desde sua criação. Da publicidade e de tudo o mais que se faz ali resta, quase sempre, sobras que nem sequer são suficientes à manutenção do prédio. Para isto, é necessário pedir e esperar: “eu espero que você também ajude a gente. Toda pessoa que eu

69 Fonte: “O Pará convida: venha conhecer a obra-prima da Amazônia”, roteiro oficial da Paraturismo

no qual são comercializados os municípios “indutores” do Polo Marajó: as cidades de Soure e Salvaterra.

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converso eu choro um pouco, né? Choro num modo de dizer, assim, pedindo as coisas. Eu falo pro pessoal: olha, se lá na sua casa tem um ventilador que ta te sobrando, lá num canto, mande pra cá, por que aqui é quente demais [...] então é assim que a gente faz” (Otacir Gemaque, entrevista em 12 fev. 2013).

4.3 CERÂMICA, MUSEU E TURISMO: ALGUMAS PROPOSTAS

Ao decidir apontar algumas alternativas para que a cerâmica marajoara, arqueológica e atual, cumprissem a função social que, acredito, possuem em relação ao povo do Marajó, optei por não fundamentá-las teoricamente. A motivação disto foi a constatação que seria enfadonho discutir aqui conceitos e metodologias como de planejamento e da chamada educação patrimonial. Isto, por sua vez, surgiu com as pesquisas relativas aos dois temas, pois é comum que os trabalhos acadêmicos tragam e discutam uma avalanche de conceitos para abordar o que foi feito ou o que se pretende propor em poucas linhas. Além disto, penso que minhas sugestões precisam ser fundamentadas em conceitos como de educação e pesquisa, que devem ser adaptadas ao contexto cultural do Marajó. Contudo, procurei apresentar opções para um futuro projeto, que pretendo desenvolver, mas que também pode ser desenvolvido por outros marajoaras – aos quais me disponibilizo a auxiliar. Assim, me baseio na concepção de Barreto (2000) quando diz que:

Cabe ao planejador de turismo a intervenção consciente e profissional para que o patrimônio, as tradições – o legado cultural todo – possam ser transformados séria e conscientemente num produto turístico de qualidade, bom para ser usufruído também pela população local. [...] Basta pensar que o produto está dirigido não apenas a uma plateia de curiosos e forasteiros (estrangeiros ou não), mas também aos próprios cidadãos locais, que seu objetivo é mostrar às gerações jovens qual foi o processo pelo qual sua sociedade passou para chegar ao ponto onde se encontra (BARRETO, 2000 p.75, 76).

A correlação do senso comum entre legitimidade/autenticidade unicamente à continuidade ancestral (Grünewald, 2001), bem como do alinhamento entre os bens culturais marajoaras com uma classificação arqueológica, vem desapropriando a