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2 OS AGENTES RESPONSÁVEIS PELOS DEZ QUIXOTES

2.4 AGENTES: AUTORIDADE E FAMA EM CADA EDIÇÃO

2.4.10 Ana Maria Machado, a premiada dama

Ana Maria Machado (Rio de Janeiro, 1941) é comparada a Lobato, por sua imensa produção de obras para o público infantojuvenil, com excepcional qualidade literária. Assina mais de 120 livros, entre obras próprias e reescrituras, publicadas no Brasil e em mais de vinte países com a impressionante cifra de mais de 20 milhões de exemplares vendidos. Detém inúmeros prêmios, entre eles o Prêmio Hans Christian Andersen, a maior distinção conferida na literatura infantojuvenil, e desde 1993 é autora hors concours dos prêmios da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (sua adaptação de Peter Pan está na lista de honra da prestigiada organização International Boardon Books for Young People (IBBY), organização da qual é membro e já foi vice-presidente.

Machado, assim como outros adaptadores deste corpus, também aprendeu a ler cedo, aos cinco anos. Passou uma infância rodeada de livros, deleitando-se especialmente com Lobato, de quem leu toda a obra infantojuvenil, e devorando Mark Twain, Tarzan, aventuras de

Verne, Salgari102. Aos doze anos publicou seu primeiro texto, Arrastão, impresso na revista Folclore. No Colégio Aplicação descobre sua paixão por artes plásticas, chegou a expor, mas,

fã das Letras, fundou um jornal de estudantes secundários com Cacá Diegues e Arnaldo Jabor. Começou sua vida universitária como estudante de Geografia, mas trancou a faculdade e, tocada mais uma vez pela musa das Artes, fez em Nova York alguns cursos no Museu de Arte Moderna. Mas, nesse embate, as Letras vencem e ela termina se formando em Letras neolatinas, com especialização em Língua e Literatura Espanhola na UFRJ. Durante a faculdade, além de lecionar línguas, escreve para o Correio da Manhã103. Ao terminar seu

mestrado em 1966, vive por dois anos em São Paulo, logo após se casar com o médico Álvaro Machado, personagem importante também por ser irmão da conhecida escritora de literatura infantojuvenil Ruth Rocha, que trabalhava na editora Abril desde 1967 e participou da criação da revista Recreio. A jovem mãe que já escrevia artigos para Realidade e Enciclopédia Bloch, além de lecionar inglês no colégio Rio Branco, foi convidada para colaborar com algumas histórias desde o “número zero”. Como comentado, nesse período, muitos perseguidos políticos, ou simplesmente cidadãos coagidos, refugiaram-se na literatura infantojuvenil. Ela mesma narra alguns pormenores: “As primeiras histórias foram publicadas em 1970, eu já no exílio. Pagavam bem, e os leitores gostavam. Foi uma das fontes que ajudaram a me manter no exterior, em tempos muito difíceis”.

Recentemente, ao ser entrevistada pelo cantor Sérgio Britto104, contou a causa de ter

sido obrigada a deixar o país. Estava envolvida “no movimento dos professores, no movimento estudantil, e com grupos clandestinos que já estavam partindo para a luta armada”, dando apoio, ajudando a esconder perseguidos, imprimindo panfletos e arrecadando dinheiro em festas.

102 “O peso de meu primeiro Robinson Crusoé aberto no colo, ilustrado por Carybé. O frescor dos ladrilhos da

varanda em meu corpo nas tardes de verão em que eu me deitava de bruços no chão para ler A ilha do tesouro. O pão quentinho e crocante, com manteiga começando a derreter, que marcava a hora da merenda, única interrupção possível a me retirar de uma balsa no Mississipi com Huckleberry Finn ou de uma cavalgada entre Paris e Londres ao lado de D’Artagnan.” (Machado, 1999: 70, apud Silvestre, 2007: 23). Recorda um livro igualmente citado por Gullar, João Felpudo, além de Juca e Chico, traduzido por Olavo Bilac, e relembra seus cronistas favoritos: Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga (Silvestre, 2007: 47 e 24). Em sua biografia cita seus poetas favoritos: Drummond, Manuel Bandeira, João Cabral, Vinicius de Moraes, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Ferreira Gullar e Fernando Pessoa; além dos espanhóis García Lorca, Jorge Guillén, Antonio Machado, entre outros. Não se esquece dos clássicos: “Shakespeare, Dante e Camões” . Site Olimpíada de Língua Portuguesa –

Escrevendo o futuro. Disponível em:

<https://www.escrevendoofuturo.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1173:entrevista-ana- maria-machado&catid=24:entrevistas&Itemid=34>. Site Ana Maria Machado. Disponível em: <http://www.anamariamachado.com/biografia>. Acessos em: 19 nov. 2014.

103 Entrevistou diversas personalidades: Rubens Carybé, Antonio Callado, Carlos Heitor Cony e Otto Maria

Carpeaux, entre outras.

104 Programa Exílio e Canções; episódio “Ana Maria Machado e suas memórias do exílio”, transmitido em 1o out.

2014 na TV Brasil. TV Brasil. Disponível em: <http://tvbrasil.ebc.com.br/exilio-e-cancoes/episodio/ana-maria- machado-e-suas-memorias-do-exilio#media-youtube-1>. Acesso em: 18 out. 2014.

Detida em sua residência, logo após o sequestro do embaixador americano [4 de setembro de 1969], ficou apenas dois dias presa. Não foi torturada, mas solta como isca105. Era seguida

continuamente, começou a notar “alunos estranhos” em suas aulas; ao ver vários amigos sendo presos, resolveu seguir o conselho de seus advogados. Machado escapou em janeiro de 1970 dentro de um navio cargueiro em Vitória, rumo à Europa.

Para melhor compreender os fatos narrados acima e seu exílio, falta adicionar um detalhe vital de sua biografia: sua família. Machado não somente é irmã de um dos sequestradores do embaixador, o ex-ministro Franklin Martins106, mas também filha do senador

Mário de Sousa Martins107, cassado em 1969 pelo AI-5.

Exilada em Paris com a família, dublou documentários, lecionou Língua Portuguesa na Sorbonne e escreveu uma tese sobre Guimarães Rosa com supervisão de Roland Barthes, que transformou no livro Recado do nome(1976).

Ao voltar, Ana Maria Machado – como conta em nossa entrevista – perdeu seu cargo na Universidade. Foi repórter no Jornal do Brasil e depois chefiou o radiojornalismo da Rádio

JB por sete anos. Ao mesmo tempo, retoma seu ofício de escritora e passa a publicar suas antigas

histórias feitas para a Recreio, em forma de livrinhos, começando por Bento-que-Bento-É-o-

Frade (1977). Desperta a atenção da indústria editorial especializada, que já se mostrava

sedenta por novos autores e títulos para alimentar o crescente mercado de paradidáticos. Em 1979 inaugura a livraria Malasartes, especializada em literatura infantojuvenil, da qual foi sócia por dezoito anos, participando de uma editora, Quinteto, vendida depois para a FTD.

105Em uma entrevista feita por Cláudio Rossi (21 jun. 2000) para revista Veja, Machado conta sua desventura com

o governo militar: “‘Nunca participei de nenhuma ação, mas cheguei a esconder gente e até dinheiro de roubo a banco.’ [...] Como um Fusca utilizado no sequestro estava no nome de Ana, a polícia foi bater em sua porta. ‘Fiquei presa por dois dias, e depois virei uma bomba ambulante’, diz ela. ‘Eu podia prejudicar um amigo só por cumprimentá-lo.’” Disponível em: Veja. <http://veja.abril.com.br/210600/p_158.html> Acesso em: 29 out. 2014.

106 Seu irmão, Franklin Martins, compartilha em seu site algumas informações diretas sobre o sequestro de Charles

Burke Elbrick, capturado no Rio de Janeiro pelos militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) e a organização que Martins integrava, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Um dos carros usados estava no nome de sua irmã Ana Maria. O documento e o manifesto estão disponibilizados integralmente, com as exigências feitas por eles. Site Franklin Martins.

<http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=manifesto-do-sequestro-do-embaixador- americano-rio-1969>. Acesso em: 29 out. 2014. O jornalista, foi ministro de 2007 até o final do mandato do presidente Lula em 2010 e Leonardo Colon (ESP, 9 mar. 2011) informa que a Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) confirmou fraude milionária e “uma série de irregularidades, inclusive uso de documento falso e favorecimento, na licitação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), do governo federal, que contratou por R$ 6,2 milhões a Tecnet Comércio e Serviços Ltda. Cláudio Martins, filho do ex-ministro da Comunicação Social Franklin Martins, é funcionário da empresa”. Disponível em: ESP: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,tribunal-de-contas-confirma-fraude-em-licitacao-de-r-6-2-mi-da-tv- brasil,689761>. Acesso em: 29 out. 2014

107 Jornalista, trabalhou com Nelson Rodrigues, entrevistou diversas personalidades, entre elas Churchill.

Nomeado para trabalhar como adido comercial, muda-se com a esposa e onze filhos para Buenos Aires logo após a Segunda Guerra.

Escreve o primeiro romance adulto, Alice e Ulisses (1983), no mesmo ano em que nasce sua filha, fruto de sua união com o músico do quarteto Boca Livre, Lourenço Baeta, com o qual se muda para Manguinhos. E em uma nova alternância de ares, em 1989 aceita uma oferta de trabalho da BBC em Londres. Atualmente, Ana Maria Machado promove a leitura e fomento do livro, através de consultorias e seminários internacionais da UNESCO, e foi a primeira escritora de literatura infantojuvenil a presidir a ABL, detalhe notado pela mídia em razão de seu ineditismo108.

Em seu impressionante catálogo, encontramos quarenta traduções e/ou adaptações para literatura infantojuvenil de obras clássicas (tanto do cânon adulto como infantil), títulos imprescindíveis em qualquer biblioteca. Ana Maria Machado declara seu apreço pelas adaptações em seu livro Como e por que ler os clássicos universais desde cedo109. Recomenda As minas do rei Salomão vertido por Eça de Queiroz, para sentir o “atrativo extra do toque do mestre”, recorda seu Robinson Crusoé ilustrado por Carybé e traduzido por Cortázar; obras que são parte de sua memória afetiva. Machado (2002: 15) ressalta algumas de suas bandeiras, como por exemplo: “ler é um direito de cada cidadão” e também “clássico não é livro antigo e fora de moda. É livro eterno que não sai de moda”, e faz uma bela declaração de apreço às adaptações: “O primeiro contato com um clássico, na infância e adolescência, não precisa ser com o original. O ideal mesmo é uma adaptação bem-feita e atraente”.

Machado escreveu desde versões bem resumidas para crianças pequenas a traduções

integrais, como foi chamada sua adaptação de Alice editada pela Ática, fato inclusive muito

bem questionado por Amorim (2005: 139-141). O pesquisador descreve os dizeres do

Suplemento do Professor110, que garantem uma tradução integral, algo que nem as outras

retraduções alardeavam, apesar de bem completas, inclusive por visarem leitores mais velhos, criticando versões anteriores, justamente adaptações. Mas a análise de Amorim revela que a autora parodia canções e poemas brasileiros ao traduzir os versos de Carroll, uma consciente opção domesticadora, assumida pela própria autora para substituir os poetas vitorianos111

. Em

108 Alguns exemplos, entre várias citações: Revista.com. Disponível em:

<http://www.revistapontocom.org.br/entrevistas/academia-brasileira-de-letras>; Britannica escola online. Disponível em: <http://escola.britannica.com.br/article/483349/Ana-Maria-Machado>; Portal Educacional. Disponível em: <http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0102.asp>. Acesso em: 29 maio 2014.

109 Muito eclética e espelhando sua vida de pequena leitora, Machado fala de 63 títulos, rouba livros da biblioteca

dos adultos, desde o Antigo e Velho Testamento, livros de ficção científica (Orwell, Bradbury, Wells, Huxley, Asimov, Clarke), histórias de cavalaria, a série Sherlock Homes, livros de terror etc.

110 “Um ponto importante: o texto é sempre integral, ao contrário das condensações e adaptações que se encontram

nas livrarias e que costumam descaracterizar a obra dos grandes escritores” (Catálogo Juvenis da Ática, 1977, apud Amorim, 2005: 139).

111 “As cantigas infantis originais não foram traduzidas, mas substituídas por equivalentes do folclore brasileiro,

nossa entrevista introduzimos uma pergunta sobre as diferentes denominações que suas versões recebem. É muito relevante como o texto se apresenta ao público na cultura de chegada (Toury, 1995: 86) e, no caso desta autora, encontramos as seguintes variações: texto integral, tradução

para criança, tradução para jovem, reconto, tradução e adaptação. Perguntamos como decidia

se uma obra deveria ser adaptada, recontada ou traduzida (integralmente ou não) para leitores mais jovens. Frisou que acreditava jamais ter chamado “uma adaptação de texto integral” (itálicos dela) e explicou sua acepção de tradução, algo completamente diferente de uma adaptação: “Quando chamo de tradução, é tradução, e o texto é integral. Quando adapto, não engano o leitor, mas comunico. E não permito que a editora confunda os dois casos. São duas coisas completamente diferentes”. Mas no parágrafo seguinte diz que é a editora quem decide tudo, a classificação para jovens ou crianças e a decisão de adaptar ou traduzir: “Isso não é comigo. São decisões editoriais. Quando uma editora me encomenda uma tradução é uma coisa. Quando encomenda uma adaptação, é outra”.

Ana Maria Machado atua como agente, pois conta que propõe traduções e retraduções de “livros que não estavam ao alcance do leitor brasileiro integralmente, ou pediam outra tradução” e exemplifica com algumas de suas reescrituras mais vendidas: Alice, Peter Pan, O

jardim secreto, A princesinha.

A relação de Machado com o Quixote remonta à sua infância, como ela mesma narra em sua apresentação da tradução do Dom Quixote (2003) escrita por Michael Harrison: “Quando eu era muito pequena, esta foi uma das primeiras histórias que eu ouvi – adaptado por meu pai, que ia me mostrando as figuras do livro e resumindo a história para mim. De improviso, sem ler” (Machado, 2004: 5). A cena descrita nos remete instantaneamente ao livro de Lobato, recontado por dona Benta. O cavaleiro é a personagem referida logo no início do livro sobre clássicos, Machado descreve os detalhes de seu primeiro contato com o cavaleiro, através de uma pequena estatueta de bronze que decorava a mesa de seu pai112, fazendo-nos

sob a forma de letras de músicas, quer lembrando obras de Vinicius de Moraes ou Gonçalves Dias, em vez de citarmos poetas vitorianos” (Machado, 1997: 133-134, apud Amorim, 2005: 160).

112 “Não sei direito com que idade eu estava, mas era bem pequena. Mal tinha altura bastante para poder apoiar o

queixo em cima da escrivaninha de meu pai. […] Só que no meio do caminho tinha outra coisa. Bem diante dos meus olhos, na beirada da mesa. Uma pequena escultura de bronze, esverdeada e pesada, numa base de pedra preta e lustrosa. Dois cavalos. Mais exatamente, um cavalo esquelético seguido por um burrico roliço. Montado no primeiro, e ainda mais magrelo, um tristonho cavaleiro de barbicha segurava uma lança numa mão e um escudo na outra. Escarrapachado no jumento, um gorducho risonho, de braço estendido para o alto, erguia o chapéu como quem dá vivas. Um dia perguntei quem eram. – O da frente se chama Dom Quixote. O outro, Sancho Pança. – Quem são eles? – Ih, é uma história comprida… Um dia eu conto. [...] Só algum tempo depois eu as reconheceria como [ilustrações] bicos-de pena de Gustavo Doré, ao ler aquelas aventuras por conta própria em outra edição – o

Dom Quixote das Crianças, na adaptação de Monteiro Lobato” (Machado, 2002: 7-9). Sancho e dom Quixote

aparecem como personagens de um de seus livros infantis, Amigos secretos (1996), refazendo o caminho de Lobato, que também trouxe o cavaleiro para dentro do Sítio.

retomar as menções sobre a fama e iconografia do Quixote, como visto em nossa introdução (Riley, 2001, 2002).

Ana Maria Machado releu seu velho Quixote da Espasa-Calpe (editora de Buenos Aires) da época da faculdade e criou O cavaleiro do sonho: As aventuras de Dom Quixote de la

Mancha, que, como veremos pelo depoimento dado (ver Anexo A) pela editora Ione Nassar,

dona da Mercuryo Jovem113, surgiu por duas efemérides: quarto centenário da obra em 2005 e

cinquentenário do painel de Portinari na ONU, Guerra e Paz, em 2006.

Experiente, Ione Nassar conseguiu destacar sua publicação das outras tantas lançadas no mesmo período, e acabou homenageando também a historiografia do Quixote no Brasil ao retomar um antigo e nunca concretizado projeto. Ao idealizar a primeira tradução integral da obra do país, assinada por Andrade e Amado, José Olympio contava com essas ilustrações de nosso célebre pintor, que, sentindo os efeitos de seu envenenamento pelas tintas que utilizava, criava com lápis de cor. Infelizmente o artista interrompeu esse projeto para realizar o painel que acabou acelerando sua morte, em 1962. Esses 21 desenhos ficaram praticamente inéditos, divulgados poucas vezes por uma esgotada publicação da editora Diagraphis, acompanhados de 21 glosas de Drummond. Nassar uniu o útil ao agradável. Descobriu que o filho do artista e dono dos direitos das imagens era um antigo leitor e fã de Machado. A editora contou muito entusiasmada que ele gostou tanto do projeto que não quis cobrar nada pelo uso dos desenhos. Ela já havia trabalhado com a autora, que tem em sua bibliografia vários livros que trazem biografias de pintores e outras personalidades adaptadas para crianças 114; um deles é Portinholas (2003), sobre Portinari. Teve uma ideia melhor ainda, reviver os desenhos do Quixote, desta vez para o público infantil. O pequeno livro (54 páginas) é até hoje um sucesso

de vendas, hors concours para o livro melhor adaptado – FNLIJ (2006), e está atualmente em sua 13ª reimpressão.

A adaptadora compartilhou outros detalhes inéditos sobre sua versão de Cervantes, e reconheceu que foi ajudada por sua grande intimidade com a história. Durante nossa análise notamos que seu texto dialoga abertamente com muitos dos catorze115 desenhos do mestre

113 Antiga funcionária da FTD, decidiu fundar uma editora especializada em literatura infantojuvenil. Suas edições

já receberam diversos prêmios e recomendações de programas oficiais, seu melhor cliente: “O que dá mais dinheiro é o mercado do governo – não o mercado interno. Livraria só funciona em shopping, não tem livraria na rua”.

114 Os anjos pintores: Alfredo [Volpi] e Amadeo [Modigliani]; Era uma vez três [Volpi]. Para a Mercuryo Jovem

adaptou a biografia de Rondon, Não se mata na mata (2008); Andersen, Palmas para João Cristiano (2004); e pela José Olympio publicou uma versão da infância do escritor José Lins do Rego, O menino que virou escritor (2001).

115 Por alguma razão ainda não descoberta por nós, a família disponibilizou apenas catorze dos 21 desenhos feitos

originalmente pelo artista. Não conseguimos uma resposta com Machado nem com Nassar, que informou somente ter recebido os desenhos que publicou na edição do Cavaleiro do Sonho. Uma explicação para isso pode ser a perda dos direitos autorais de parte dessas imagens.

Portinari, Machado não somente acompanha de perto as ilustrações, mas também insere a história e obra do próprio pintor, como confirma em nossa entrevista: “Aproveitei todas as ilustrações que me foram encaminhadas, dando ênfase aos episódios que elas retratavam. E fiz a ligação entre eles com passagens que lhes davam sentido”, reproduzindo a intenção de Drummond, que, segundo a apresentação da edição Diagraphis, escreveu as glosas especialmente “e à vista dos originais de Portinari” (Cervantes, Portinari, Drummond, 1973: 7).

Ao discorrer sobre seu grau de liberdade neste trabalho e se havia sentido alguma restrição pela pouca idade do leitor, respondeu de modo bem contundente, reafirmando sua posição neste sistema literário de literatura infantojuvenil: “Se meu grau de liberdade não fosse total, eu não faria. Ele foi limitado apenas por minha inteligência, minha sensibilidade e, hélas!, pelo número de páginas. Jamais, em livro algum, me senti restringida pela idade de um leitor”.

O interessante é que, mesmo com o poder de seu nome, grife mais que consagrada, não conseguiu mais espaço ou mais páginas, uma das grandes limitações e exigências inseridas pela indústria editorial, pois mais páginas sempre significam maior custo.

Ao perguntarmos se acreditava sinceramente na necessidade de tantas readaptações do mesmo texto cervantino, disse: “Se acrescentam algo ao conjunto, não vejo problema algum. É um livro inesgotável. Se não acrescentam, não seriam necessárias”. Sua resposta está de acordo com aquela que deu em junho de 2001 a Mário Monteiro (2006: 68), quando este perguntou “por que adaptar ou redigir uma nova versão de clássicos da literatura?”:

[...] No caso das adaptações destinadas a um público juvenil, para que elas agucem a curiosidade e funcionem como um “trailer”, mostrando que existe aquela obra, tem aquele clima e trata daquilo — um dia a obra pode ser buscada em sua íntegra. Ou, pelo menos, para dar uma visão geral do patrimônio cultural que todos herdamos e não vamos conseguir ler em sua totalidade. Para que possamos depois ler outros livros, posteriores aos clássicos, e entender suas alusões e referências, por exemplo.

Machado nos surpreendeu com sua avaliação sobre o pouco interesse da mídia e outros