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Monteiro Lobato e seu clássico: Dom Quixote das crianças

2 OS AGENTES RESPONSÁVEIS PELOS DEZ QUIXOTES

2.4 AGENTES: AUTORIDADE E FAMA EM CADA EDIÇÃO

2.4.3 Monteiro Lobato e seu clássico: Dom Quixote das crianças

Parte da história deste autor foi vista no capítulo anterior, repassaremos apenas os detalhes biográficos que formaram esse escritor e agente triplo: foi o próprio Lobato quem escreveu, editou e publicou o hoje consagrado Dom Quixote das crianças.

O prolífico paulista José Bento Renato Monteiro Lobato (1882-1948) teve uma infância tranquila, típica de um menino do interior, mas coalhada de leituras, pois além de tentar caçar sacis, desbravava a biblioteca de seu avô visconde, de onde tinham de tirá-lo à força (Cavalheiro, 1962: 10), época em que deve ter lido os poucos livros que ele cita, como Robinson e outros da mesma coleção10. Discorda-se de Penteado (2011), pois não acreditamos que Lobato

tenha lido o Quixote em versão integral quando adolescente, mas apenas ao se tornar adulto11.

Entusiasta como era ao discorrer sobre suas leituras, encontramos apenas duas referências à obra antes de seu interesse em adaptar o livro, ambas em cartas escritas em 1909 ao amigo Godofredo Rangel12.

Formado em direito no Largo São Francisco, em 1904 aceita um cargo de promotor em Areias (SP), e mata seu tempo ocioso devorando livros e traduzindo e publicando artigos traduzidos do Weekly Times13.

Após a morte dos pais e do avô visconde, transforma-se em fazendeiro. Imerso nesse ambiente rural, cria uma de suas famosas personagens, Jeca Tatu, protagonista do conto

Urupês14, que se transforma em best-seller após um discurso de Ruy Barbosa e uma agressiva

campanha de divulgação. Lobato, provavelmente inspirado por sua longa experiência de interiorano, sabia que existiam leitores no Brasil, o truque era encontrá-los. Enviou uma carta a cada uma das mil agências postais espalhadas pelo país, em lugares onde não existia nada

10 “No meu tempo de menino consegui reunir tudo quanto havia no mercado: três livros de Laemmert adaptados

por um Jansen Müller, e dois álbuns de cenas coloridas – O Menino Verde e João Felpudo” (Lobato, 1964: 120).

11 Penteado descreve as leituras de Lobato: “As aventuras de Carlos Magno e os doze pares de França,

‘especialmente Oliveiros e Roldão’. Talvez a Canção de Rolando? E também Júlio Verne e Dom Quixote, no original, ou na versão portuguesa” (Penteado, 2011: 58, itálicos e aspas do autor).

12 Amigos de faculdade, eles mantiveram uma intensa conversa epistolar durante mais de quarenta anos,

organizada em 1944 por Lobato com o título A barca de Gleyre. As menções ao livro do Quixote são: “Que tal a tradução do D. Quixote que andas lendo?” e “Pare com o Camões e o Cervantes e pegue no Ruy [Barbosa]: ele resume-os a todos e é do nosso tempo” (Lobato, 1964: 249 e 251).

13 Cita Balzac, Maupassant, Rabelais, Baudelaire, Zola, Molière, Anatole France, Hugo, Daudet, Nietzsche,

Shakespeare, Kipling, Wells, Dickens, os russos, Eça, Camilo Castelo Branco e seu preferido: Machado de Assis. Sobre suas traduções: “Tenho mandado uns artigos para A Tribuna de Santos e publicado n’O Estado de São Paulo umas traduções do Weekly Times – esse meu meio de neutralizar Areias” (Lobato, 1964: 226 e 250).

14 Publicado pelo jornal Estado de São Paulo e replicado em vários outros periódicos, transforma-se no título de

seu primeiro livro. Antes havia editado Sacy Pererê, resultado de uma pesquisa com leitores. Segundo Azevedo, Camargos e Saccheta (1997: 74), Lobato colocou anúncios no início e final do exemplar com o saci divulgando produtos como máquinas de escrever, chocolate e cigarros, saída que encontrou para viabilizar a impressão.

nem parecido com uma livraria, perguntando se na cidade havia alguém interessado em ficar com alguns livros em consignação para vender. Segundo Travassos (1943, apud Lobato, 1941: 19), “quase todos os agentes responderam e Lobato inundou o país de livros”.

Lobato é chamado de quixotesco em 1918 ao vender a fazenda e comprar a Revista do

Brasil15. Através de seus métodos de mala direta, aumenta os assinantes imensamente, técnicas

que aperfeiçoa ao formar a empresa Monteiro Lobato & Cia em 192016. Montou uma poderosa

rede de mais de trezentos vendedores e enviava livros aos pequenos jornais do resto do país, obtendo grande exposição. Inovou na diagramação gráfica, compondo exemplares bonitos, coloridos, atraentes, que conseguiram transformar literatura em objeto de desejo e criou um mercado de consumo. Montou um catálogo com nomes novos, Lima Barreto, Oswald de Andrade, Menotti del Pichia, e entra no mercado sempre lucrativo dos livros escolares, publicando o famoso Narizinho arrebitado.

Sua memória afetiva recupera a coleção de Jansen depois que lança Shakespeare e Grimm. Em 1921 aponta a necessidade de uma nova versão do Quixote ao seu amigo e colaborador Rangel, e inclusive evidencia sua práxis tradutória e de adaptação para seu ávido público jovem. O autor desaconselhava fidelidade exagerada ao texto fonte, ressaltando que o texto final deveria primar pela clareza17. Lobato faz referência a uma série de “livros para

crianças” que seriam reescritos sobre as adaptações de Carlos Jansen18, remetendo diretamente

ao título que daria ao seu livro, Dom Quixote das crianças.

15 “Monteiro Lobato será um continuador leal, com fé e entusiasmo, tomando o encargo com a obstinação

quixotesca de prosseguir um ideal, assim como nós outros” (Azevedo, Camargos e Sacchetta, 1997: 120). A

Revista do Brasil também foi uma das primeiras pontes culturais latino-americanas, com “artigos de e sobre escritores argentinos, a maioria ligada ao modernismo hispano-americano, como Manuel Gálvez, Atilio Chiappori, José Ingenieros, o uruguaio Horacio Quiroga e o nicaraguense Rubén Darío” (Ribeiro, 2005).

16 “Nesta primeira quinzena de agosto registrei 150 assinantes novos. Meu processo é obter em cada cidade o

endereço das pessoas que leem, e enviar a cada uma o prospecto da revista, com uma carta direta e mais coisas – iscas. E atiço em cima o agente local” (Lobato, 1964: 179-180).

17 Essa preocupação surgirá em vários documentos. Em uma carta de 1945 ao editor Diaulas Riedel, diz: “A

tradução de fidelidade literal, isto é, de fidelidade à forma literária em que, dentro da sua língua, o autor expressou seu pensamento, trai e mata a obra traduzida. O bom tradutor deve dizer exatamente a mesma coisa que o autor diz, mas dentro da sua língua, dentro da sua forma literária; só assim estará realmente traduzindo o que importa: a ideia, o pensamento do autor. Quem procura traduzir a forma do autor não faz tradução – faz uma horrível coisa chamada transliteração e torna-se inteligível” (Lobato, 1964: 147). Em outra carta diz: “Traduzir não é comer empadinha de camarão. Traduzir é transpor um pensamento expresso na língua do autor por meio dum correlativo expresso na língua do tradutor. E para isso a condição básica é que o tradutor maneje a sua língua com a correção e elegância que a apresentação tipográfica diante do público exige” (Ibid.: 121).

18 “Recebi Tempestade. Vai traduzindo os outros contos shakespireanos [sic], em linguagem bem simples, sempre

na ordem direta e com toda a liberdade. Não te amarres ao original em matéria de forma – só em matéria de fundo. Quanto ao D. Quixote, vou ver se acho a edição do Jansen” (Lobato, 1957: 232, itálicos do autor). Em junho do mesmo ano, continua: “Quem sabe pode e quer você empreitar um serviço de que precisamos? Pretendemos lançar uma série de livros para crianças, como Gulliver, Robinson etc., os clássicos, e vamos nos guiar por umas edições do velho Laemmert, organizadas por Jansen Müller. Quero a mesma coisa, porém com mais leveza e graça de língua. Creio até que se pode reescrever aquilo em língua desliteraturizada – porque a desgraça da maior parte dos livros é sempre o excesso de ‘literatura’. Comecei a fazer isso, mas não tenho tempo; fiquei no primeiro capítulo,

Quatro anos mais tarde, em janeiro de 1925, Lobato continua a insistir com seu amigo sobre a adaptação do Quixote. Ele cita um resumo italiano da obra sem informar autoria, detalhe que poderá talvez ser esclarecido comparando os volumes de sua biblioteca particular e/ou das listas de livros importados com as versões italianas para crianças disponíveis no início do século XX19.

Uma conjunção de fatores, como excesso de investimento em maquinário importado e cortes de dois terços da energia elétrica causada por uma forte seca, aliada à Revolta dos Tenentes de 1924, o obrigam a pedir falência. Seus bens pessoais são leiloados, mas ele consegue manter aquele mais valioso: o estoque de livros e os direitos autorais do volumoso catálogo de títulos. Com esse acervo, funda com Octalles Marcondes a Companhia Editora Nacional, que já começa editando um sucesso de vendas20, Hans Staden (1925), cujo prefácio

já prenuncia, segundo Zorzato (2008: 152-153), a adaptação do mesmo título para literatura infantojuvenil, lançado em 1927, Aventuras de Hans Staden, que é recontado por dona Benta, assim como em seu Quixote.

Lobato é nomeado adido comercial em Nova York, cidade em que vive durante entre maio de 1927 a fevereiro de 1931 com sua mulher e quatro filhos. Durante esses anos se impregna de modernidade, visita fábricas de automóveis, descreve prédios de 110 andares, encanta-se com as novidades culturais, como o cinema falado e a incipiente TV, frequenta teatros e ouve línguas exóticas, como chinês e hebraico (Lobato, 1964:263). Continua escrevendo e adaptando para crianças, mas perde quase todo o seu dinheiro em 1929 com o crash da bolsa.

Ao voltar, divide o tempo entre sua empresa de petróleo e a literatura para crianças. Lobato vendera a empresa ao seu sócio e fiel amigo, Octal lês Marcondes, que mantinha a editora muito bem-sucedida, inclusive com boas vendas ao exterior21.

que te mando como amostra. Quer pegar a empreitada? […] Coisa que se faz ao correr da pena. É só ir eliminando todas as complicações estilísticas do ‘burro’. Se não tens por aí essas edições do Laemmert, mandarei” (Ibid., 1957: 233, itálicos e aspas do autor).

19 “Traduzirás uns três [cantos extraídos das peças de Shakespeare], à escolha, e mos mandarás com o original;

quero aproveitar as gravuras. Estilo água de pote, hein? E ficas com liberdade de melhorar o original onde entenderes. O D. Quixote é para ver se vale a pena traduzir. Aprovado que seja esse resumo italiano, mãos à obra. […] Estou a examinar os contos de Grimm dados pelo Garnier. Pobres crianças brasileiras! Que traduções galegais [sic]! Temos que refazer tudo isso – abrasileirar a linguagem” (Lobato, 1957: 274). Donatella Pini (2005: 45) registra uma adaptação do Quixote de 1913-14 assinada por G. Fanciulli.

20 Em carta a Rangel, Lobato conta que a primeira edição, que havia sido de 8 mil exemplares, se esgotara em um

mês, e pensava já em fazer outra (Lobato, 1957: 287).

21 Em 1934 vangloria-se com Manuel Galvez: “O ano passado editamos 1.300.000 volumes e este ano já chegamos

a 1.000.000 este mês. Sucesso absoluto, com sucursais em todas as capitais brasileiras, em Portugal e colônias. Estamos a vender livros em todos os continentes – na Ásia, em Macau, e na África, em Moçambique e Angola” (Lobato, apud Albieri, 2007: 87).

Lobato preparou a chegada do cavaleiro, mencionando a personagem em outros livros22,

até que finalmente, em 1936, lança o famoso Dom Quixote das crianças.

É claro que, como parte da historiografia, tenta-se entender o porquê dessa data. Em primeiro lugar, há seu desejo expresso em carta de seguir a coleção de Jansen, e ao comparar as duas produções notamos realmente grande coincidência nos títulos, e na ordem: Primeiros contos europeus, a seguir Robinson, Quixote e depois Gulliver23.

Maria Augusta da Costa Vieira (2012) colabora com uma inovadora percepção sobre as circunstâncias nas quais a obra foi adaptada, ao observar que a data de publicação da adaptação do Lobato coincide com o ano do início da Guerra Civil Espanhola. Certos exageros encontrados no texto, como a contínua vitimização do cavaleiro, a exaltação de seus preceitos humanitários, seu heroísmo e abnegação, destacariam a “importância da solidariedade entre os homens das ações desinteressadas, da capacidade de entender as diferenças e da valorização dos grandes princípios como a justiça, a verdade e a fidelidade na organização da vida social e política” (Vieira, 2012: 104)24.

Dom Quixote das crianças é lançado no mesmo ano que seu livro O escândalo do petróleo, que se transforma em um best-seller com três edições no mesmo ano, com 20 mil

exemplares vendidos, e Lobato acaba sendo eleito para a Academia Paulista de Letras. Lobato frustrava-se continuamente com suas novas fixações, ferro e petróleo. Sempre em discussões com o governo Vargas, acabará sendo preso em 1941 após enviar cartas ao ditador e ficará seriamente endividado pelo insucesso da empresa petrolífera. O escritor manterá esse idealismo

22 Dom Quixote é mencionado por Pedrinho em História do mundo para crianças (1933) e História das invenções

(1935). Almeida Prado (2007: 93) discute se foram ações de marketing, ou equívocos, como sustenta Acioli (2004: 185). As personagens do Sítio citam o cavaleiro logo no ano de lançamento, em Memórias de Emília (1936), repetindo a dose na Chave do tamanho (1942) e Doze trabalhos de Hércules (1944), mesmo ano da terceira edição do Quixote, primeira editada pela Brasilense. No livro O picapau amarelo (1939), lançado um ano antes da segunda edição da adaptação cervantina, Dom Quixote visita o sítio e vive novas aventuras, em um caso típico de apropriação. Considerando as ações de marketing de Lobato descritas aqui neste trabalho, seu cuidado com suas criações, e recordando que o autor faz o mesmo com a personagem de Peter Pan, e o menciona em obras anteriores, concorda-se com Almeida Prado que essa antecipação, e aqui acrescentamos também as menções posteriores, fazem parte de um jogo lúdico, mas também de um esperto plano de vendas. Ele tomava cuidado em promover o produto antes e depois do lançamento, mantendo as vendas e as reedições, que eram seus ovos de ouro, como ele mesmo dirá ao final de sua vida.

23A ordem seguida por Lobato para suas adaptações de clássicos da literatura infantojuvenil foi: Fábulas [Esopo,

La Fontaine e outros] (1922), Aventuras de Hans Staden (1927), Peter Pan (1930), Robin Hood (1930), Robinson

Crusoé e Alice no país das maravilhas (1931), Contos de Andersen e Contos de Grimm (1932), Contos de fadas, de Perrault, Kim (1934), Moby Dick (1935), Dom Quixote das crianças (1936), Viagens de Gulliver (1937), O livro da jângal (1941) e por último, Os doze trabalhos de Hércules (1944). Adriana Silene Vieira (2005: 1)

corrobora essa ideia, ao observar que ele inclui o “Barão de Münchhausen, assim como algumas personagens das

Mil e uma noites, como ‘visitantes’ do Sítio de Dona Benta em alguns de seus livros”.

24 Vale recordar igualmente que o escritor mantinha uma profícua correspondência e amizade com vários editores

e tradutores espanhóis, muitos dos quais imigraram para a América nessa época precisamente por medo das represálias franquistas, como por exemplo o republicano Sánchez-Sáez, depois efetivado como professor na FFLCH-USP, como foi visto na Introdução desta tese.

até sua morte: mesmo nos últimos meses de vida, continuava a agitar, panfletar, mimeografando entrevistas suas censuradas pela imprensa (Lobato, 1959: 313 e 319).

Um ano depois, seu Quixote já estava disponível em espanhol para o leitor argentino25.

Em 1945, o livro recebe uma nova tradução, assinada pelo misterioso e desconhecido M. J. de Sousa, com o título El Quijote de los niños, repetindo um título de duas adaptações em espanhol26. Desta vez, o livro estava dentro da coleção de 24 volumes que a Editorial Losada

venderá em toda a América Latina (Cobelo, 2012). Essas são as únicas traduções conhecidas desta obra. Em 1946, dois anos antes de sua morte, Monteiro Lobato cumpre um antigo sonho e passa um ano em Buenos Aires com sua família, participando de diversos eventos promocionais, impulsionando as vendas de seus livros27.

O autor assina um contrato para a publicação de suas obras completas na editora Brasiliense em 1945, empresa que deterá os direitos até este século, e aproveita para fazer uma extensa revisão de sua obra, que, ao ser revitalizada em forma de coleção, assegurou sua perenidade através das contínuas republicações28. Esse acervo hoje é publicado pela editora

Globo, que está relançando toda a obra lobatiana, inclusive ensaios, cartas e livros com temática adulta, oferecendo também versões eletrônicas. Lançam também diversas adaptações em quadrinhos, como fizeram no caso do Dom Quixote das crianças em 200729.

25 Primeiro em forma de folhetim no jornal popular La Prensa, depois pela editora Claridad, com o título Don

Quijote de los niños (1938), traduzido por Benjamín Bertoly de Garay (188?-1943). O conhecido intelectual do

início do século XX teve uma importância fundamental ao estabelecer uma das primeiras pontes culturais entre Argentina e Brasil (Cobelo, 2012).

26 Os livros, muito republicados, são: El Quijote de los niños y para el pueblo (1856), de autoria desconhecida

(“abreviado por un entusiasta de su autor, Miguel de Cervantes Saavedra”), e El Quijote de los niños (1861), de Manuel Galiano. Por essa razão não podemos concordar com Almeida Prado (2007: 39, marcas da autora), que considera o título como uma técnica antropofágica: “Dom Quixote passa a ser das crianças e não mais de Cervantes ou de Lobato. Nem mesmo ‘de la Mancha’, já que vem viver em terras brasileiras, por ocasião da mudança de todas as personagens do mundo da fantasia para o Sítio”.

27 Ele se torna muito popular na Argentina, e até 1963 Losada continuou a editar sua coleção, que hoje voltou a

ser reeditada com financiamento da Embaixada do Brasil, com as mesmas traduções de 1944/1945, mas ilustrações de um artista brasileiro, Paulo Borges. O primeiro volume, Las Travesuras de Naricita (2010), apresenta uma introdução feita pela presidente Cristina Kirchner. La Quinta del Benteveo Amarillo, nome da coleção, foi muito bem promovida e Lobato renasceu nos meios de comunicação; podemos até encontrar blogs com pessoas de toda a América Latina que falam sobre seu trabalho. Ver mais em Cobelo (2012).

28 Em carta a Arthur Coelho, diz: “Consta de 30 volumes com mais de 300 págs. em média, ou um total de 10.000

páginas ao todo. Abrange o que escrevi para adultos e o que fiz para as crianças. Tudo encadernadinho para vender em bloco por mil cruzeiros – como faz o Jackson com o ‘Tesouro da Juventude’ e o mais. Exploração do público; em suma” (1964: 166).

29 No site oficial do autor, sob o selo Globo, encontramos a seguinte informação: “Em 2007, ano em que se

comemorou o 125º aniversário de nascimento de Monteiro Lobato, a Editora Globo trouxe de volta às livrarias a obra do criador do Sítio do Picapau Amarelo. A coleção completa contará com 56 livros. Desses, 31 são dirigidos ao público infantojuvenil e 25 compõem a obra adulta. […] Com base na primeira edição das Obras Completas, organizada e revista pelo próprio Lobato em meados dos anos 1940, seus livros passaram por um cuidadoso processo de atualização e tratamento editorial e gráfico à altura da importância do escritor”. A TV Globo representa a família para o licenciamento de todas as criações infantis, exceto livros, desde 1999. Portal Monteiro Lobato. Disponível em: <http://lobato.globo.com/sitio_direitos. asp>. Acesso em: 2 dez. 2014.

A obra de Lobato foi adaptada várias vezes para o rádio e também para TV, sempre com o título Sítio do Picapau Amarelo. As mais estudadas são as duas feitas pela TV Globo, que, como dito antes, assim como a nova versão animada, foram exportadas para o mercado internacional30. Em resumo, isso significa que a mais famosa versão brasileira do Quixote

rompe fronteiras: linguísticas, culturais, temporais, e de meios de comunicação, e melhor, ainda hoje atinge crianças pelo mundo inteiro, perpetuando a fama cervantina, claro sob a ótica lobatiana, que, como veremos neste mesmo capítulo, influencia várias gerações de adaptadores.

2.4.4 Orígenes Lessa, o escritor publicitário

Vinte e um anos mais novo que Monteiro Lobato, Orígenes Ebenezer Themudo Lessa (1903-1986) nasceu em Lençóis Paulista, um dos seis filhos de Vicente Themudo Lessa, missionário protestante. Morou em São Luís do Maranhão, onde seu pai também era professor de grego, língua em que o menino Lessa escreve sua primeira história aos oito anos31.

Apaixonado por livros, tinha o Quixote como uma de suas leituras preferidas (Guedes, 2007: 2)32.

Seminarista por dois anos, instala-se no Rio de Janeiro e se forma em Educação Física. Sobrevive com aulas particulares de inglês, além de começar a publicar alguns artigos e contos33. Sua vida muda ao se transformar em publicitário, profissão que manterá durante

quarenta anos: depois fazer traduções para uma exportadora de café foi contratado pelo departamento de Propaganda da General Motors, onde permanece até 1931. Durante o período,

30 Tanto a primeira versão (1977-1986) como a segunda (2001-2007) foram transmitidas diariamente. Sabe-se que

o Dom Quixote das crianças foi ao ar em 2002 e em 2005, com novos atores, para celebrar o aniversário da obra. Retransmitida nos canais Viva e Futura, a série é exportada com o título Pirlimpimpim. Atualmente o Sítio se tornou um desenho animado, com abertura musical atualizada pelo próprio Gilberto Gil, e hoje existem cerca de sessenta produtos já licenciados em relação com esta série de animação. Os mesmos personagens animados são apresentados em uma página da web, que contém uma loja virtual, vários jogos e um blog. Sítio do Picapau

Amarelo. Disponível em: http://sitio.globo.com/#downloads. Acesso em: 29 jan. 2014.

31 Lessa conta que acompanhava seu pai pelo país, em suas missões como pastor da Igreja Presbiteriana