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2. PRINCIPAIS ELEMENTOS E ETAPAS DA ANÁLISE DOS ATOS DE

2.4 MARKET SHARE

Antes de se passar à uma análise mais detalhada das normativas que sistematizam a análise dos atos de concentração em âmbito nacional, é importante tratar de outro conceito (e elemento) importantíssimo quando da análise dos atos de concentração horizontais: o Market

Share.

O Market Share, de maneira geral, pode ser entendido como a parcela do mercado sob domínio de determinado agente econômico – ou seja, é o total de consumidores de um produto ou serviço, comercializado por dado agente econômico.

É imperioso ressaltar que o simples fato de uma empresa possuir fatia considerável do mercado, não constitui, ipso facto, exercício do poder de mercado (enquanto abuso do poder econômico, ou abuso de posição dominante) – tal como vedado no nosso ordenamento concorrencial.

Existem uma série de condicionantes, que são levadas em consideração pelo próprio texto legal, para determinar se o exercício do poder de mercado detido pela empresa, é de fato possível.

Nesse desiderato, vale nova menção ao texto legal, que fornece exemplos de algumas das variáveis capazes de influenciar o exercício do poder de mercado, e que são levadas em conta pelo órgão de defesa da concorrência brasileiro, vejamos:

Variáveis que afetam a probabilidade de exercício do poder de mercado. Para determinar se existem condições suficientes para que o poder de mercado seja exercido unilateralmente pela empresa, ou coordenadamente por um grupo de empresas, a SEAE e a SDE procederão à análise de quatro variáveis principais: a) importações; b) entrada; c) efetiva rivalidade; e d)

outros fatores que favorecem a coordenação de decisões.” (CADE, 2001, p.

5)

Vale destacar que sequer do ponto de vista da análise das condutas anticompetitivas, muito menos sob uma ótica mais estruturalista (e analítica dos atos de concentração horizontais), um mercado mais atomizado (fragmentado, com maior número de empresas) significará menor concentração – e consequentemente, menor market share de cada uma das empresas que o compõe – e menores possibilidades de exercício de market power.

Seguindo essa esguelha, o raciocínio trazido por Viscusi (2000, p. 63) é deveras cristalino ao estabelecer que toda a lógica por trás da ideia de “concentração de mercados” está para além do número de firmas existentes em um dado mercado relevante, repousando,

principalmente, em como as vendas encontram-se distribuídas entre as empresas desse mercado relevante.

Um exemplo muito claro de como o número de empresas em um dado mercado relevante pode ser insignificante para fins de se auferir os índices de concentração desse nicho mercadológico é o estudo feito por Viscusi (2010) acerca do mercado de cerveja nos Estados Unidos, tomando como base o período entre os anos de 1947 e 1998.

Tabela 4 - Mercado de Cerveja estadunidense entre os anos de 1947 e 1998

Fonte: VISCUSI, 2010, p. 63.

Apesar da prevalência dos ideais da Escola de Harvard até o início da década de 80 – o que a princípio, nos levaria a incorreta conclusão pela tendência de atomização dos mercados, pelo seu viés estruturalista – o que se percebe é uma forte onda concentracionista no mercado de cervejas americano.

A tabela acima estudada, e as conclusões que dela serão tiradas, podem ser melhor visualizadas através do seguinte gráfico:

Figura 19 - Mercado de Cerveja estadunidense entre os anos de 1947 e 1998. Fonte: VISCUSI, 2010, p. 63.

Percebe-se, portanto, que o número de empresas no mercado de cervejas caiu drasticamente entre os anos de 1947 e 1967, tendo uma pequena diminuição entre 1967 e 1992 (com exceção de 1978), e o surgimento considerável de novas empresas desde então (até 1998).

A tendência, ao analisar o aludido gráfico, portanto, seria concluir o mercado sofreu

intensa concentração entre 1947 e 1967, uma pequena (e quase desconsiderável) concentração

entre 1967 e 1992, tendo esses níveis de concentração caído substancialmente até o ano de 1998.

Contudo, uma análise acurada do mercado, levando em conta a participação das 05 (cinco) maiores firmas, leva a uma conclusão extremamente diversa – e que se coaduna com a afirmação dantes feita, de que o maior ou menor número de empresas em determinado mercado, não significa, igual e respectivamente, maior e menor concorrência –, conforme pode se depreender do gráfico infra colacionado:

Figura 20 - Market Share das cinco maiores empresas no Mercado de Cerveja estadunidense. Fonte: VISCUSI, 2010, p. 65.

A inconsistência das conclusões precipitadas (como as acima feitas) é o que torna o estudo (e correlação) do Market Share, Índices de Concentração e Market Power algo extremamente importante para os organismos de defesa da concorrência.

Conforme pôde se perceber, apesar da onda concentracionista sofrida entre 1947 e 1967, os índices de concentração entre as cinco maiores empresas (market share), aumentaram no importe de 28% (vinte e oito porcento). A contrario sensu, no período compreendido entre 1967 e 1992, onde as ondas de concentração foram mais amenas, o índice de concentração acima mencionado subiu quase 40% (quarenta porcento).

Não obstante a isso, apesar do número de empresas ter triplicado, no mercado estudado, entre 1992 e 1998, o índice de concentração manteve-se o mesmo.

Em assim sendo, resta posto que a análise do market share – e a consequente análise acerca da possibilidade de exercício do market power - prescinde de cuidadoso estudo sobre todo o mercado, não devendo ser levado em conta para tanto, unicamente o número de firmas ali existentes.

Para calcular o market share de determinada firma, existem diversos ferramentas com metodologias distintas, destacando-se entre as mais comumente utilizadas: a) o índice C4; b) o

Herfindahl-Hirschman Index (HHI); e c) o índice Theil (T).

Para fins didáticos e levando o histórico da autoridade antitruste pátria e das principais agências de defesa da concorrência espalhadas pelo mundo, serão trabalhados apenas os dois primeiros índices.

Merger Guidelines (1968), nos Estados Unidos, uma fórmula matemática para determinação

dos índices de concentração de determinado setor da economia/nichos do mercado.

Essa fórmula matemática, denominada de four-firm ratio ou índice C4 leva em

consideração a parcela de mercado (market share) pertencente às quatro maiores firmas de um dado mercado relevante, para determinar se um ato de concentração poderá impactar em elevação desses níveis de concentração.

Nestes termos, quanto mais próximo o índice for de 0 (concorrência perfeita), menos concentrado será o mercado; de igual forma, a medida que o índice se aproxima de 1 (monopólio), evidenciará um mercado mais concentrado. Para efetuar o cálculo do aludido índice, a seguinte fórmula é comumente utilizada:

Figura 21 - Fórmula para Cálculo do Índice C4 Fonte: PINHEIRO; SADDI, 2005.

Trabalhando com o mercado hipotético de computadores, imaginemos o seguinte cenário com base no market share dos agentes mercadológicos: a) Intel 30%; b) Apple 20%; c) HP 10%; d) Dell 10%; e) AMD 5%; f) Lenovo 5%; g) Samsung 5%; h) Sony 5%; i) LG 5%; j) CCE 5%.

De acordo com o índice four-firm ratio, no caso do mercado hipotético de computadores teríamos um Índice C4 de 70 (ou 0,7). Isso porque, conforme já explicado anteriormente, a referida ferramenta só leva em consideração o market share detido pelas quatro maiores firmas de um dado mercado relevante (no caso em questão: Intel, Apple, HP e Dell).

As agências antitruste que utilizam o Índice C4, em regra, estabelecem um patamar objetivo para determinar se um mercado é considerado “concentrado” ou não. Por exemplo, estabelecer que o patamar crítico de concentração (índice C4) é 80%, não permitindo concentrações dos agentes que impliquem alteração (elevação) desse índice.

Até a década de 80, o índice C4 era a única ferramenta matemática utilizada para fins do cômputo dos índices de concentração mercadológica, sendo utilizado em larga escala pelas autoridades antitruste existentes em todo o mundo.

A sua inegável simplicidade e praticidade não impediram, entretanto, que sofresse uma série de críticas teóricas, dentre as quais se pode destacar: a) um mesmo índice C4 pode descrever uma série de mercados com diferentes formatações – por exemplo, um índice C4 de

C₄ = s₁ + s₂ + s₃ + s₄ = ∑⁴ s

i

ⁱ ⁼ ᴵ

70 (como o do exemplo do mercado de computadores), pode tanto fazer referência a um mercado com (i) nove firmas onde uma delas possui 20% de market share e as demais 10%, como pode ilustrar um mercado com (ii) oito firmas onde uma delas possui 65% de market share e as demais 5%; b) o número de firmas (quatro) utilizados para fins de cálculo dos índices de concentração do mercado é arbitrário (AREEDA, HOVENKAMP, SOLOW, 2006, p.157).

Foi justamente dentro desse contexto de críticas ao índice C4 e da “segunda onda do antitruste estadunidense” (FOX, 1983, p. 281) que, a partir da década de 80, as agências antitruste iniciaram a substituição do antigo índice por uma nova ferramenta: o Herfindahl-

Hirschman Index (HHI).

Figura 22 - Fórmula para Cálculo do Herfindahl-Hirschman Index (HHI) Fonte: STIGLER, 1983, p. 33

Conforme pode se depreender da fórmula matemática ilustrada acima, o índice Herfindahl-Hirschman é calculado, basicamente, através da soma do quadrado do market share de todas as firmas de um determinado mercado relevante.

Colocando em termos práticos e fazendo uso do mesmo mercado hipotético de computadores, seria possível obter o HHI através do seguinte cálculo: “HHI = (30)2 + (20)2 + (10)2 + (10)2 + (5)2 + (5)2 + (5)2 + (5)2 + (5)2 + (5)2”, onde teríamos um HHI final de 1650.

A grande vantagem em usar o HHI é justamente evitar os dois problemas (falhas) apontadas em relação ao C4, ou seja, o HHI possibilita que entrem no cômputo dos índices de concentração de mercado o market share de todos os agentes que atuam nesse mercado relevante, independentemente do seu tamanho.

A Horizontal Merger Guidelines de 1992 trazia a seguinte classificação para os resultados encontrados através da aplicação do HHI: a) HHI menor que 1000 pontos após concentração indicava pouca possibilidade de efeitos concorrenciais adversos, o que indica a desnecessidade de prosseguir com a análise; b) HHI entre 1000 e 1800 pontos e a

concentração aumenta o HHI em até 100 pontos, também indicava pouca possibilidade de

existirem efeitos adversos à concorrência, sendo desnecessário prosseguir com a análise; c)

HHI entre 1000 e 1800 pontos e a concentração aumenta o HHI em 100 pontos ou mais, há

significante preocupação com a manutenção dos níveis de concorrência no mercado (indicado

HHI = (s₁ )

2

+ (s₂ )

2

+ (s₃ )

2

... + (s

n

)

12 n

HHI = ∑s

i2 i=1

analisar outros fatores estruturas e não-estruturais); d) HHI maior que 1800 pontos e a

concentração aumenta o HHI em até 50 pontos, significa pouca possibilidade de efeitos

concorrenciais adversos e não é necessário prosseguir com a análise; e) HHI maior que 1800

pontos e a concentração aumenta o HHI entre 50 a 100 pontos, há significante preocupação

com a manutenção dos níveis de concorrência no mercado (indicado analisar outros fatores estruturas e não-estruturais); f) HHI maior que 1800 pontos e a concentração aumenta o HHI

em mais de 100 pontos, presume-se que a concentração cria ou aumenta o poder de mercado

facilitando seu exercício.

Para demonstrar como o HHI pode dar uma melhor dimensão do mercado (em relação ao C4), imaginemos duas formatações distintas de mercado: a) Mercado Hipotético n. 1, onde as quatro maiores firmas possuem, respectivamente 60%, 10%, 10% e 10%; b) Mercado Hipotético n. 2, onde as quatro maiores firmas possuem 22,5% cada uma. Considere, ainda, que em ambos os mercados, as demais firmas possuem parcelas insignificantes do mercado (≤1%).

Figura 23 - Índices de Concentração no Mercado Hipotético n. 1 Fonte: GRIMES; SULLIVAN, 2006, p. 71.

Figura 24 - Índices de Concentração no Mercado Hipotético n. 2 Fonte: GRIMES; SULLIVAN, 2006, p. 71.

É perceptível que dois mercados, com formatações absolutamente distintas, assinalavam um mesmo índice C4 (considerado, para muitas legislações antitrustes, muito acima do patamar crítico de concentração), porquanto, através do cômputo do HHI, é possível

constatar um mercado (número 1) onde há elevado risco de comportamento oligopolista (a maior empresa possui uma parcela de mercado grande o suficiente para pressionar os níveis de preço e produção através das suas próprias estruturas ou influenciando as demais três firmas com parcela considerável de mercado) e um mercado (número 2) onde não há esse risco.

É importante frisar que o HHI não é imune a críticas, como, por exemplo, a dificuldade, em alguns casos concretos (onde o mercado relevante analisado é bastante atomizado), de se determinar o market share de todas as empresas (AREEDA; HOVENKAMP; SOLOW, 2006, p. 158).

Sem embargo das críticas, passados mais de trinta anos desde a sua primeira previsão em uma normativa antitruste (Horizontal Merger Guidelines – 1982), fato é que a utilização do HHI é, ainda hoje, um dos meios mais eficazes de se encontrar os índices de concentração durante a análise de atos de concentração horizontal.

Nesse sentido, dentre as recomendações feitas pela International Competition Network (ICN), resta claro que nenhum método é “matematicamente superior” ao outro, mas, sempre que possível, é interessante (e mais seguro) se optar pelo uso do HHI.

Although it is difficult to generalise as to whether one measure of concentration is superior to another, the HHI arguably provides richer and

less arbitrary information than concentration ratios such as CR3 and CR4 as it provides information relating to the whole of the market rather than some of the firms (usually the largest firms). It takes account of the relative

sizes of the larger firms and avoids arbitrariness. If, for example, CR4 is used then a merger between the fifth and sixth largest firms might show no change in the concentration ratio, whereas a merger between the fourth and tenth largest would. (INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK, 2006, p. 35)

Ademais, importante mencionar, na mesma esteira do que afirma Tirole (1988, p. 223), que os índices de concentração são importantes e devem ser levados em consideração pelas autoridades antitruste. Contudo, tal como já mencionado ao final de cada um dos elementos até agora estudados, é importante frisar que seu estudo apartado não é suficiente para determinar sua relação sistemática com as demais variáveis econômicas (custo, demanda) e políticas.

Desta feita, importante ainda entender como funciona um elemento residual levado em consideração durante a análise dos atos de concentração horizontais, qual seja: a existência de

barreiras à entrada de novos agentes em um determinado mercado relevante.