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1. A DISCIPLINA JURÍDICA DA CONCORRÊNCIA: SURGIMENTO, APLICAÇÃO

1.3. O FIM DA ERA ESTRUTURAL, A ASCENSÃO E O DECLÍNIO DOS

Para dar continuidade à análise dos principais aspectos acerca da evolução da legislação concorrencial – e seus impactos no direito econômico hodierno – é preciso continuar, ainda, um pouco no “passado que explica o presente”, estudando alguns dos aspectos relativos aos diplomas legais antitrustes alemães – e sua relação com as teorias econômicas que inspiraram o Direito Concorrencial na segunda metade do século XX.

Na Alemanha, diferentemente de como ocorreu nos Estados Unidos, o Direito da Concorrência nasce com o fito de tratar das questões relativas a lealdade existente entre os agentes do mercado.

Não havia, ab initio, portanto, qualquer preocupação com os atos de concentração e a formação de monopólios, mas, tão somente, com a cartelização dos principais setores do mercado alemão.

A Gesetz gegem den unlauteren Wettbewerb (UWG), de 07 de Junho de 1909, trazia ainda no seu artigo 1º o fundamento tutelado pela predita lei, qual seja, considerar ilegal todos aqueles atos contrários as boas práticas comerciais (die gegen die guten Sitten vertossen).

Contudo, assim como o Sherman Act, a abstração dos termos utilizados no UWG, causaram diversos problemas de aplicação da legislação nos primeiros anos após a sua promulgação.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, é promulgada então a Constituição Alemã de 1918, sendo esta, o marco de nascimento da chamada República de Weimar, reformulando todo o sistema político e econômico alemão da época.

A aludida cártula magna é até hoje tida por grande parte dos juristas que estudam o direito econômico, como uma das constituições econômicas mais bem elaboradas – e avançadas, considerando o período no qual fora formulada.

Foi na Weimarer Republik que a primeira lei alemã referente aos trusts, a

Kartellverordnung, de 02 de novembro de 1923, fora promulgada. Tal documento, porém,

limitava-se somente a determinar que os acordos de cartéis deveriam ser submetido ao governo, para que o mesmo pudesse analisar se estes eram contrários aos interesses do Estado. (MOTTA, 2004, p. 10)

Nesse desiderato, apesar dos esforços dos juristas e economistas da época, os monopólios e cartéis eram tidos como naturais, decorrentes, se não, da própria filosofia nazista, vigente à época. O resultado lógico da manutenção dessa cultura, aliado a uma política de defesa da concorrência que claramente não combatia os cartéis e monopólios, transformaram o país em um verdadeiro mercado cartelizado. (SALOMÃO FILHO, 2007, p.

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Dentro desse contexto, em meados da década de 30, o economista Walter Eucken, e os juristas Hans Grossmann-Doerth e Franz Böhm, todos professores da Universidade de Freiburg, empreendem esforços na criação de pressupostos teóricos capazes de conferir fundamentação para o combate aos cartéis. Iniciam, portanto, aquilo que mais tarde ficou conhecido como “os primeiros passos da análise econômica do direito”.

A construção doutrinária dos preditos pesquisadores, deu origem aos princípios que até hoje norteiam os trabalhos teóricos da Escola de Freiburg (ou Escola Ordo-Liberal), infelizmente, desconsiderados na época de sua teorização (SALOMÃO FILHO, 2007, p. 25).

Em assim sendo, sem embargo do surgimento da escola retro mencionada, o processo de descartelização na Alemanha, na verdade, só começa a ser sentido com a queda do nazismo e a derrota na Segunda Guerra Mundial – e consequente ocupação pelas nações vitoriosas (MOTTA, 2004, p. 10).

O Acordo de Potsdam de 1945 tentou implantar os processos de cisão compulsória nos maiores monopólios identificados e, aliado a isso, eram também utilizados fundamentos jurídicos das legislações antitrustes dos países ocupantes das porções do território alemão. (NORTH ATLANTIC TREATY ORGANIZATION, 1945, p. 4).

Nesse sentido o item 12 da referida normativa internacional era categórico ao pontuar que a economia alemã deveria passar por um processo de “desconcentração” econômica, através da cisão dos trustes, cartéis e todas outras formas de controle compartilhado de empresas.

Contudo, a inexistência de qualquer legislação própria (ou seja, nacional) sobre o tema, tornava a tentativa de descartelização da economia alemã, algo extremamente pontual. Os maiores avanços, somente foram sentidos com a edição e promulgação a Gesetz gegen

Wettbewerbsbeshkänkungen (GWB), e a promulgação e ratificação do Tratado de Roma, pela

Alemanha.

Cumpre ressaltar que, diferentemente do que se possa pressupor, a GWB fora editada, se não, com base em princípios concorrenciais norte-americanos (ou anglo-saxões), inobservando as diversas construções teóricas ordo-liberais

É importante destacar também que no momento de edição das disposições da GWB e, principalmente do Tratado de Roma, os órgãos comunitários europeus ainda encontravam-se extremamente enfraquecidos, muito em virtude da guerra que assolara toda a Europa há menos de uma década.

é que: (i) toda (ou maior parte) da infraestrutura desses países encontrava-se destruída em virtude da guerra. Incluem-se nesse rol: estradas, saneamento, eletricidade, comunicação, indústrias, dentre outros; (ii) o único país com capacidade produtiva para sanar as necessidades da Europa, além de financiar sua reestruturação, eram os Estados Unidos da América; e (iii) a ajuda norte-americana veio com um preço, não só monetário, já que os países não dispunham de recursos para pagá-lo de imediato, mas sim com enorme influência sobre as políticas internas que deveriam ser adotadas, não só visando que com a reestruturação sua dívida fosse quitada, mas também eliminando qualquer traço e/ou possibilidade de disseminação dos ideais comunistas.

Os Estados Unidos viam no renascimento econômico da Alemanha (e do Japão, no oriente), uma oportunidade de criarem-se barreiras a expansão comunista da URSS. Desta forma, apesar de combater os cartéis – que naquele ponto, eram extremamente ineficientes e que impediam o progresso econômico da Alemanha – as legislações da época (tanto a GWB, como o próprio Tratado de Roma), criadas sob o manto e atentos olhares americanos, pouco, ou quase nada, traziam sobre os processos de integração (atos de concentração), o que permitia a criação e aprimoramento de economias em escala, surgimento de grandes corporações, aliados a um rápido e progressivo crescimento econômico.

Em especial, nesse momento histórico, restou claro para o legislador, que ao mesmo tempo em que grandes estruturas empresariais trazem diversos ganhos – no contexto histórico alemão, especificamente, eram mais do que necessários para reconstrução econômica e estrutural do país – as realidades históricas demonstravam que os mesmos são causadores de diversas distorções no mercado, que causam impactos extremamente negativos sob o bem- estar social (SYLOS-LABINI, 1980. p. 253).

Concomitantemente, nos Estados Unidos, os ideais estruturalistas dantes destacados, paulatinamente iam perdendo força. O início da década de 50 marca o início do declínio da

Era Estrutural, posto que, cada vez mais, eram necessários fundamentos teóricos capazes de

legitimar as políticas e práticas concentracionistas – inclusive aquelas ocorridas na Europa, em especial, na Alemanha.

Assim sendo, gradativamente, o foco (objeto) das legislações concorrenciais deixa de ser os concorrentes e passa a ser a própria concorrência e sua indissociabilidade das noções de eficiência– ou seja, a concorrência enquanto princípio absoluto (fim), e não como instrumento de promoção do social welfare (meio), conforme apontavam julgados estadunidense da segunda metade do século XX (U.S SUPREME COURT, 1962).

na década de 50, na University of Chicago Law School, o professor Aaron Director juntamente com Milton Friedman e Ronald Coase, começam a desenvolver uma série de trabalhos e pesquisas relacionando eficiência ao bem-estar do consumidor.

Nasce, portanto, a chamada Escola de Chicago, apregoando a eficiência enquanto valor absoluto. Nesse sentido, Salomão Filho (2007, p. 23) afirma que para os neoclássicos (aqueles que se perfilhavam aos ideais da Escolha de Chicago) não havia valor mais caro do que a eficiência, a qual se sobrepunha a todo e qualquer outro objetivo por uma simples razão: eficiência é sinônimo de produção com custos menores o que implicaria, necessariamente, em repasse da redução de custos ao consumidor final.

Assim sendo, as políticas concentracionistas ganham o respaldo que tanto buscavam, de tal forma que os próprios processos de integração da economia alemã, possuem agora um forte apelo teórico e legitimador.

Ainda na década de 60 e 70, muitos julgados passam a ser analisados e criticados por novos expoentes da Escola de Chicago, destacando-se, nesse sentido, Robert Bork, e sua obra,

Antitrust Paradox (1993).

Na medida em que os ideais de Chicago vão sendo disseminados, alguns julgados vanguardistas começam a ventilar essa lógica da “concorrência-fim”, como por exemplo, o tão mencionado voto dado pela Suprema Corte estadunidense no caso Brown Shoe Co. vs

United States, ainda em 1962, evento que dá origem ao “crash of merger policy” (BORK,

1993, p. 198) e onde resta decidido e sublinhado que a legislação antitruste americana buscava tutelar (proteger) a concorrência e não os concorrentes (POSNER, 2001, p. 122-124) Conforme nos conta Forgioni (2010, p.162-163), é justamente durante o governo de Ronald Reagan (1981-1989), com a indicação do teórico neoclássico William F. Baxter para a Suprema Corte estadunidense, que a Escola de Chicago encontra seu ápice.

A década de 80 demarca, portanto, a ascensão da Era da Escola de Chicago (BAKER, 2002, p. 65-67), iniciada com os trabalhos de Bork e agora consolidada com a indicação de Baxter para a Suprema Corte.

A Escola de Chicago foi responsável pela criação de uma teoria essencialmente jurídica e econômica, capaz de associar a noção de eficiência ao bem-estar do consumidor. Nesse sentido, ao destacar os principais méritos da Escola de Chicago, Salomão Filho (2007, p. 43), menciona que, sem dúvida, o maior deles, foi justamente harmonizar anseios da política econômica largamente utilizada na época a uma teoria econômica que se encontrava revestida de uma suposta preocupação com a defesa do consumidor (o que tem forte apelo político-ideológico).

Hovenkamp (2002, p. 4) sublinha que os neoclássicos eram movidos por uma crença quase “cega” na capacidade de autogestão do mercado (a qual posteriormente fez com que incorressem em algumas decisões equivocadas) sustentada em dois princípios: (i) os mercados são ambientes extremamente competitivos, capazes de lograr sucesso sem qualquer intervenção governamental; (ii) autoridades do governo e tribunais são péssimos tomadores de decisões.

Conforme aponta Fox (2002, p. 79), em casos como California Dentral Association v.

Federal Trade Commission (1999) e United States v. Microsoft Corp (1998 e 1999), os ideais

neoclássicos foram essenciais para manutenção de níveis ótimos de concorrência – mesmo quando haviam indícios que, talvez, uma intervenção estatal fosse necessária.

Contudo, conforme afirma Baker (2002, p. 68-69), a economia é extremamente dinâmica e, assim como ela, os agentes mercadológicos evoluem e desenvolvem novas práticas com o passar dos anos.

Nesse sentido, muitos players desenvolveram técnicas colusivas ou que envolvem a prática de preços predatórios, antes não existentes e, por alguns instantes, tomadas como “naturais” dentro de uma visão mais neoclássica do direito antitruste.

Era necessário, portanto, que o Direito Concorrencial caminhasse para uma nova era. Ainda não se sabe, bem ao certo, como pode ser denominada essa nova fase do direito antitruste, o que se sabe é que ela é reconhecida como o movimento pós-Chicago.

Figura 4 - Linha do Tempo e as “Eras” do Direito Antitruste. Fonte: Elaboração Própria.

disciplina jurídica da concorrência, não descura da importância dos ganhos de eficiência e da sua possibilidade de compartilhamento com os consumidores – tal como preconizado pela Escola de Chicago. Mas, também, indica uma nova fase, porquanto não mais acredita na capacidade absoluta de autogestão do mercado, reconhecendo que, em determinadas situações, por vezes, é necessário que o Estado se manifeste (através das suas autoridades concorrenciais) obstacularizando determinadas práticas que podem, a longo prazo, trazer efeitos negativos à livre concorrência e a liberdade de iniciativa (HOVENKAMP, 2002, p. 4- 5).

1.4. A SEGUNDA METADE DA HISTÓRIA DO DIREITO CONCORRENCIAL: A