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2. PRINCIPAIS ELEMENTOS E ETAPAS DA ANÁLISE DOS ATOS DE

2.3. MERCADO RELEVANTE: O MERCADO DE PRODUTOS E O MERCADO

Tanto a doutrina internacional, como a nacional, trazem uma série de definições sobre o que seria mercado relevante, sendo interessante, a priori, portanto, trazer algumas das principais construções teóricas sobre o tema.

Paula Forgioni (2010, p. 210) estabelece, prima facie, que se deve entender mercado relevante como uma determinada área onde são estabelecidas relações econômicas entre agentes econômicos, os quais terão seu comportamento analisado – via de regra, pela autoridade antitruste.

Para Massimo Mota (2004, p. 102), definir o que seria um mercado relevante é uma etapa acessória na determinação e mensuração da existência (e exercício) do poder de mercado, o que se coaduna com tudo que fora afirmado no final da seção anterior.

Landes e Posner (1980, p. 962) destacam que identificar o mercado relevante é importante (para determinar quando uma firma tem poder de mercado – e o exerce) unicamente quando não é possível se calcular a elasticidade da demanda no mercado em questão.

definição do mercado é uma etapa, per se, insuficiente para auferir se uma firma possui ou não poder de mercado, mas que, em muitas situações, é necessária por não ser possível determinar o exercício desse poder de mercado por outros métodos.

Whinston (2006, p. 77-81) traz os métodos que são usados pela Federal Trade

Commission (FTC) e pelo Department of Justice (DOJ) para determinação do mercado

relevante, qual seja, o Hypothetical Monopolist Test, com base no small but significant and

non-transitory increase in price test (SSNIP).

Areeda, Hovenkamp e Solow (2006, p. 64) sobrelevam a importância do recorte procedimental necessário a uma boa definição do mercado relevante, qual seja: identificar a dimensão “produtos” e a dimensão “geográfica” do mercado relevante.

Pinheiro e Saddi (2005, p. 362), corroborando com o recorte procedimental sobescrito, pontuam que no curso da delimitação do mercado relevante em relação aos produtos deve-se tentar definir quais são os bens ou serviços que são substitutos próximos do produto comercializado pelas empresas envolvidas, porquanto, na delimitação do mercado relevante

geográfico é importante identificar quem são os concorrentes próximos em tamanho e

condições de produção capazes de coibir o exercício de poder de mercado pela nova empresa. Corroborando com esse pensamento, há ainda, na doutrina concorrencial pátria, um terceiro critério – por vezes, pouco citado – elaborado por Salomão Filho (2007, p. 108), o qual coloca, ao lado do critério geográfico e de produtos, o critério temporal – o qual, em última análise, se aproxima muito da ideia de barreiras à entrada, elemento que será melhor estudado adiante.

No que concerne às legislações antitrustes estrangeiras, destaca-se a diferença entre o modelo europeu e o modelo norte-americano – no que se refere à determinação do mercado relevante. Primeiramente será feita a análise do modelo estadunidense por ser, quase em sua totalidade, muito próximo do modelo adotado atualmente no Brasil.

O modelo norte-americano hoje vigente (Horizontal Merger Guidelines 2010), para estabelecimento do mercado relevante na dimensão produtos, encontra seus pressupostos teóricos no Hypothetical Monopolist Test, tomando como base a premissa do small but

significant and non-transitory increase in price (SSNIP), o qual se reporta como

desenvolvido ainda em meados da década de 50, no Massachusetts Institute of Technology (MIT) pelo economista Morris Aldeman.

O aludido teste foi originariamente positivado quando da edição e publicação da

Horizontal Merger Guidelines ainda em 1992 (revisada em 8 de abril de 1997), conforme

[…] A market is defined as a product or group of products and a geographic area in which it is produced or sold such that a hypothetical profit- maximizing firm, not subject to price regulation, that was the only present and future producer or seller of those products in that area likely would impose at least a "small but significant and nontransitory" increase in price, assuming the terms of sale of all other products are held constant. A relevant market is a group of products and a geographic area that is no bigger than necessary to satisfy this test. The "small but significant and non-transitory" increase in price is employed solely as a methodological tool for the analysis of mergers: it is not a tolerance level for price increases. (FEDERAL TRADE COMMISSION, 1997, p. 4)

A redação atual mantém o Teste do Monopolista Hipotético, trazendo de forma bem mais detalhada como e, principalmente, porque o mesmo deve ser aplicado. Percebe-se, em geral, a preocupação da legislação norte-americana não somente de definir o mercado relevante como forma de evitar eventuais distorções nas relações concorrenciais, mas, em especial, como instrumento para determinar em que submercados relevantes essas distorções ocorrerão com maior intensidade, de forma que possam ser mais eficazmente evitadas ou eliminadas (FEDERAL TRADE COMMISSION, 1997, p. 6-7).

O Teste do Monopolista Hipotético é considerado um método bastante coerente para definição de mercados em relação dimensão produtos, mesmo em situações onde os consumidores são extremamente heterogêneos e a possibilidade de substituição por produtos é difícil de ser identificada com precisão (SHAPIRO, 2010, p. 738).

Mas como funcionaria o Teste do Monopolista Hipotético? No Brasil da década de 90 existiam três grandes firmas que trabalhavam no mercado de doces feitos a base da pasta de cacau: Garoto, Nestlé e Lacta. Para efeitos didáticos, vamos supor que cada uma delas produzia três produtos diferentes: chocolate branco em barra (Opera, Galak e Laka), chocolate aerado em barra (Aero, Suflair e Bubbly) e bombons (Serenata de Amor, Sedução e Sonho de Valsa).

Transportando isso para a realidade estadunidense, para determinar o mercado relevante com base no Hypothetical Monopolist Test, far-se-ia a seguinte pergunta: no caso da concentração se perfectibilizar (entre duas ou todas as três empresas), o monopolista hipotético (que busca maximizar seu lucro) seria capaz de impor um pequeno aumento, mas

significante e não transitório (em regra, algo em torno de 5% – cinco por cento), no mercado

de “doces feitos à base da pasta de cacau (chocolates)” considerando os preços que eram praticados antes da concentração ser consumada?

Se a resposta para a pergunta feita anteriormente for sim, é possível estabelecer como mercado relevante o mercado de doces feitos à base da pasta de cacau (chocolates). Caso a resposta seja não, a tendência é procurar o substituto mais próximo para o produto em questão (WHINSTON, 2006, p. 78) ou trabalhar os submercados (mercado de chocolate branco em barra; mercado de chocolate aerado em barra; mercado de bombons; e assim sucessivamente). The Agencies most often use a SSNIP of five percent of the price paid by

customers for the products or services to which the merging firms contribute

value. However, what constitutes a “small but significant” increase in price, commensurate with a significant loss of competition caused by the merger, depends upon the nature of the industry and the merging firms’ positions in it, and the Agencies may accordingly use a price increase that is larger or smaller than five percent. Where explicit or implicit prices for the firms’ specific contribution to value can be identified with reasonable clarity, the Agencies may base the SSNIP on those prices. (FEDERAL TRADE COMMISSION, 2010, p. 10)

No caso exemplificado acima, o Teste do Monopolista Hipotético seria utilizado para determinar se, caso duas (ou três) dessas empresas decidissem realizar um ato de concentração (horizontal), quais desses mercados devem ser estudados separadamente e quando devem ser estudados como um único mercado (MORESI; SALOP; WOODBURY, 2008, p. 34).

Nem sempre, contudo, é facilmente identificável quais produtos entram ou não no cômputo do mercado relevante para fins da análise de um ato de concentração. Identificar quais são os possíveis substitutos sob uma perspectiva puramente teórica, em situações que envolvem, por exemplo, concentrações de holdings que atuam em diversos nichos mercadológicos, por vezes, dificultam sobremaneira a análise da concentração.

Grimes e Sullivan (2006, p. 65) trazem como ponderação o caso de um produtor de panelas de cobre. Para esse mercado hipotético, é levantada a seguinte questão: o mercado relevante deve ser determinado tomando como base somente o produto “panelas de cobre” ou devem ser considerados como substitutos produtos como panelas de aço, alumínio, ferro ou qualquer outra panela? E se uma firma se especializar em produzir panelas e frigideiras de Teflon? Isso constitui um mercado relevante separado? Ele deve ser analisado?

Com o que fora estudado até esse ponto, é possível que a resposta mais adequada fosse: se houver redirecionamento da demanda dos consumidores para qualquer uma dessas panelas, haverá elasticidade (ou elasticidade cruzada) da demanda, portanto, é possível que o

mercado relevante abarque todas.

Entretanto, questões que envolvem a determinação da dimensão produto de um dado mercado relevante são extremamente complexas, em algumas situações, para serem respondidas com um simples “sim ou não”.

Desta feita, é preciso que se entenda, ainda que superficialmente, a base teórica/matemática/econométrica do Teste do Monopolista Hipotético, para que, só então, possa-se solucionar atos de concentração de elevada complexidade.

Aquino de Souza, Carvalho e Pontual Ribeiro (2010), explicando sob uma perspectiva econômica, indicam que um SSNIP pode ser representado pela expressão Q2(P2 – P1), onde

haverá (em razão do aumento dos preços) um valor adicional por cada unidade vendida, considerando, por outro ponto, que essa elevação de preços também implicará, via de regra, em uma diminuição do número bruto de vendas – representado pela expressão (P1 – c)(Q2 – Q1), onde “(P1 – C)” está ilustrando a diferença entre preços e custos iniciais.

Figura 17 - “Critical Loss” oriundo de um pequeno aumento, significante e não transitório. Fonte: AQUINO DE SOUZA; CARVALHO; PONTUAL RIBEIRO, 2010, p. 9.

Desta feita, o Critical Loss (menor perda nas quantidades vendidas que deixa o aumento não lucrativo para o monopolista hipotético) é calculado através da equação ilustrada na “Figura 13”, onde o mark-up (m) = (P1 – c)/P1 e SSNIP = (P2 – P1)/P1 (FARREL;

SHAPIRO, 2008, p. 15).

Para efeitos da análise matemática feita pelas agências antitruste, sempre que o

Critical Loss for superior ao Actual Loss (perda efetiva de vendas em razão de um aumento

pequeno, significativo em não transitório), o SSNIP é lucrativo nesse dado mercado, que passará a ser considerado, portanto, um mercado relevante – e digno de uma análise pormenorizada.

Tornando a explicação mais didática, é possível transportar as expressões matemáticas estudadas até aqui para um gráfico, o qual poderia ser representado da seguinte forma:

Figura 18 - Mudança de Lucros frente a um Aumento de Preços.

Fonte: AQUINO DE SOUZA; CARVALHO; PONTUAL RIBEIRO, 2010, p. 10.

A questão, portanto, é determinar com base nos aumentos pequenos, significativos e não transitórios, quando a Área Total de A (ATA), será superior a Área Total de B (ATB).

Desta feita, sempre que AL < CL (ou ATA > ATB) ter-se-á que o mercado relevante pode ser

determinado com base no monopolista hipotético.

Em caso contrário, estar-se-á diante de uma situação onde, em razão da existência de substitutos próximos (e aqui é possível de falar tanto em produtos, como em outras empresas), a pressão por eles exercida são fatores de desincentivo para uma elevação pequena, significativa e não transitória dos preços.

Nesse segundo caso, via de regra, as agências antitruste, conforme mencionado alhures, continuam expandindo o mercado relevante (ou buscando submercados), para identificar toda e qualquer possibilidade de abuso de poder de mercado através de um SSNIP.

O Teste do Monopolista Hipotético é extremamente complexo e geralmente utilizado, em termos da análise de atos de concentração horizontais, apenas naqueles casos onde há indícios que o ato de concentração sob análise possa trazer impactos negativos a concorrência. Sua realização, em regra, fica ao encargo dos departamentos responsáveis pela elaboração modelos econométricos.

menos complexo. Isso porque, definindo-se o mercado relevante na dimensão produto, o próximo passo a ser tomado será determinar se esse produto deve ser estudado geograficamente em âmbito (i) local, (ii) regional, (iii) nacional ou (iv) internacional.

É dizer: no caso do Teste do Monopolista Hipotético aplicado ao mercado de doces feitos a base da pasta de cacau, um SSNIP de 5 a 10% é rentável ao monopolista considerando todo o mercado de chocolate brasileiro?

Caso a resposta seja positiva, o mercado relevante geográfico estaria determinado (mercado nacional de doces feitos à base de pasta de cacau). Caso a resposta seja negativa, uma vez que, por exemplo, é possível a entrada da The Hershey’s Chocolate Company através de importações diretamente dos Estados Unidos e isso torna o aumento desse preço não rentável, então o teste deve ser refeito considerando o mercado brasileiro e estadunidense de doces feitos à base de pasta de cacau (MOTTA, 2004, p. 113-114).

O modelo europeu, por sua vez, desde a sua origem, tem como objetivo precípuo promover a integração do mercado comum (ou seja, da comunidade europeia). Desta forma, a preocupação maior da legislação concorrencial comunitária foi com o fortalecimento das relações concorrenciais, deixando em segundo plano a existência (ou não) do poder de mercado dos agentes econômicos.

O primeiro diploma legal ao tratar da definição do mercado relevante na Europa foi a

Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (97/C 372/03), de 09 de dezembro de 1997, que definia sua

importância assim afirmando:

O objectivo de definir um mercado tanto em função do seu produto como em função de sua dimensão geográfica é o de identificar os concorrentes efectivos das empresas em causa susceptíveis de restringir o seu comportamento e impedi-las de actuar independentemente de uma pressão concorrencial efectiva. (UNIÃO EUROPEIA, 1997, p. 1)

Percebe-se, portanto, o caráter instrumental da definição do mercado relevante dada pelo legislador na Europa, ou seja, diferentemente do modelo norte-americano, que se preocupa excessivamente com as estruturas mercadológicas e o próprio poder de mercado, na Europa o objetivo maior é a integração do mercado da Comunidade Europeia.

Tomando como base todos os ensinamentos supra mencionados, as construções normativas concorrenciais pátrias optaram, conforme mencionado no início dessa seção, pela utilização do “modelo” norte-americano de definição do mercado relevante.

estudada adiante), traz expressamente que o órgão concorrencial pátrio utilizará do Teste do Monopolista Hipotético, assim definindo-o:

[...] O mercado relevante se determinará em termos dos produtos e/ou

serviços (de agora em diante simplesmente produtos) que o compõem

(dimensão do produto) e da área geográfica para qual a venda destes produtos é economicamente viável (dimensão geográfica). Segundo o teste

do “monopolista hipotético”, o mercado relevante é definido como o menor

grupo de produtos e a menor área geográfica necessários para que um suposto monopolista esteja em condições de impor um “pequeno porém

significativo e não transitório” aumento de preços.” (CADE, 2001, p. 9)

Após a reformulação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência ainda não foi publicado nenhum novo “Guia de Analise dos Atos de Concentração”, contudo, há Resolução Normativa que disciplina a notificação dos atos de concentração, estabelecendo a necessidade dos interessados em fornecerem o máximo possível de informações necessárias para construção e aplicação do Teste do Monopolista Hipotético.

A Resolução Normativa nº. 02, de 29 de Maio de 2012 (atualizada pela Resolução nº 9, de 01 de Outubro de 2014) possui, no “Formulário de Notificação de Atos de Concentração” (tanto para aqueles que se enquadram no procedimento sumário, como aqueles do procedimento ordinário), toda uma seção destinada exclusivamente para fornecimento de informações que auxiliarão na construção dos modelos econométricos que determinarão os mercados relevantes envolvidos.

Nesse desiderato, a “Etapa V” do referido formulário de notificação, dentre outras coisas, requer que seja informado: i) todas linhas de produtos comercializados e/ou serviços prestados no Brasil pelas partes envolvidas ou pelas demais empresas que fazem parte dos grupos econômicos envolvidos na operação; ii) as áreas geográficas que são atendidas pelas interessadas; iii) considerando especialmente os itens “i” e “ii”, que seja informado o mercado

relevante sob as dimensões produto e geográfica. (CADE, 2012, p. 9).

Por fim, convém ressaltar, que além das dimensões mencionadas (geográfica e de produtos), é comum que os órgãos concorrenciais (e o próprio CADE segue essa linha de raciocínio), quando do estudo acerca do mercado relevante de determinado produto, levem em consideração também os chamados submercados (BRASIL, 2004) relevantes e os produtores potenciais de curto prazo – agente econômicos denominados por alguns autores como aqueles

in the wings (FORGIONI, 2010, p. 291), ou seja, que estão aptos a alçar vôo (ingressar no