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2. PRINCIPAIS ELEMENTOS E ETAPAS DA ANÁLISE DOS ATOS DE

2.2. PODER DE MERCADO: O QUE É E QUAL A SUA IMPORTÂNCIA NA

O primeiro elemento dentre os diversos aspectos que são levados em consideração quando da análise de atos de concentração que será estudado na presente pesquisa é o poder (econômico) de mercado.

Frise-se: dentro da atual sistemática antitruste pátria o poder de mercado não é o primeiro elemento observado quando dá análise dos atos de concentração, entretanto, é, sem dúvida, um dos principais elementos que serve como fiel da balança no momento de fixação da aprovação (ou não) do ato de concentração que se encontra sob análise (SALOMÃO FILHO, 2007, p. 91).

Poder de Mercado (ou Market Power) recebe diversas significações, a depender do referencial teórico que é tomado como base.

Sem embargo da possibilidade de múltiplas conceituações, é necessário, antes de mais nada, diferenciar o poder de mercado do poder político, ou seja, o poder de mercado, tal como será utilizado para fins desta pesquisa, refere-se, única e exclusivamente, a capacidade de um agente mercadológico de elevar os seus preços acima dos preços que seriam praticados em um cenário de efetiva concorrência (MOTTA, 2004, p. 40).

Em determinadas situações, o excesso de poder de mercado concentrado na mão de um único (ou de alguns) player pode implicar na possibilidade de exercício de poder político (ingerência das firmas em decisões do Estado), mas isso não é objeto da presente pesquisa (GRIMES, SULLIVAN, 2006, p. 25).

Neste pórtico, também é necessário ressaltar que o market power pode ser estudado tanto pela perspectiva do comprador (no caso de monopsônios, por exemplo), como pelo ponto de vista do vendedor (no caso de monopólios, oligopólios ou outras situações onde haja, por exemplo, elevados índices de concentração em um determinado mercado).

Para efeitos didáticos da presente explicação, utilizaremos o segundo ponto de vista, ou seja, estudaremos o poder de mercado e suas implicações na análise dos atos de concentração, sob a perspectiva da possibilidade de aquisição e exercício do poder de mercado pelo vendedor.

O Poder de Mercado está diretamente relacionado com aquilo que a teoria econômica denomina de “elasticidade da demanda”. Em outras palavras, quando se afirma que market power significa faculdade de praticar preços acima dos níveis do que seriam considerados preços competitivos (LANDES; POSNER, 1980, p. 939), está se estabelecendo, por via de consequência, a seguinte premissa econômica: poder de mercado é mais suscetível de acontecer em mercados onde haja inelasticidade da demanda.

Figura 10 - “Curva da Demanda” (reta) em um mercado de concorrência perfeita Fonte: GRIMES, SULLIVAN, 2006, p. 27.

O primeiro gráfico representa um mercado onde há aquilo que os economistas chamam de “concorrência perfeita”, ou seja, um mercado (relevante) onde há uma grande quantidade de firmas, as quais não possuem grandes fatias desse mercado (elevado market

share), onde existem poucas barreiras à entrada, muitos possíveis agentes in the wings,

produzindo produtos que são fungíveis (AREEDA, HOVENKAMP, SOLOW, 2006, p. 501). Nesse primeiro tipo de mercado, um aumento de preço, por exemplo, ainda que não substancial, por parte de um único produtor, fará com que a demanda (consumidores) busquem aquele produtor que está vendendo esse produto a um custo mais baixo (lembre-se: os produtos são fungíveis e não há qualquer tipo de diferenciação, assim, o principal elemento norteador de escolha do comprador será o preço).

Nos mercados onde há concorrência perfeita, pode-se afirmar, portanto, que inexiste qualquer poder de mercado, se partimos dos pressupostos assinalados nos parágrafos anteriores (ora, não há como praticar, per se, preços supra competitivos, quando houver possibilidade de desvio da demanda para outros produtores de iguais produtos).

Contudo, é importante frisar que raros são os mercados que se aproximam da concorrência perfeita, podendo-se falar na sua possibilidade de incidência apenas em mercados de produtos agrícolas (commodities) que não sofreram qualquer tipo de diferenciação, como a soja, o milho, trigo, etc.

Figura 11 - Mercado Hipotético com Demanda Elástica Fonte: GRIMES; SULLIVAN, 2006, p. 27.

O segundo gráfico dessa seção demonstra um mercado hipotético onda há elasticidade da demanda. Ao se observar a curva da demanda em relação aos eixos “produção” (output) e “preço” (price) é possível concluir que há a possibilidade limitada de exercício de poder de mercado, na medida em que, reduzindo sua produção a firma pode cobrar preços mais caros (supra competitivos).

Isso não significa, necessariamente, que nesses mercados onde há elasticidade da demanda, obrigatoriamente, haverá poder de mercado. Muito pelo contrário. Para que se possa determinar a existência (ou não) do poder de mercado, é necessário que essa curva de demanda seja muito mais aguda.

É dizer: para que haja substancial poder de mercado é necessário que a possibilidade de desvio da demanda seja tão pequeno que, ainda que um aumento significativo (e não transitório) implique na perda de alguns consumidores, os ganhos oriundos do aumento de preço superem toda e qualquer perda em termos de demanda (número de consumidores) – é necessário, portanto, que haja inelasticidade da demanda.

Figura 12 - Mercado Hipotético com Demanda Inelástica Fonte: GRIMES; SULLIVAN, 2006, p. 27

No exemplo hipotético dado pela “Figura 12” há precisamente o que fora descrito no parágrafo imediatamente anterior: um mercado fictício onde a curva da demanda é extremamente aguda (ângulo inferior a 45º) – e onde a demanda é, dessa forma, inelástica.

Figura 13 - Interação entre Preço (P), Quantidade Produzida (Q) e Demanda (D) Fonte: AREEDA; HOVENKAMP; SOLOW, 2006, p. 116.

Tomando como base o gráfico ilustrado acima (mercado em que há elasticidade da demanda), onde P0 é o preço cobrado quando são vendidos Q0 produtos; e P1 é o preço

cobrado quando são vendidos Q1 produtos, imaginemos o seguinte exemplo: uma determinada

empresa fabrica violões ao custo marginal de R$80,00 (oitenta reais), cobrando o P1 (preço de

de 100 (cem) violões.

Nesse caso hipotético, a empresa fatura R$20,00 (vinte) reais por cada violão vendido, totalizando um lucro total de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Ainda nesse mesmo exemplo, imaginemos agora que a empresa resolveu aumentar o preço cobrado por cada violão para o P0 de R$110,00 (cento e dez reais). De acordo com o

comportamento da curva da demanda apresentada, haverá, portanto, uma redução no número de pretensos compradores (menos pessoas estão dispostas a pagar R$110,00 por um violão do que aquelas que o comprariam por R$100,00; ou essas pessoas poderiam comprar violões parecidos, de outras empresas, pelo preço de R$100,00). Supondo, hipoteticamente, que o número de pretensos compradores fosse agora de aproximadamente 65 (sessenta e cinco), teríamos a empresa produzindo agora a quantidade Q0 de 65 (sessenta e cinco) violões.

Considerando que não houve alteração no custo marginal de produção, teríamos lucro de R$30,00 (trinta) reais por violão e um faturamento total de R$ 1.950,00 (mil novencentos e cinquenta reais).

Quando há elasticidade da demanda suficiente para que aumentos significativos e não transitórios nos preços impliquem em um desvio desta para outras firmas, pode-se dizer que a possibilidade de exercício de poder de mercado é limitada.

Contudo, se no exemplo anterior, o aumento do preço, mesmo com a retração da demanda e da quantidade de produtos vendidos, implicasse, ainda assim, em um maior faturamento, a empresa poderia praticar um preço supra competitivo ainda que isso implicasse na perda de parcela de seus consumidores.

É importante mencionar que todos os modelos de comportamento de demanda em mercados apresentados até o presente momento são puramente hipotéticos, servindo como uma base teórica para entender como se correlacionam preços, produção e demanda.

Figura 14 - Curva de Demanda em Mercado “Real” Fonte: GRIMES; SULLIVAN, 2006, p. 27

Em mercados não hipotéticos é provável que a curva de demanda se comporte de maneira menos linear. Contudo, é importante fazer uso desses modelos hipotéticos desenvolvidos por economistas, uma vez que são um excelente ponto de partida para se definir, rigorosamente (e matematicamente), como funcionam mercados competitivos e não competitivos – bem como, possíveis máculas a concorrência que podem ser ocasionados pelo exercício indevido do poder de mercado.

Prosseguindo, é importante frisar que o poder de mercado pode se manifestar de diferentes formas (ou através de distintas roupagens). O poder de mercado pode, por exemplo, ser fruto de um monopólio, de um oligopólio, de práticas colusivas (ou cartéis), dentre outros. Também é possível que se determine o poder de mercado com base, por exemplo, na localização do agente (estudo do mercado relevante geográfico – assunto que será abordado adiante), no controle de determinadas patentes, dentre outros.

A depender da legislação antitruste que esteja sendo trabalhada, existe a possibilidade de uma maior tolerância (ou não) com o exercício desse poder de mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, utilizando como recorte metodológico os julgados das últimas décadas da Suprema Corte, percebe-se uma enorme diferenciação do nível de tolerância com o exercício do poder de mercado a depender da importância da indústria (ou mercado) que esteja sendo analisado e, também, do abuso desse poder de mercado (por exemplo: Olympia

Equip Leasing Co. v. Western Union Tel.[1986] e United States v. Grinnell Corp. [1966]).

No Brasil, a legislação é extremamente translúcida sobre a tutela do poder de mercado, estabelecendo, logo do art. 1º do diploma responsável pelo estabelecimento das principais diretrizes do direito concorrencial pátrio, a repressão ao abuso do poder econômico.

Em outras palavras, a mera conquista de poder de mercado por parte de um agente mercadológico, em razão da adoção de práticas eficientes e do regular exercício da sua atividade econômica não pode ser sancionada. Nenhum player deve ser penalizado por ser única e exclusivamente eficiente.

Nesse sentido o §1º do art. 36 é deveras translúcido ao fixar a premissa de que a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito.

Finda toda essa explanação conceitual acerca dos elementos que circundam o poder de mercado, ainda há uma dúvida não respondida: como determinar (ou identificar) a existência de poder de mercado e quais são os limites para a intervenção do Estado caso seja constatado a existência do mesmo?

Conforme mencionado alhures, existem diversas formas de manifestação do poder de mercado e, com isso, existem igualmente muitas formas de determinação da existência e exercício (abuso) desse poder de mercado, a depender de cada um dos casos concretos.

Entretanto, conforme preceituam AREEDA, HOVENKAMP & SOLOW (2006, p. 62), existem algumas formas de se mensurar o poder de mercado sob uma perspectiva mais “universal” – desconsiderando as especificidades que possam existir em cada um dos mercados.

Entre os principais métodos que existem para identificação da existência de poder de mercado há o Lerner Index (LI) que utiliza, basicamente, o custo marginal de produção dos produtos e os preços pelos quais são efetivamente vendidos.

Figura 15 - Fórmula utilizada para calcular Lerner Index Fonte: ELZINGA; MILLS, 2011, p. 7.

Através da aplicação da fórmula ilustrada acima, onde “L” é o número referência do índice, “P” é o preço de venda do produto e “MC” é o custo marginal, ter-se-á que, quanto mais próximo de 0 (zero), mais próximo se estará da concorrência perfeita, porquanto, quanto mais próximo de 1 (um), mais possivelmente estar-se-á diante de um mercado monopolizado. Aplicando a fórmula em estudo em um gráfico que ilustra a curva da demanda e o comportamento dos preços e custos em uma situação de concorrência e em uma situação de

monopólio, teríamos a seguinte situação:

Figura 16 - Monopólio vs. Concorrência e o comportamento da curva de demanda. Fonte: LANDES; POSNER, 1980, p. 940.

Fazendo o transporte da fórmula ilustrada na “Figura 15” para o gráfico da “Figura 16” teríamos que Li = (Pi – C’)/Pi, onde Li é o Lerner Index da firma hipotética “i”, Pi é o

preço (pelo qual o produto é comercializado) e Ci o custo marginal (considerando a produção

que maximiza o lucro da firma).

Se nessa situação hipotética restasse determinado que o Lerner Index da firma “i” é, por exemplo, 0,5, isso significaria que o preço cobrado pela firma “i” é o dobro do seu custo marginal.

A grande vantagem do método supra grafado reside na desnecessidade de se determinar o market share de cada um dos players que podem ser afetados (direta ou indiretemente) por uma concentração, por exemplo.

Matematicamente, o Lerner Index é, sem sombra de dúvidas, um dos métodos mais eficientes para identificação e determinação da possibilidade de exercício de poder de mercado uma vez que, se já restou estabelecido que poder de mercado significa prática de preços supra competitivos, não há melhor maneira de determinar se os preços são (ou não) supra competitivos do que estabelecendo uma relação entre o custo marginal do produto e o seu preço de venda.

O grande problema de utilização do Lerner Index é sintetizado por SALOMÃO FILHO (2007, p. 101-102) e AREEDA, HOVENKAMP & SOLOW (2006, p. 63): a) saber qual o preço é praticado por uma determinada empresa (o preço é um fator extremamente variável em muitos mercados); e b) determinar o custo marginal (que prescinde de uma análise muito profunda de toda a estrutura de custos da empresa).

Isso posto, dentro da sistemática mais moderna de análises estruturais, especialmente no que pertine a análise de atos de concentração, adota-se a tendência de se mensurar o poder de mercado com base em outros elementos estruturais, como: a) definição do mercado relevante; b) identificação do market share; e c) estudo das barreiras à entrada de novos

players.

Essa é a sistemática adotada não somente pelos Estados Unidos (Horizontal Merger

Guidelines – 2010) e União Europeia (Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas – 2004), como também no Brasil (Resolução CADE nº 02 – 2012).

Desta feita, passar-se-á, em ordem, a análise desses elementos usualmente investigados no curso da análise dos atos de concentração horizontais.

2.3. MERCADO RELEVANTE: O MERCADO DE PRODUTOS E O MERCADO