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SÍNTESE DO CAPÍTULO

2) Etapa do Grupo focal

3.1 MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO E PESQUISA QUALITATIVA

Procuramos entender o trabalho infantil considerando-o como um fenômeno social, concreto, determinado pelas condições materiais nas quais se realiza na vida das crianças e dos adolescentes da classe trabalhadora.

A pesquisa com base no materialismo histórico dialético permite que se investiguem as contradições existentes na sociedade de classes em suas múltiplas relações, especificamente de como o fenômeno do trabalho infantil se desenvolve. Importa para a nossa pesquisa investigar o trabalho infanti l manifestado no discurso de crianças e de adolescentes que na sociedade capitalista se amplia e toma forma de trabalho explorado, de negação do desenvolvimento da autonomia e do desenvolvimento das capacidades humanas.

O materialismo histórico dialético analisa a “matéria, em seus pormenores” (MARX, 2010a, p. 28), observando como o discurso se desenvolve em diferentes enunciações, neste trabalho, como é manifestado no discurso das crianças e dos adolescentes o trabalho infantil. Nele, buscamos analisar em que medida esse trabalho se aproxima da reprodução do capital ou de sua negação como elemento fundamental do processo de conhecimento.

Nesse sentido, supre a necessidade de se compreender o movimento histórico que está relacionado ao contexto social dos participantes da pesquisa. Necessidade esta de se investigar o trabalho infantil como objeto materializado no discurso das crianças e dos adolescentes, que permita compreender historicamente o seu movimento, a sua manifestação como função econômica. Além disso, compreender também à relação existente na sociedade capitalista como marca de servidão, não “de trabalho socialmente necessário” (MARX, 2010a), da relação do trabalho manual e trabalho intelectual.

Historicamente, o trabalho infantil se manifesta como trabalho penoso e como solução da pobreza e aparece no interdiscurso da sociedade capitalista para justificar o trabalho como livramento da pobreza. A exploração de força infantil é assumida ideologicamente pelo capital, pela necessidade da família promover o seu sustento devido à ausência do Estado em ofertar mais emprego e renda para os adultos.

Depreende-se do materialismo histórico dialético que o trabalho infantil tem relação com o contexto social das crianças e dos adolescentes pertencentes a uma determinada classe social, que, por necessidade de sobrevivência, têm a obrigação de trabalhar para ajudar no sustento da casa.

Dialeticamente, nos interessa analisar a concretização do discurso a partir da representação do sujeito que fala no processo de “interação das pessoas por meio do texto e do contexto social” (BAKHTIN, 2003), já que, no dizer de Bakhtin (2003, p. 261) “todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem”.

A metodologia de pesquisa na vertente qualitativa de base no materialismo histórico dialético se estabelece pela linguagem, como a consciência, a necessidade de intercâmbio com o outro, uma perspectiva “dialógica e dialética” (BAKHTIN, 2003, p. 267). A pesquisa prioriza a investigação com pessoas na sua totalidade social, na cultura geral, no “materialismo histórico das Ciências Humanas” (FREITAS, 2003).

Ou seja, a pesquisa qualitativa assume uma investigação que aproxima os pesquisadores do seu objeto de estudo, e promove, portanto, nesta Tese, o conhecimento do trabalho infantil e o modo mais apropriado para se pesquisar uma dada realidade social. Permite também que o pesquisador explique a relação entre o trabalho como exploração e o trabalho como formação humana das crianças e dos adolescentes em condição de trabalho.

A pesquisa qualitativa pode ser compreendida como:

O adjetivo qualitativo sob duas perspectivas, primeiro por valorizar a ação do sujeito pesquisador no processo de análise e interpretação dos dados coletados; segundo como um tipo de pesquisa que, utilizando procedimentos próprios (entrevistas, observações, estudo de caso etc.) (ARAUJO, 2010, 18-19).

Reiteramos Araujo (2010) e acrescentamos que a pesquisa de abordagem qualitativa não se resume a procedimentos prontos, mas na diversificação, como explica Thiollent (1987, p. 22): “nas ciências sociais, a discussão metodológica é muito diversificada”, portanto aceita que o pesquisador crie algo novo, que o pesquisador invente metodologias favoráveis e formas de interação entre pesquisadores e pesquisados, conforme o seu objeto de estudo.

Na fase de obtenção de dados, numa pesquisa sociológica, tudo é social: o objeto investigado, as pessoas concretas implicados nele, o grupo de pesquisadores e seu sistema de representação teórico-ideológico próprio e, por fim, as técnicas de pesquisa ligadas ao sistema de representação e que envolvem relacionamentos interpessoais e comunicação de símbolos (THIOLLENT, 1987, p. 22).

Thiollent (1987) afirma que “as técnicas de pesquisa não deveriam ser ensinadas como receitas ou instrumentos neutros e intertrocáveis, mas sim como dispositivos de obtenção de informações cujas qualidades, limitações e distorções devem ser metodologicamente controladas”.

A pesquisa qualitativa permite “extrair desse convívio os significados visíveis e latentes sobre o trabalho infantil, que somente são perceptíveis a

uma atenção visível” (CHIZZOTTI, 2010, p. 27) dos pesquisadores. “O pesquisador pressupõe que o mundo deriva da compreensão das pessoas no contato com a realidade nas diferentes interações humanas e sociais” (CHIZZOTTI, 2010, p. 27-28).

A pesquisa qualitativa aceita que os pesquisadores extraiam da fala dos pesquisados o sentido atribuído ao fenômeno social, para depois submetê-los a uma análise de interpretação, que é diferente [...] “da pesquisa experimental que segue um padrão uniforme e determinado” [...]. Isso quer dizer que, “as pesquisas qualitativas, por outro lado, não têm um padrão único porque admitem que a realidade é fluente e contraditória e os processos de investigação dependem do pesquisador ─ sua concepção, seus valores, seus objetivos” (CHIZZOTTI, 2010, p. 26).

A pesquisa qualitativa indica a “existência de um movimento de análise, da afirmação do elemento humano no processo de produção do conhecimento” (ARAUJO, 2010, p. 20), porque valoriza a ação dos pesquisadores ao descrever a realidade concreta por ele interpretada. Bakhtin (2003) explica que o sentido da interação dialógica entre os sujeitos é o ponto fundamental da pesquisa, que o critério que se busca em uma pesquisa qualitativa não é a precisão do conhecimento, mas sim a profundidade do sentido e da participação ativa do pesquisador na análise e interpretação dos dados.

É importante dizer que a pesquisa qualitativa se caracteriza pelos estudos socioculturais, propõe o estudo dos acontecimentos humanos e sociais, busca a interpretação detalhada dos significados, das particularidades situacionais do fenômeno que se manifesta no encontro entre teoria e prática; portanto, como prática social trabalha com a natureza do sentido, sejam eles motivos, anseios, crenças, valores e costumes, satisfazendo um espaço aberto de interação dialógica entre pesquisadores e pesquisados.

Trata-se de ser uma “técnica de relacionamento ou de comunicação entre o polo investigador e o polo investigado, ambos socialmente

determinados” (THIOLLENT, 1987, p. 23), que possibilita também a compreensão do lugar dessa interação social, o ambiente da palavra e o contexto histórico dessa relação humana.

A pesquisa qualitativa considera as informações trazidas pelos pesquisadores tanto do texto como do contexto social, do espaço que o fato se manifesta e se desenvolve. Por isso, a pesquisa indica que se considere o sentido do fenômeno e o significado da palavra. Nesta pesquisa, o sentido do trabalho infantil e o significado manifestado do discurso das crianças e dos adolescentes em condição de ocupadas para explicar as características do objeto de pesquisa.

Trata-se de dizer que a pesquisa qualitativa possibilita compreender o lugar dessa interação social, o ambiente da palavra, o contexto histórico das crianças e dos adolescentes sobre a sua condição de trabalho infantil.

Pesquisar a realidade social das crianças e dos adolescentes na relação entre trabalho infantil e formação humana implica compreender o trabalho e a sua dupla dimensão (criação da vida humana e dimensão histórica). Enquanto criação da vida humana está ligada à produção do conhecimento, como dimensão histórica do trabalho na sociedade capitalista assume dialeticamente outras formas: contradição, trabalho abstrato, trabalho assalariado, trabalho penoso etc.

Na pesquisa do tipo qualitativa, a metodologia não apenas permite que se apresente o discurso das crianças e dos adolescentes sobre o trabalho infantil, mas possibilita também a interpretação do sentido, do significado manifestado e desenvolvido no contexto social da sociedade capitalista. Ao mesmo tempo, a pesquisa também permite “aportes teóricos metodológicos sobre a significação, na pesquisa, do sujeito nas suas interações com os outros e com a sociedade” (CHIZZOTTI, 2010, p. 53).

A pesquisa qualitativa possibilita aos pesquisadores a criação de metodologias favoráveis à análise das vozes de crianças e de adolescentes sobre o trabalho infantil, ou seja, reconhece a investigação por meio da linguagem. Portanto, como uma técnica de base sócio histórica, é

comprometida em encontrar o sentido das mudanças sociais na vida humana. Assim, procura “tanto encontrar o sentido desse fenômeno quanto interpretar os significados que as pessoas dão a eles" (CHIZZOTTI, 2010).

Isso quer dizer que a pesquisa qualitativa, por sua vez, aceita epistemologicamente o uso da técnica da Análise do Discurso, baseada no materialismo histórico dialético e nos pressupostos teóricos de Bakhtin (2003), como caminho metodológico para analisar o discurso das crianças e dos adolescentes em condição de trabalho sob o abrigo qualitativo. Advoga, assim, os mais variados métodos de pesquisa, “como a entrevista [...], e a análise do discurso” (CHIZZOTTI, 2010) como teoria fundamentada no dialogismo.

3.2 ANÁLISE DO DISCURSO COM BASE EM UM DIÁLOGO TEÓRICO