• Nenhum resultado encontrado

QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSSIBILIDADE DA DIALÉTICA DE O TRABALHO INFANTIL E O TRABALHO NO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA

1. TRABALHO NA SUA DUPLA DIMENSÃO

1.3 QUESTIONAMENTOS SOBRE A POSSIBILIDADE DA DIALÉTICA DE O TRABALHO INFANTIL E O TRABALHO NO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA

PERSPECTIVA GRAMSCIANA

Para Frigotto (2008) como princípio educativo, o trabalho é, ao mesmo tempo, um dever e um direito. Dever por ser justo que todos colaborem na produção dos bens materiais, culturais e simbólicos, fundamentais à produção da vida humana. Um direito humano por ser o homem um ser da natureza que necessita estabelecer, por sua ação consciente, um metabolismo com o meio natural transformando em bens para sua produção e reprodução.

Frigotto (2008, p. 409) explica que “as condições de existência do trabalho humano devem ter o princípio do trabalho, como produção de todas

as dimensões da vida humana; biológica, intelectual, cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva”.

Também Ciavatta (2008) afirma que é, portanto, pela relação trabalho e educação que “se afirma o caráter formativo do trabalho e da educação como ação humanizadora por meio do desenvolvimento de todas as potencialidades do ser humano”.

Na perspectiva marxiana, as categorias trabalho e educação se constituem como condição principal de atividade humana. A educação tem sua origem no trabalho, uma vez que o homem no laboro precisou aprender a manusear a natureza, a transformá-la para a sua subsistência; também, teve necessidade de ensinar o outro para produzir bem útil para a sua existência. “Trabalho e educação são atividades especificamente humanas. Isso significa que, rigorosamente falando, apenas o ser humano trabalha e educa” (SAVIANI, 2007, p. 152).

A gênese histórica da educação está diretamente relacionada à história do homem. O homem constrói o seu conhecimento ao se relacionar com o outro interagindo no trabalho e na educação. Essa prática social, produzida no trabalho forma outros sujeitos, assim como forma a si mesmo. É nessa trama dialógica que a prática educativa do trabalho produz o conhecimento entre as pessoas; no trabalho ensinavam, trabalhando ensinavam as pessoas da família. “Eles aprendiam a trabalhar trabalhando. Lidando com a natureza, relacionando-se uns com os outros, os homens educavam-se e educavam as novas gerações” (SAVIANI, 2007, p.154).

O trabalho na sociedade primitiva não só criou o homem como o educou a construir os modos de cultivar a terra coletivamente, uma vez que “prevalecia, aí, o modo de produção comunal, também chamado de comunismo primitivo” (SAVIANI 2007, p. 155). Isso significa dizer que não existiu na sociedade primitiva a divisão social de classes. O trabalho era realizado coletivamente, como socializador do trabalho e da educação na vida social, um “processo histórico ontológico” (SAVIANI, 2007).

O trabalho, portanto, revelou o seu caráter educativo, como atividade de auto-organização e de humanização, que, no sentido de Gramsci, (2011) como atividade que promove a compreensão crítica da relação teoria e prática. Por isso a importância da luta por uma escola que promova uma educação ampla, que forme para a vida e para o mundo do trabalho. Este pensador defende uma escola organizada com método e conteúdo definido para desenvolver uma consciência social e política, principalmente para a classe trabalhadora.

O conhecimento, para Gramsci (2011), é indissociável do trabalho, uma vez que este é elemento constitutivo do saber que se insere no ensino por meio dos conteúdos (as ciências) e dos métodos (que articulam teoria e prática), tendo em vistas a formação dos sujeitos de direito e de deveres. Portanto, o trabalho como princípio educativo „é um princípio ético-político, o trabalho‟, como “[...], ao mesmo tempo, um dever e um direito” (FRIGOTTO, 2008).

O trabalho como princípio educativo, constitui-se como uma atividade teórico/prática do conhecimento que desenvolve a autonomia das crianças e dos adolescentes. Nesta perspectiva a educação deve estar vinculada a um projeto político social que permita educar e formar as pessoas para atuarem na vida, na sociedade e no trabalho, de forma crítica.

Sob esta compreensão, trabalho e educação constituem-se como atividades que devam garantir a existência e a autonomia do ser humano na direção da emancipação social.

O trabalho, como prática manual e como ciência, deve possibilitar às crianças e aos adolescentes a construção de conhecimentos articulados às práticas sociais, não como momentos separados, desconectados da vida social, mas como trabalho concreto e dimensão da construção histórica da vida em sociedade. E assim, como atividade de formação humana, capaz de estimular o conhecimento necessário ao desenvolvimento pleno das dimensões intelectuais, sociais e culturais das crianças e dos adolescentes.

No discurso das crianças e dos adolescentes em condições de trabalho infantil, verificou-se o contrário, percebeu-se a voz da alienação, do sofrimento, da negação de vida imposta pelo trabalho infantil. O trabalho obrigatório tomou o lugar das brincadeiras e do trabalho livre de crianças e adolescentes realizado em casa. O capital se apropria do trabalho infantil para expandir-se e para aumentar a sua mais valia, o seu valor por meio da exploração e reprodução da força infantil.

Para Marx (2010a, p. 321), o trabalho é “necessidade essencial de vida social”, por isso ele defendeu os direitos de crianças e adolescentes de frequentarem a escola; de tal modo, que a sociedade não permita que pais e patrões empreguem crianças e adolescentes, sem combinar o trabalho produtivo com o trabalho intelectual.

A educação como práxis – que pressupõe a relação teoria e prática cujos princípios se fundamentam na relação trabalho e educação como dimensão da formação humanizadora - deve assumir o princípio da autonomia como estratégia de enfrentamento à contradição entre homem e sociedade. Da mesma forma que a escola deve articular a “prática com o conhecimento teórico, inserindo-o no trabalho concreto realizado no processo produtivo” (SAVIANI, 2008, p. 235).

O trabalho produtivo, útil e necessário deve ser integrado na escola, em período adequado, enquanto elemento da educação social, ponto sobre o qual assim explica Saviani:

Terminada a formação comum propiciada pela Educação Básica, os jovens têm diante de si dois caminhos: a vinculação permanente ao processo produtivo por meio da ocupação profissional ou a especialização universitária (SAVIANI, 2008, p. 237).

Nessa perspectiva, Mészáros explica que:

A concepção de educação socialista não deve ser como um período estritamente limitado da vida dos indivíduos, mas como o desenvolvimento contínuo da consciência socialista na sociedade como um todo – assinala um afastamento

radical das práticas educacionais dominantes sob o capitalismo avançado (MÉSZÁROS, 2008, p. 79).

A educação, defendida por Mészáros (2008), deve valorizar a coletividade, o desenvolvimento contínuo da consciência do ser humano, pois de tudo carece ser modificada socialmente na sociedade capitalista. Precisa, portanto, “da reciprocidade mutuamente benéfica entre os indivíduos particulares e sua sociedade” (MÉSZÁROS, 2008, p. 97).

O caráter útil da educação na formação plena humana das pessoas deve também ser ensinado na escola. Isso, não sob a lógica do capital, mas sob a perspectiva da sociedade, ou seja, a educação deve ser útil à sociedade, promovendo o conhecimento sobre o trabalho inserido no ensino, por meio da cultura e da ciência, como método ativo p ara vida e para a emancipação social.

Historicamente a escola tem reproduzido uma formação sob e para os interesses do capital, uma vez que não articula o trabalho com a educação, reforça o trabalho alienante enquanto uma atividade que limita crianças e adolescentes de progredirem no seu desenvolvimento e na escolarização.

As relações sociais capitalistas, que produz a divisão social, provoca também a marginalização desses sujeitos sociais – crianças e adolescentes, filhos e filhas da classe trabalhadora, e tem permitido a inserção precoce no mercado de trabalho e a baixa escolarização na formação de jovens trabalhadores/as.

Nos processos educativos sob a sociabilidade capitalista revelam -se a dupla dimensão do trabalho aparecendo, ao mesmo tempo, como atividade principal de humanização e como trabalho alienante. No dizer de Marx, a positividade do trabalho enquanto criação e reprodução da vida humana, e negatividade enquanto trabalho alienado sob o capitalismo. Nesse sentido, o trabalho infantil enquanto exploração, em vez de ser uma atividade de construção humana para as crianças e os adolescentes, uma

mediação ontológica, fundamental, de humanização, manifesta -se como um trabalho alienante que se torna uma forma de exploração da vida.

Cabe ao Estado assumir a oferta de educação pública de qualidade, ainda que, para Mészáros (2008) não tem condições de existência na sociedade capitalista. Entretanto, os autores marxistas, Mészáros (2008), Saviani (2008), Frigotto (2003) nos ensinaram que devemos maximizar o que de melhor tem a educação e minimizar o que de pior tem, mas é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente” (MÉSZÁROS, 2008, p. 27).

É preciso romper com lógica desse modelo educacional dualista, uma vez que a educação não está a serviço do trabalhador, mas sim como reguladora de suas ações e tem objetivo de produzir mão de obra barata, apenas com a qualificação necessária para continuar sendo produtiva.

É por isso que, apenas dentro da perspectiva de ir além do capital, o desafio de universalizar o trabalho e a educação, em sua indissolubilidade, surgirá apenas quando se mudar a lógica socioeconômica da educação que priorize “uma ordem social qualitativamente diferente” (MÉSZÁROS, 2008).