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Maupertuis e o Princípio da Menor Acção ou um novo princípio metafísico

O Princípio da Menor Acção: uma resenha histórica

4. Maupertuis e o Princípio da Menor Acção ou um novo princípio metafísico

Em 1744, Pierre-Louis Moreau de Maupertuis apresentou na Academia Francesa uma comunicação intitulada «L’accord de différentes lois de la nature qui avaient jusqu’ici paru incompatibles», onde retomava a polémica entre Fermat e Descartes, ou os cartesianos, e,

sobre o mesmo tema, relembrava as posição de Leibniz. Historiando o problema, escrevia: «Ce fait posé, que la lumière se meut le plus vite dans les milieux les plus denses, tout l'édifice que Fermat et Leibniz avaient bâti est détruit: la lumière, lorsqu'elle traverse différents milieux, ne va ni par le chemin le plus court, ni par celui du temps le plus prompt; le rayon qui passe de l'air dans l'eau, faisant la plus grande partie de sa route dans l'air, arrive plus tard que s'il n'y faisait que la moindre. On peut voir dans la mémoire que M. Mayran a donné sur la réflexion et la réfraction, l’histoire de la dispute entre Fermat et Descartes, et l’embarras et l’impuissance où l’on a été jusqu’ici pour accorder la loi de la réfraction avec le principe métaphysique» (MAUPERTUIS, 1744 : 419-20)

É claro que Maupertuis recusa a hipótese de Fermat ― a luz move-se mais lentamente nos meios mais densos ― adoptando em todo o seu raciocínio a hipótese contrária, defendida por Descartes, Newton e Leibniz. É importante sublinhar que, fazendo fé em Mairan, Maupertuis coloca Fermat e Leibniz no mesmo saco, o que como já se viu não é verdade12.

Na última frase da transcrição levanta, ao de leve, o véu sobre os objectivos do seu trabalho: eliminar as possíveis contradições entre o enunciado de todas as leis da natureza e um princípio metafísico geral. Expondo as suas reflexões, propunha que uma determinada grandeza física assumisse, nos processos em estudo (reflexão e refracção), o valor de mínimo:

«Mais ce fonds, cette quantité d'action que la nature épargne dans le mouvement de la lumière à travers différents milieux, le ménage-t-elle également lorsqu'elle est réfléchie par des corps opaques, et dans sa simple propagation? Oui, cette quantité est toujours la plus

petite qu'il est possible.

Dans les deux cas de la réflexion et de la propagation, la vitesse de la lumière demeurant la même, la plus petite quantité d'action donne en même temps le chemin le plus court et le temps le plus prompt. Mais ce chemin le plus court et le plus tôt parcouru n'est qu'une suite de la plus petite quantité d'action; et c'est cette suite que Fermat avait prise pour le principe.» (MAUPERTUIS, 1744 : 425)

12 O próprio Maupertuis, mais tarde, reconhecerá a confusão :«Lorsque nous lûmes le mémoire précèdent

dans l'Académie Royale des Sciences de Paris, nous ne connaissions ce que Leibniz avait fait sur cette matière que par ce qu'en a dit M. de Mairan dans son mémoire sur la réflexion des corps, Mémoires de l'Académie de Paris, 1723. Nous avions confondu comme lui ce sentiment de Leibniz avec celui de Fermat» (MAUPERTUIS, 1756, IV : 23).

Avançava assim com o enunciado de um outro princípio, um princípio de mínimo, a que estaria sujeita a grandeza física que ele designa por acção; é aqui que

aparece pela primeira vez o conhecido Princípio da Menor Acção e uma ideia base é

estabelecida: pelo facto da quantidade de acção ser mínima a natureza «poupa» (épargne), o que corresponde à defesa de um princípio de economia de meios. Finaliza a sua comunicação com as reflexões seguintes:

«Je connais, y est-il dit, la répugnance que plusieurs mathématiciens ont pour les causes finales appliquées à la physique, et l'approuve même jusqu'à un certain point; j'avoue que ce n'est pas sans péril qu'on les introduit: l'erreur où sont tombés des hommes tels que Fermat et Leibniz en les suivant ne prouve que trop combien leur usage est dangereux. On peut cependant dire que ce n'est pas le principe qui les a trompés, c'est la précipitation avec laquelle ils ont pris pour le principe ce qui n'était que des conséquences.

On ne peut pas douter que toutes choses ne soient réglées par un Être suprême, qui, pendant qu'il a imprimé à la matière des forces qui dénotent sa puissance, l'a destinée à exécuter des effets qui marquent sa sagesse; et l'harmonie de ces deux attributs est si parfaite que sans doute tous les effets de la nature se pourraient déduire de chacun pris séparément. Une mécanique aveugle et nécessaire suit les desseins de l'Intelligence la plus éclairée et la plus libre; et, si notre esprit était assez vaste, il verrait également les causes des effets physiques, soit en calculant les propriétés des corps, soit en recherchant ce qu'il y avait de plus convenable à leur faire exécuter. » (MAUPERTUIS, 1744 : 425)

O Princípio da Menor Acção tem um alcance muito maior do que o de uma

simples lei natural, ele constitui o princípio pelo qual age essa «Inteligência» superior responsável por toda e qualquer acção natural e fá-lo sempre com o propósito de «poupar» ou «economizar os seus meios». Ele é, segundo o seu autor, o grande princípio metafísico donde se pode extrair a Lei de Snell e outras leis naturais. Note-se que, embora os cálculos matemáticos correspondam a uma repetição do que fizera Fermat, agora aplicando a noção de diferencial, eles não estão correctos.

Maupertuis era uma personagem influente e respeitada no meio académico. É o próprio D’Alembert que, no «Discours préliminaire de l’Encyclopedie», o define da seguinte

forma:

«Maupertuis fut le premier qui ait osé parmi nous se déclarer ouvertement newtonien. Il a cru qu’on pouvait être bon citoyen sans adopter aveuglément la physique de son pays, et pour attaquer cette physique il a eu besoin d’un courage dont on doit lui savoir gré».

O seu contacto com a teoria de Newton deveria ter acontecido quando estivera em Londres em 1728 e será o seu arauto no continente ao publicar o «Discours sur les différentes figures des astres», um discurso ousado para ser pronunciado no meio da cidadela

cartesiana que era a Academia de Paris. Voltaire, que, quando do seu exílio inglês, talvez se tivesse cruzado com ele, pediu-lhe, a propósito das suas «Lettres philosophiques» que ele fizesse a sua revisão. E perante o seu êxito na expedição à Lapónia13, Voltaire louvou-o em

verso,

«Le Globe mal connu qu’il a su mesurer, Devient un monument ou sa gloire se fonde; Son sort est de fixer la figure du Monde, De lui plaire, et de l’éclairer».

não se coibindo, em Junho de 1738, de aconselhar Frederico II da Prússia a tomá-lo como Presidente da futura Academia Real de Ciências e Letras de Berlim.

Perante isto, pergunta-se: como conciliar o ponto de vista de um newtoniano (o que seria suposto Maupertuis ser), negando qualquer princípio teleológico e de conservação, com o de apóstolo da existência de um princípio metafísico de carácter finalista, matematicamente contido numa expressão de extremo, que regulasse todos os princípios naturais? Procurem-se outras influências…

Se em 1728, quando da sua estada em Londres, Maupertuis absorvera a influência Newtoniana e tornara-se um dos seus primeiros defensores, no ano seguinte deslocou-se a Basileia onde assistiu a aulas de Jacob Bernoulli que, muito provavelmente, lhe passou a influência do cálculo Leibniziano (GRAVE, 1998a: 470), os segredos do trabalho com problemas de máximo a mínimo e talvez ainda a ideia de conservação, neste caso a conservação da vis viva.

Antes da comunicação de 1744, Maupertuis já tinha publicado, em 1726, um trabalho «Sur une question de maximis et minimis», e, em 1740, uma outra comunicação sobre

«Loi du repos des corps». Nesta última expôs, logo a abrir o texto, algumas reflexões gerais

sobre os fundamentos da ciência:

«Si les sciences sont fondées sur certains principes simples et clairs dés le premier aspect, d’où dépendent toutes les vérités qui en sont l’objet, elles ont encore d’autres principes, moins simples á la vérité, et souvent difficiles à découvrir, mais qui étant une fois découverts, sont d’une très grande utilité. » (MAUPERTUIS, 1740 : 170).

Deste seu texto pode perceber-se que as ciências (a Mecânica) fundam-se nas três leis de Newton que acompanhadas por considerações de ordem geométrica conduzem à

13 Se para os newtonianos a forma da terra era achatado nos pólos, para os seus adversários filosóficos,

que eram os cartesianos, ela, contrariamente, seria achatada no plano equatorial. A Academia francesa propôs uma missão ao Peru, onde se deslocaram, em 1735, Bouguer, La Condamine e Godin, para determinar as dimensões do arco de meridiano terrestre, e Maupertuis propôs uma outra missão à Lapónia, onde participaram, além dele, Clairaut e Celsius; da confrontação das medidas feitas pelos dois grupos, concluiu-se pelo achatamento nos pólos, tal como Newton previra.

resolução dos problemas, contudo, existem outros princípios, menos acessíveis e difíceis de descobrir que são de uma grande utilidade. Aos primeiros chama-lhes Princípios do 1º tipo e aos nomeados em último lugar, Princípios do 2º tipo, como é o caso da descida máxima do centro de gravidade, da conservação das forças vivas e daquele outro que se propõe agora acrescentar ― a sua lei do repouso. Em certas ocasiões, ou perante certos problemas, são estes Princípios de 2º tipo, enquanto leis da natureza, que vão ser utilizados. Os primeiros princípios (1ºtipo) são de natureza contingente, não necessitam de demonstração (vislumbra-se aqui a querela importante entre a natureza contingente e necessária dos princípios da mecânica de que D’Alembert será um dos principais arautos14) enquanto que

os segundos, não podendo também ser alvo de demonstração rigorosa, eles, como escreve Maupertuis, parágrafos adiante,

«semblent appartenir à quelque science superieur» (MAUPERTUIS, 1740 : 170) O seu Princípio da Menor Acção enunciado em 1744 enquadra-se perfeitamente neste

princípio do segundo tipo, espécie de princípio geral enformador do comportamento global da natureza. Nesta memória de 1740, Maupertuis, ignorando o que Varignon (1654- 1722)15 já tinha feito, enuncia a lei:

«pour que le système soit en équilibre, il faut que le centre de gravité de tous les corps qui le composent soit le plus bas ou le plus haut qu'il soit possible, ou le plus près ou le plus loin du centre de force. Et ce principe fondamental de la statique ordinaire n'est qu'une suite

et un cas particulier du nôtre» (MAUPERTUIS, 1740: 173).

Aos olhos de Maupertuis, esse princípio fundamental da estática (a posição do centro de gravidade) deverá obedecer ao seu princípio de máximo ou mínimo que é mais geral. Percebe-se assim que a procura de um princípio geral, caracterizado anteriormente, enformador do comportamento da natureza era uma preocupação fundamental das reflexões de Maupertuis.

Desde 1740 que, de uma forma insistente, Frederico II procurou envolver Maupertuis no seu esforço para relançar a Academia de Berlim. Para além do seu prestígio,

14 Nos princípios da mecânica (axiomas), fazia-se a distinção entre os princípios de natureza necessária

(de natureza estritamente matemática) e os de natureza contingente ou fundamentados unicamente na experiência. No caso da Segunda lei de Newton pertencer ao segundo grupo, o edifício da mecânica era de natureza contingente, embora, esta contingência não se estendesse a toda a mecânica, pois uma parte dela decorria da dedução de princípios de natureza necessária. Um dos programas no século XVIII, consistia em alargar o mais possível o campo da natureza necessária sem entrar em contradição com a contingência, em geral, da Natureza no que dizia respeito à liberdade de acção do Criador, na medida em que só podia escolher uma possibilidade entre várias.

15 Um princípio apresentado na sua Nouvelle Mécanique (obra póstuma publicada em 1725), na sequência

foi talvez a figura de Voltaire e a sua influência no monarca prussiano, a par da admiração incondicional que este dedicava à cultura francesa, que mais contribuiram para que Maupertuis fosse convidado para estar à frente da Academia. Em 1746 Maupertuis é nomeado por Frederico II presidente da Academia de Berlim. É Maupertuis que redige o regulamento da Academia que o imperador anota pelo seu próprio punho, notas que Maupertuis transcreve, onde Frederico II se refere ao presidente por si nomeado:

«aura la présidence indépendamment des rangs sur tous les Académiciens (…) rien ne se fera que par lui, ainsi qu’un Géneral gentilhomme commande des Ducs et des princes dans une armée sans que personne ne s’en offense (…) aura l’autorité de dispenser les pensions… selon qu’il jugera convenable, il présidera dessus les Curateurs dans les affaires économiques…, les élections, les séances, les prix, les découvertes…» (MAUPERTUIS, 1756, III: 307 ).

Ao nível da Academia berlinense, Maupertuis é o imperador, tudo depende da sua vontade. Frederico II estava empenhado numa Academia com prestígio e, mesmo antes de chamar Maupertuis, já chamara alguns importantes talentos matemáticos como era o caso de Leonardo Euler. Euler estava em Berlim desde meados de 1741, era o director da classe de matemáticas da Academia, actuava também com presidente interino, mais tarde será Presidente substituto, mas nunca será chamado a Presidente efectivo.

Voltando ao tema do Princípio da Menor Acção, Maupertuis escreverá, em

1746, «Les lois du mouvement et du repos déduites d’un principe métaphysique» que será publicado

nas Memórias da Academia das Ciências de Berlim em 1748. Aqui vai estender o seu princípio, para lá da aplicação que já fizera à Óptica, ao estudo de problemas de movimento, o choque entre corpos, e de estática, equilíbrio entre corpos. Concluindo :

«dans le choc des corps, le mouvement se distribue de manière que la quantité d'action, que suppose le changement arrivé, est la plus petite qu'il soit possible. Dans le repos, les corps qui se tiennent en équilibre doivent être tellement situés que, s'il leur arrivait quelque petit mouvement, la quantité d'action serait la moindre» (BRUNET, 1938: 7).

Dos casos tratados nos artigos nos anos de 1740, 1744 e neste, sem qualquer cuidado matemático, mas eivado de uma profunda crença de que tinha encontrado o grande princípio, expõe as suas preocupações teleológicas fundamentais:

«Quelle satisfaction, pour l'esprit humain, en contemplant ces lois, qui sont le principe du mouvement et du repos de tous les corps de l'univers, d'y trouver la preuve de l'existence de Celui qui le gouverne» (in BRUNET, 1938: 7)

Parecia ser este o desiderato a alcançar uma lei geral de comportamento da natureza que evidenciasse à saciedade a «preuve de l'existence de Celui qui le gouverne». Para

Maupertuis, a conservação de Descartes e Leibniz era, no fim das contas, subtrair a Natureza à acção de Deus, pois se, perante qualquer mudança, tudo se resolvia com a conservação, não haveria lugar para a intervenção ajustada da divindade. E no «Essai de Cosmologie», publicado em 1750, espécie de súmula do seu pensamento, uma obra

completamente despojada de qualquer tratamento matemático, Maupertuis, criticando Descartes e os cartesianos, Newton e os newtonianos, Leibniz e os Leibnizianos, escreve

«Jusqu’ici la Mathématique n’a guère eu pour but que des besoins grossiers du corps, ou des speculations inutiles de l’esprit : on n’a guère pensé à en faire usage pour démontrer ou découvrir d’autres vérités que celles qui regardent l’étendue& les nombres (…) Voyons si nous pourrons faire un usage plus heureux de cette science. Les preuves de l’existence de Dieu qu’elle fournira auront sur toutes les autres l’avantage de l’évidence, qui caractérise les vérités mathématiques, ceux qui n’ont pas assez de confiance dans les raisonnements métaphysiques, trouveront plus de sûreté dans ce genre de preuves (…)»(MAUPERTUIS, 1756, I: 22-23) .

Os pressupostos metafísicos de Maupertuis que enformam todo o seu pensamento são claros e contra eles levantar-se-á uma forte reacção do mundo científico de então. Mas, em alternativa, oferece a evidência de uma verdade matemática que é o seu

Princípio da Menor Acção, é a tentativa de provar a existência de Deus através de um

princípio matemático que revelasse a forma superior de inteligentemente governar a natureza. Aquilo que Voltaire acusará mais tarde Maupertuis de

«dans une brochure intitulée Essai de Cosmologie, prétendit que la seule preuve de l'existence de Dieu est AR + nRB, qui doit être un minimum»16.

Maupertuis, embora defendendo um princípio teleológico, unificador do conhecimento, afasta-se da concepção conservacionista defendida por Descartes e Leibniz, pois concebeu o seu Princípio da Menor Acção com a «marca newtoniana», isto é, uma

natureza que ao agir apelasse permanentemente à intervenção desse «Ser» e que, tal como dissera Newton, se comportasse como um relógio que tem necessidade da intervenção do relojoeiro: uma natureza que em cada passo sabe agir dentro da estratégia de «poupar». É nesta justificação que Maupertuis recebe a influência metafísica de Leibniz para o seu princípio e, embora a natureza deste princípio tenha o vírus newtoniano, outras influências se fazem sentir, como, por exemplo, a ausência completa, mesmo implícita, a qualquer referência ao conceito de força ― o que revela um denominador comum aos geómetras «continentais», como é o caso de d’Alembert. Talvez por esta via se compreendam os motivos pelos quais Maupertuis nunca alinhará no campo dos leibnizianos. O Princípio da

Menor Acção saído dos trabalhos de Maupertuis é essencialmente um enunciado de

generalização metafísica, matematicamente muito pouco, ou quase nada, trabalhado, mas obedecendo aquela ideia, muito cara, ao período iluminista de uma suposta harmonia entre a «razão» e a «natureza» — uma grande confiança nos fundamentos da estrutura intelectual do mundo.

Em Berlim estava Euler e Euler vai ter um papel importantíssimo na afirmação do

Princípio da Menor Acção.

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