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A partir da década de setenta…

Kuhn, com a criação do conceito de paradigma, abriu uma caixa de Pandora e dela saíram ideias que preconizavam que, por exemplo, o avanço da ciência dependeria mais das instituições e comunidades científicas do que das teorias científicas propriamente ditas. O compromisso com o «paradigma» não é feito de acordo com regras explícitas, é feito «em função das necessidades pragmáticas dos cientistas». Por isso uma das

66 Um dos primeiros animadores do manifesto do Círculo de Viena, por razões políticas emigra em 1936 para

os EUA, passando então a ser professor na Universidade de Chicago

67 (NICKLES, 2003: 10).

68 (LAKATOS & MUSGRAVE, 1970). 69 (LAKATOS, 1970).

características mais salientes das tendências da história das ciências pós-Kuhn é o seu interesse, por exemplo, pela actividade dos grupos informais de cientistas, práticas internas dos laboratórios, hierarquia inerente aos grupos de investigação e, em geral, pelas relações entre o espaço científico e a sociedade. Dá-se uma particular atenção às relações não só entre a ciência e qualquer forma de poder, bem como entre o pensamento científico e todas as formas de cultura que lhe são contemporâneas. Não admira, portanto, que os investigadores tenham percebido que era altura de procurar, nos baús abandonados dos sótãos esquecidos da história, os casos (muito deles foram revisitados) onde a validade das teorias científicas não fosse apenas determinadas por critérios estrictamente científicos (experiências cruciais e universalmente reprodutíveis), mas onde interviessem juízos de outra natureza como, por exemplo, a simplicidade, a utilidade, ou até de índole político- ideológica. Esta orientação vai ser consagrada no XVII Congresso Internacional de História das Ciências que se realizou-se no Verão de 1985 em Berkeley, nos EUA, onde o próprio Kuhn intervem como convidado. E tudo isto coloca novos, e mais complexos, problemas à história e à filosofia da Ciência70.

Pode afirmar-se que trabalho de Kuhn trouxe para o primeiro plano da análise do desenvolvimento científico três ideias centrais: primeira, o conceito de revolução científica ou o aprofundamento da perspectiva descontinuista na compreensão da construção histórica da ciência, uma ruptura associada à mudança de paradigma que, segunda ideia, abriu os factores de decisão científica à influência de contexto «não científico» (social, cultural, ideológico…), reforçando um olhar «externalista» em toda a história da ciência, permitindo deste modo, terceira ideia, uma forte interpenetração entre os domínios histórico e filosófico da ciência. Três ideias que vieram para ficar, suscitaram e suscitam muita discussão, mas a que nem todos os historiadores da ciência aderiram, propondo novos olhares sobre a história do conhecimento científico.

Assim, e contrastando com o panorama exposto, destacam-se as ideias defendidas, a título de exemplo, por dois autores: Steven Shapin (1943- ) e Gerald Holton (1922- ).

O primeiro, Steve Shapin, é um historiador da ciência cuja trajectória partiu da filosofia para a sociologia do conhecimento científico, afastando-se da posição radical de que este conhecimento provém de uma construção social, admite que a natureza e os fenómenos naturais existem (são independentes das estruturas sociais), mas os factos

gerados em seu redor são ou tornam-se credíveis devido a um conjunto complexo de factores sociais71. Shapin põe em causa o conceito de revolução científica e escreve,

“(…) o relato da revolução científica que conte a história de conceitos livres e flutuantes é muito diferente daquele que a história de práticas de construção de conceitos nos oferece (…) é muito maior o interesse dos historiadores pelo “quem” da Revolução Científica (…) se apenas muito poucas pessoas tomaram parte nessas transformações, que sentido faz, caso faça algum, falar de uma Revolução Científica que introduz enormes mudanças no modo como “nós” vemos o mundo (…)? (…)»72.

O segundo autor, Gerald Holton, um físico que desde o início da sua carreira praticou história da ciência, distancia-se claramente das perspectivas expostas e defende uma tese que se pode apelidar de “invariância histórica” sob a forma de análise “temática”73

ou dos themata,

«(…) devemos considerar que quando os cientistas publicam os resultados do seu trabalho em revistas, livros etc, estes trabalhos são submetidos para serem aceites naquilo que pode ser chamado como Ciência Pública. A fim de a distinguir da fase anterior do seu esforço, à actividade individual do cientista durante o período de criação reserva-se a designação de Ciência Privada (...) O erro vulgar de usar o termo "ciência", sem fazer esta distinção, pode ser flagrante quando o historiador da ciência tenta entender a motivação dos cientistas para resolver os seus problemas de investigação: a escolha de ferramentas conceptuais ou o tratamento dos seus dados. Em todos estes casos, é provável que durante o período de trabalho "privado" de criação, alguns cientistas, conscientemente, ou não, utilizam motivações e pressupostos muito gerais ou hipóteses que não são directamente deriváveis dos fenómenos e, como tal, não são demonstráveis ou falsificáveis. Mas quando esse trabalho se propõe entrar na fase "pública" da ciência estas motivação – que o autor denominou pressupostos temáticos ou hipóteses temáticas – tendem a ser suprimidas e desaparecem da observação»74.

Holton julga que existem poucos themata na história da ciência e que só raramente surgem novos, manifestando-se sobretudo como pares de opostos (cheio/vazio,

71 SHAPIN, Steven ans Simon Schaffer (1985). Leviathan and the Air-Pump: Hobbes, Boyle, and the Experimental

Life. Princeton: Princeton University Press

72 (SHAPIN, 1999: 26).

73 HOLTON, G. (1988). Thematic origins of Scientific Thought: Kepler to Einstein. Cambridge: Harvard University

Press.

74 «(…)we must consider that when scientists publish the results of their work in journals, textbooks etc., they

are submitted for acceptance into what could be called Public Science. In order to distinguish it from the prior stage of their effort, the scientist's individual activity during the nascent period. which deserves the term Private Science (…) The common error of using the word “science” without making this distinction can show up glaringly when the historian of science tries to understand the motivation of scientists for pursuing their research problems: the choice of their conceptual tools or the treatment of their data. In all these cases, one is likely to discover that during the nascent “private” period of work some scientists, consciously or not use highly motivating and very general presuppositions or hypotheses that are not directly derivable from the phenomena and are not provable or falsifiable. But when such work then is proposed for entry into the “public” phase of science these motivating aids – which the author has termed thematic presuppositions or thematic hypotheses – tend to be suppressed. and disappear from view» (HOLTON, 1996: 454)

simples/complexo, contínuo/discreto…). Um exemplo desta estratégia por ele estudada diz respeito ao trabalho de Millikan na determinação da unidade básica de carga eléctrica75.

Muitos outros trabalhos se poderiam citar. Não é possível sintetizar, nem desenvolver a análise não só dos autores, como dos prolongamento das várias tendências, ou escolas, no domínio da História e da Filosofia das Ciências e das suas interrelações, a obra do historiador dinamarquês Helge Kragh76 continua a ser aquela que apresenta uma

panorâmica mais ampla sobre o tema.

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