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Meios e modos de propagação online

1. Entre mentiras, boatos e notícias: a teia complexa da esfera pública política

3.4. Instrumento metodológico para análise aprofundada

3.4.2. Meios e modos de propagação online

Sustenta-se aqui o pressuposto de que há maior propensão para que alguém se envolva e se comprometa com a disseminação de uma informação falsa quando já existe uma opinião dominante compartilhada em um determinado ambiente social que vai no mesmo sentido daquela informação. Este estado de coisas, que conforma um “clima de opinião”, funciona como pano de fundo que dá plausibilidade a dada fake news e a torna desejável pelo ambiente social. Por esta razão, a dimensão anterior é enfatizada como um ponto de partida.

146 Para além disso, entretanto, há que se considerar que o alcance que determinadas informações falsas ganham em termos de compartilhamento também molda a sua validação social, mesmo sendo ela inteiramente improcedente. A forma como as peças de

fake news se espalham e passam de uma plataforma a outra, portanto, é parte elementar

do fenômeno, assim como o efeito viral adquirido. Estudar modos de propagação significa compreender principalmente a origem, a força e o percurso das histórias.

Aspectos de âmbito psicológico, tecnológico e político podem influenciar as escolhas de consumo e compartilhamento de informações políticas em ambientes digitais, bem como o uso de determinado conteúdo político para engajamento em campanhas eleitorais online. Nessa etapa da análise, buscou-se identificar os elementos sociais, técnicos e políticos a partir de duas categorias: alcance online e propagadores. Deste modo, esta segunda dimensão está orientada pela seguinte questão de pesquisa:

QP2: Que componentes tecnológicos, comunicacionais e políticos são importantes para que fake news tenham grande alcance online?

Categoria 3 – Alcance online: Primeiramente, foi preciso aferir o quão as peças

de fake news foram compartilhadas, ou seja, divulgadas por indivíduos, páginas e grupos, de modo a medir o alcance online dessas histórias. Para isso, foram selecionadas duas variáveis: compartilhamentos e plataformas. Em compartilhamentos foi considerado literalmente o volume de partilha de cada fake news, com base nos principais propagadores identificados na pesquisa. Em plataformas, averiguou-se a ocorrência da mesma história em diferentes plataformas, enfatizando qual o meio primário para a difusão da história e por quais outros circulou com alguma relevância.

Categoria 3 – Propagadores: Aqui, o objetivo foi o de analisar as características

dos propagadores (perfis e páginas) previamente identificados, levando em conta a posição no espectro ideológico (extrema-direita, direita, centro e esquerda) e o posicionamento nas controvérsias morais (conservadores, moderados e liberais ou progressistas). Para isso, partiu-se de duas variáveis: tipo de propagadores e grau de

robotização. Por tipo de propagadores, foram identificados e classificados quais são os

perfis pessoais, páginas ou grupos influentes na distribuição das fake news.

No grau de robotização, foi examinado se os propagadores identificados eram contas criadas artificialmente e automatizadas para potencializar a difusão e a interação das fake news. É importante salientar que mesmo ferramentas automatizadas como o

147 Botometer316 ou o PegaBot317, que estimam a probabilidade de um perfil ser um robô, funcionam apenas para análise de contas do Twitter.

Por isso, para os perfis do Facebook, foi preciso delinear parâmetros próprios para analisar manualmente a probabilidade de um perfil pessoal ser uma conta automatizada com base em critérios já aplicados pelas ferramentas digitais e também em observação própria da dinâmica da conversação política online, procedimento que será descrito abaixo. Com isso, foi possível averiguar as características dos principais propagadores no que diz respeito ao espectro ideológico e à suspeita de automação de contas.

Procedimentos metodológicos

Foi criado um banco de dados com os principais propagadores de cada uma das 57 fake news que compõem a amostra da pesquisa a partir dos ciclos de buscas avançadas já descritos nesse capítulo. Finalizada essa etapa, foram delimitados três níveis para parametrizar a importância de cada um dos propagadores tendo como variável o volume de compartilhamentos.

Assim, o propagador foi considerado de muita relevância se o post por ele publicado obtivesse volume de compartilhamentos igual a ou maior que 100; de média relevância de 20 a 50 compartilhamentos; de alguma relevância de menos de 20 compartilhamentos. Os dados de todos os propagadores identificados nas buscas dentro dessa escala entre 20 e mais de 100 compartilhamentos foram considerados na pesquisa. Ou seja, os propagadores e suas respectivas publicações quando o post tinha menos de 20 compartilhamentos foram descartados

Ressalva-se ainda que o número de propagadores varia de história para história. Isso significa que uma história pode ter 50 propagadores identificados e outra ter cinco, porque foram esses os números localizados ao fim dos ciclos de buscas avançadas que seguiram os rastros digitais.

Por isso, quando o texto abordar o alcance, será comum observar “ao menos”, “no mínimo”, “pelo menos”, “aproximadamente” ou “cerca de” ao mencionar o volume quantificado em termos de compartilhamentos. “Compartilhamento”, apesar de ser o

316 Disponível em https://botometer.iuni.iu.edu/#!/ 317 Disponivel em https://pegabot.com.br/

148 termo usado em português do Brasil pelo Facebook, é aqui inserido de forma genérica para também se referir ao retuíte do Twitter ou o reencaminhamento do WhatsApp.

No WhatsApp, de forma específica, a partir da ferramenta Monitor do WhatsApp, foi possível sistematizar a quantidade e os nomes dos grupos públicos por onde dada história circulou e o volume relativo de encaminhamento das mensagens naquele universo de grupos monitorados. Ou seja, não foi possível detectar o emissor originário por inviabilidade técnica (seria um número de telefone) e inadequação metodológica, já que o estudo não está estruturado em torno de uma etnografia digital ou de um monitoramento do mensageiro, por exemplo.

No caso da variável plataformas, investigou-se se a fake news percorreu determinado meio. Mais uma vez, os métodos e conjunto de dados se distinguem nos blocos Facebook-Twitter e WhatsApp. No primeiro caso, será possível identificar comparativamente a participação de ambos os meios entre o conjunto de propagadores. Por exemplo, na história “A” houve 50 propagadores, sendo 35 do Facebook e 15 do Twitter. No caso do WhatsApp, será possível informar se a história circulou na plataforma, sem quantificar essa circulação, e indicar se o mensageiro móvel esteve entre os meios primários ou secundários para a propagação de determinada fake news.

Para além disso, também foi sistematizado o “tipo de propagador”, que pôde indicar se o propagador era um perfil pessoal, um perfil pessoal em grupo público ou uma página, apenas nos casos do Facebook e Twitter, o que foi codificado manualmente com base na classificação ofertada pelas próprias mídias sociais. O exame do grau de robotização também pôde ser feito apenas no Facebook e no Twitter, e por diferentes vias, com foco apenas nos propagadores muito relevantes (aqueles cujos posts tiveram 100 ou mais compartilhamentos).

Antes de explicar os procedimentos adotados em cada um desses meios, salienta- se que não foi possível realizar essa mensuração no caso do WhatsApp posto que, como mencionado, o acesso aos dados foi externo, por meio da ferramenta “Monitor de WhatsApp”, e provenientes de grupos públicos. Mesmo com acesso aos números de telefone, se fosse o caso, também seria impraticável distinguir se o contato pertence a uma pessoa física ou se teria sido comprado para uso no serviço de disparo em massa. Feita a ressalva do WhatsApp, retoma-se aqui a explicação sobre como foi construída a análise do grau de robotização.

149 No Twitter, foi usada a ferramenta Pega Bot, desenvolvida no Brasil318, que se baseia em padrões de comportamento para indicar a probabilidade de a conta ser ou não um robô319. Assim, o Pega Bot fornece uma nota percentual para cada perfil, que integra uma escala de cores que varia entre o verde (menos parecido com robô), passa por tons de amarelo (escala intermediária) e culmina em uma gradação de roxo (mais parecido com robô). Optou-se pelo Pega Bot em detrimento do Botometer320, mais usado em nível internacional, pelo fato de o primeiro ser baseado em língua portuguesa enquanto que o segundo em língua inglesa.

No caso do Facebook, a análise não foi realizada de forma automatizada, pela falta de ferramenta disponível para detectar por vias automatizadas a probabilidade de uma conta ser robô nessa plataforma específica. Por isso, foi preciso criar um conjunto de parâmetros e classificações para estudar e enquadrar os perfis pessoais321 (por óbvio, a análise não foi realizada para páginas ou grupos).

Os parâmetros observados foram: a) dados fornecidos pela conta - se constam e se há detalhes como local de trabalho e status de relacionamentos, por exemplo; b) álbuns de fotografias - se constam e se há fotos diversificadas, entre elas de cunho profissional e familiar; c) dinâmica de postagem (quando aberta) - se há publicações variadas ou homogêneas e se nelas há interações discordantes (com argumentação e embates de ideias) ou apenas concordantes (e homogêneas, com uso sempre das mesmas hashtags e argumentos).

Com base nesses parâmetros, os perfis foram classificados como “parece robô”, “não parece robô”, “não é possível afirmar”, “não é robô”. Tais terminologias são autoexplicativas, porém é importante distinguir que “não é robô” foi inserido apenas

318 O PegaBot é um projeto desenvolvido em parceria entre o Instituto do Tecnologia e Sociedade do Rio

de Janeiro (ITS Rio) e do Instituto Equidade & Tecnologia: https://pegabot.com.br/sobre/

319 Nesse caso, os critérios elencados no site do projeto são: “Os critérios para fazer essa avaliação são o

intervalo de tempo entre cada postagem (um intervalo pequeno entre cada postagem, 2 segundos por exemplo, podem indicar que a postagem foi feita por um robô); a frequência e a aleatoriedade no tempo em que as postagens são feitas (postagens feitas sempre no mesmo horário, às 10 horas da manhã, por exemplo, podem ter sido feitas por um robô); e a pessoalidade dada aos textos postados (textos repetidos ou extraídos de outras publicações, pré-formatados, são um indicativo de ele ter sido feito por um robô)”. Para saber mais, acessar: https://pegabot.com.br/sobre/

320 Em geral, o Botometer analisa cerca de 1.200 características do perfil, como a estrutura da rede social,

os padrões temporais de atividade, a linguagem e o sentimento, por exemplo.

https://botometer.iuni.iu.edu/#!/faq

321 Para isso, não houve armazenamento de nenhum tipo de dado pessoal e todo o processo foi tratado

150 quando os perfis pessoais eram clara e explicitamente de seres humanos, como no caso de contas verificadas ou conhecidamente de alguma figura pública.

Considerou-se que o perfil pessoal “parece robô” quando há pouco ou nenhum dado pessoal; quando a fotografia de perfil é um avatar e/ou aparentemente manipulada, ou quando o álbum pessoal não possui fotografias ou é uma repetição de fotos com apenas

selfies ou fotos unicamente da pessoa; e quando há alto volume de posts sobre política,

com os mesmos alvos, posicionamentos e principalmente com interações padrões (muitos perfis comentando com as mesmas hashtags, por exemplo) de outras contas suspeitas.

A classificação “não parece robô” foi conferida quando, entre os dados fornecidos nas contas, constavam informações como local de trabalho e nome do cônjuge, quando o álbum de fotografia mostra uma diversidade de momentos, inclusive com imagens de eventos com coletas de trabalho e familiares, e quando a dinâmica da timeline expressa publicações diversas (não apenas sobre política) e, em seus comentários, há algum grau de reconhecimento e intimidade de terceiros com o emissor. Já “não é possível afirmar” se deu quando, mesmo após observar dados concernentes aos três itens (dados pessoais, álbuns de fotografia e dinâmica de postagem) não foi possível chegar a uma conclusão sobre a suspeita de automação.

O processo de codificação foi realizado por três estudantes de graduação dos cursos de Jornalismo, Produção Cultural e Relações Públicas, os dois primeiros da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e o último da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Nos casos em que houve divergência entre os três, uma quarta pessoa, no caso a autora da tese, responsabilizou-se pela codificação para fins de obtenção de consenso.

Quadro 4 - Categorias e variáveis da segunda dimensão de análise MODOS E MEIOS DE PROPAGAÇÃO

Categorias Objetivo Variáveis Plataformas Ferramentas

digitais Alcance online Mapear o alcance de compartilhamentos e o papel de diferentes plataformas no processo de difusão da história. Distribuição multiplataforma Facebook Twitter WhatsApp Monitor de WhatsApp Pega Bot Volume de compartilha- mento Facebook Twitter WhatsApp Propagadores Identificar e caracterizar o perfil dos emissores e das redes políticas de

Tipos de

propagadores Facebook Twitter

151

acordo com suas tendências morais, políticas e sociais. Grau de robotização Facebook Twitter Fonte: Autoria da tese