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Mimetização do formato jornalístico

1. Entre mentiras, boatos e notícias: a teia complexa da esfera pública política

3.4. Instrumento metodológico para análise aprofundada

3.4.3. Mimetização do formato jornalístico

Essa dimensão lança luz à dissimulação de uma peça de fake news como um relato objetivo e factual. O intuito é estudar os recursos que são empregados para simular objetividade e factualidade e, por esse meio, obter-se legitimidade e credibilidade para as histórias. Isto é importante por ser o que, presumivelmente, distingue fake news de boatos e outros tipos de conteúdo enganoso. Acreditamos que a “intenção de enganar”, variável discutida como elemento estruturante do conceito de fake news, porém difícil de medir já que está associada à atitude subjetiva do indivíduo que produz e/ou compartilha, é demonstrada na roupagem noticiosa dada à história. Isso quer dizer que se um conteúdo imita o formato jornalístico, em alguma medida houve, em sua origem, certo nível de ação estratégica para empacotar e despachar aquela mensagem com se fosse “notícia”.

Notadamente, no âmbito dessa pesquisa, não é possível precisar se essa atitude se dá de maneira coordenada, envolvendo um centro de operação, ou espontânea, quando o emissor primário acredita piamente no “interesse público” que envolve aquela “notícia urgente”. Além disso, estudos anteriores já mostraram que algumas das fake news que mais circularam no período pré-eleitoral e eleitoral no Brasil são construídas com base em erros gramaticais, fotografias amadoras, montagens de imagens e até peças gráficas, como um cartaz de internet, além de textos propriamente ditos (GOMES, DOURADO, 2019). Por isso, entendeu-se que a mimetização do formato pode ser entendida de forma ampla em torno de um conceito clássico de “notícia”, que significa um relato de fatos ou novidades supostamente de interesse dos cidadãos.

Por isso, mais do que a estrutura profissional, com seus modos de distribuição via

sites, consideramos que as informações falsas se baseiam em duas falsificações: a

contrafação do relato simulando uma notícia e o falseamento do fato narrado, por meio da invenção ou da distorção. Em outras palavras, a ideia de fato é intrínseca à aceitação e validação e fake news, como discutido no item 1.2.3 desta tese. Para entender isso empiricamente, foram investigadas quatro categorias: Estrutura noticiosa (o que abrange

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legitimadoras e fontes distribuidoras). Esse bloco de análise situa-se em torno da seguinte

questão de pesquisa:

- QP3: Quais são as relações entre a postulação factual presente nas fake news e a sua mimetização como notícia?

Categoria 5 – Estrutura Noticiosa: A primeira categoria desse bloco de análise

investiga até que ponto fake news foram construídas a partir da modelagem do jornalismo profissional, institucional e liberal, de modo a atrair a atenção e legitimidade do seu público-alvo. Uma série de características serviria para conferir um aspecto de notícia à mensagem: formato, uso de manchetes e de jargões como “Urgente” ou “Exclusivo”, além de fotografia de viés “factual”, dentre outras. De forma mais precisa, essa categoria foi examinada a partir de duas variáveis: base factual e formato. Em base factual, buscamos entender se há uma referência a fatos no centro da narrativa, a partir da busca pela ideia de acontecimento relacionado à realidade. Em formato, observou-se se texto escrito, áudio, vídeo, link, peças gráficas com card de internet, etc.

Categoria 6 – Fontes de informação: Em seguida, o intuito foi observar o lugar

das fontes de informação na aceitação e validação do fato fabricado. Observação contínua mostrou que não é incomum o uso de marcas de empresas de jornalismo, por exemplo, no conteúdo das fake news. Ao mesmo tempo, novas fontes de informação, entre blogs e

sites tendenciosos, se incorporaram à paisagem informativa e são usados para distribuir fake news, por interesses econômicos (caça-cliques) ou políticos. Para abranger esses

ambos aspectos relacionados às fontes de informação, foram delimitadas duas variáveis para vincular a análise: fontes legitimadoras e fontes distribuidoras.

Por fontes legitimadoras, a intenção foi identificar a menção a fontes no âmbito do conteúdo das fake news. Ou seja, se houve e quais fontes foram usadas para conferir sentido de veracidade ao conteúdo falsificado. Por fontes distribuidoras, por outro lado, o intuito foi estudar as fontes usadas no processo de distribuição online dessas histórias, ou seja, o ecossistema de sites e blogs que publicaram tais conteúdos. Notadamente, esses

links podem ser publicados por diferentes perfis, páginas e grupos. Quando o próprio site,

por exemplo, publica o seu link em sua página no Facebook ou perfil no Twitter, possivelmente ele também se transforma em propagador e pode ser identificado na dimensão anterior (Meios e modos de propagação). No entanto, também pode acontecer de sites e blogs publicarem, mas não funcionarem como propagadores em plataformas de mídias sociais, porque essas URL´s foram aproveitadas por outras páginas e perfis.

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Procedimentos: Para esse bloco, a análise esteve diretamente relacionada ao

conteúdo original da peça de fake news, isto é, ao material originário da história, por meio da análise de conteúdo.

Quadro 5 - Categorias e variáveis da terceira dimensão de análise MIMETIZAÇÃO DO FORMATO JORNALÍSTICO

Categorias Resumo Variáveis Ferramentas

digitais e) Estrutura

Noticiosa

Identificar as características estruturantes que forjam aparência

noticiosa, bem como se o cerne argumentativo passa a ideia de

evento verídico. - Base factual - Formato Nenhuma f) Fontes de Informação

Examinar o uso de fontes informativas, seja em seu caráter de

dar validade e credibilidade à história, seja como aparelho distribuidor desse tipo de conteúdo.

- Fontes legitimadoras

- Fontes distribuidoras

Fonte: Autoria da tese