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CAPÍTULO 3. GESTÃO DO PROJETO

3.3 ORGANIZAÇÃO

3.3.2 Mercado

Uma organização desta caracteriza-se pelo uso intensivo de regras de mercado, tais como terceirizações, por intermédio de contratos. Segundo ARAÚJO (2000) surgem modelos liberais fundamentados em mecanismos de mercado, porém o modelo de contratos é seu mecanismo tipo. As principais justificativas que surgem para uso de mercado são a obtenção, de maior responsabilização perante o trabalho, menor custo e maior qualidade do serviço. Neste trabalho vamos assumir o mercado enquanto um modelo de contratos. ARAUJO (2000) desenvolve uma discussão em torno da situação preferível para uso de hierarquia ou de mercado, e assume que existe predominantemente um fator econômico, associado à ponderação sobre o custo, na preferência ou nas situações que usam mercado ou hierarquia como métodos para alocar recursos. WILLIAMSON (1975) apud ARAUJO (2000) e MALONE e CROWSTON (1994), sustenta o uso de hierarquia ou mercado segundo um conceito de “transação”, enquanto “a troca de bens e serviços entre pessoas ou através de fronteiras”. A mesma obra é destacada, a qual enfatiza a “teoria dos custos de transação” como principal mecanismo para analisar uma escolha entre mercado e hierarquia.

Para ARAUJO (2000) uma contratação consiste numa divisão da responsabilidade pelo fornecimento e no fornecimento em si, a partir do qual, surgem o “contratante” o qual paga o serviço ou produto (comprador), e o “contratado” o qual produz ou fornece o serviço ou produto (fornecedor). No modelo citado (“contracting out”) vigora a chamada “teoria do principal agente”, segundo a qual, o agente principal (contratante) deve escrever um contrato que induza o contratado, a ter um comportamento conforme vontade do contratante. O contrato representa um processo de alocação de recursos baseado em indicadores e medidas de desempenho. A contratação deve prever com clareza pelo menos os seguintes aspectos:

• “O QUE” comprar (especificação do produto ou serviço);

• “DE QUEM” comprar (critérios, sistemas de seleção e escolha do fornecedor); • “COMO” comprar (por preço fixo, por custos mais lucro, entre outros);

• DURAÇÃO do contrato; • FREQUENCIA de contratação;

• SISTEMA DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE do contrato. Entre as vantagens anunciadas para o uso de mercado encontram-se:

• Benefícios obtidos pelo uso de mecanismos de eficiência do mercado: a “pluralidade” de fornecedores em competição, o que aumenta a probabilidade de obter os melhores custos e qualidade;

• O contratante pode reduzir sua parte operacional e obter economia de recursos; • O contratante pode reorientar seus profissionais mais qualificados para tarefas mais

importantes;

• A possibilidade de introduzir novas idéias.

Problemas e dificuldades associadas ao uso do sistema de contratação:

• Exige grande “know-how” técnico e gerencial do contratante. Quando se verifica uma insuficiência interna, há necessidade de eventuais consultorias, pois o uso de mercado exige maior capacidade para especificar serviços e controlar a qualidade do desempenho dos fornecedores. É mais freqüente a contratação de serviços de apoio, auxiliares e operacionais, pois estes podem ser mais facilmente caracterizados e controlados;

• A separação entre o controle de fornecimento e o fornecimento, gera nova negociação ou contratação para qualquer alteração, o que retira flexibilidade do instrumento;

• A assimetria de informação entre o comprador e o fornecedor (referente a tecnologia ou condições de produção), pode ser um fator de desvantagem numa negociação para o comprador ou contratante;

• A separação entre o comprador e o fornecedor, conduz a uma fragmentação da organização, o que reduz a sua capacidade de aprendizagem e adaptação. Observa- se que a informação fica retida num lado, e a articulação entre os agentes é intermediada por contratos, o que dificulta ou impede a transferência de “know-how” técnico, que é o próprio fator de competição para o contratado.

Para WILLIAMSON (1975) apud ARAÚJO (2000) quando a incerteza é elevada, transações variam e o acesso a informação fica limitado, há uma preferência pelo controle por hierarquia. ARAÚJO (2000) cita contratos e “quase-contratos”, ou seja, numa empresa pode haver delegação interna de atividades mediante contratos, o que difere do autêntico “contracting out”, por se tratar do uso de mercados dentro de uma organização hierárquica, como as companhias de óleo que constituem as “networks internas”, comentadas no tópico 3.3.3.

A constatação de que serviços de baixa qualidade podem ser obtidos, ainda que se use o mecanismo da pluralidade de fornecedores competindo, parece incoerente com uma das principais vantagens deste mecanismo. Entre as principais causas desta aparente incoerência destacam-se: uma inadequada ou difícil caracterização do serviço, a impossibilidade de usar efetivamente os contratos, o uso de critérios exclusivamente financeiros (não econômicos) e uma dificuldade de contornar situações oportunísticas. É importante destacar a última situação que pode ser exemplificada quando a estabilidade adquirida por uma parceria configura uma relação predadora para a organização. Neste caso, há que definir as bases sob as quais a parceria será estabelecida e, principalmente, mantida. As organizações formadas com o propósito de projetar e construir no setor de AEC enfrentam dificuldades especiais em relação ao uso de mercado. Segundo MELHADO et al (2004) caracterizar os serviços de projeto é uma atividade muito complexa quando comparado com a especificação e negociação de produtos e serviços comuns. A constatação é agravada na fase de projeto, e o pesquisador cita três características que contribuem para a situação:

• É um produto ou serviço de baixo consumo por cliente (o que gera um trabalho constante de busca de novos clientes) e de poucos clientes potenciais (ou seja, nem sempre pode usufruir de recursos de comunicação e propaganda). Nestas condições, a estabilidade comercial é rotineiramente tensa;

• Apresenta elevado conteúdo intelectual, ou seja, caracteriza-se por atividades associadas ao processamento de informação. Neste aspecto, há duas dificuldades: o cliente tem dificuldade de percepção do que seja o trabalho de um arquiteto ou engenheiro de projeto e, como conseqüência, gera dificuldades para alocar adequadamente os recursos de projeto;

• A fase de concepção e desenvolvimento do projeto não é um fim para o cliente, mas um meio. Neste caso, não há satisfação diretamente associada ao projeto, o que reforça a idéia de despesa, e não de investimento, por parte do cliente. O problema torna-se mais crítico quando aliada a restrição de percepção do cliente, encontramos um problema de percepção do próprio gerenciamento do empreendimento, algo análogo a leitura direta da curva ABC do empreendimento, já comentado em tópico 3.2.2, referente aos métodos, técnicas e ferramentas gerenciais.

THOMAS et al. (2002) elaborou um gráfico polar77 a partir do estudo de 13 locais de construção, de empreendimentos australianos e fez uma associação entre a cultura do empreendimento e os resultados da qualidade (rever figura 2.10, referente ao tópico 2.1.4, projeto enquanto processo coletivo). A conclusão do estudo, refletida no gráfico, mostra que uma cultura organizacional voltada para o “Clan” tem um desempenho médio mais elevado do que uma orientação organizacional voltada para o mercado. Deve ser destacado que ARAUJO (2000) enfatiza como pré-requisito de sucesso para o uso de mercado externo (contracting out) uma maior capacidade para especificar serviços e controlar a qualidade do desempenho de fornecedores. O uso de mercado implica numa visão econômica e não puramente financeira da relação custo-benefício dos serviços e produtos obtidos. Pelos resultados do gráfico citado, pode ser percebido que lidar com dinâmicas de mercado e caracterização de serviços do setor de AEC apresenta dificuldades que não se restringem a economia de países em desenvolvimento, mas representam dificuldades inerentes ao setor de AEC, de uma forma geral.

A componente gerencial atribuída a uma cultura organizacional voltada para o uso de mercado é, com freqüência, caracterizada por apresentar gerentes com uma orientação dura e competitiva, cujo foco orienta-se na obtenção de metas de curto prazo, consolidado sobre o elemento individual e sua habilidade para produzir. É destacado que a cultura de mercado é orientada para relações adversárias, cujos empreendimentos são induzidos por conflitos individuais, organizacionais e de auto-preservação. Há um senso de que uma

77 Os pesquisadores utilizam o esquema de avaliação de Quinn: a hipótese é que a cultura é capaz de influenciar

os resultados. O uso dos termos “clima”, “cultura” organizacional é destaca por HANNAN (1983:85) como demonstração de confronto, de certa forma, a uma especificação formal de engenharia das organizações.

cultura organizacional de mercado gera um paradoxo com o fato de seus resultados serem orientados ao mercado, e acrescenta-se que essa cultura não conduz a co-operação, clima de abertura e de equipe. Estes parecem ser os principais fatores responsáveis pelo elevado desempenho da cultura organizacional do “clan”. Os pesquisadores destacam que resultados acima da média foram observados em empreendimentos com fracas características de mercado. A cultura “clan” estabelece prêmios sobre a coesão de equipe e consenso e seus gerentes são mentores e facilitadores. Ou seja, dinâmicas de grupo ou equipe tendem a superar dificuldades associadas a uma deficiente especificação e qualificação dos serviços.