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CAPÍTULO 2. PROCESSO DE PROJETO

2.1 CONCEITOS

2.1.1 Projeto enquanto produto intelectual

O edifício pode ser considerado um objeto com uma inteligência incorporada (tecnologia, intencionalidade, racionalidade). Podemos compreender a abordagem de projeto enquanto produto intelectual, como a criação e a produção de artefatos técnicos, pelas atividades de arquitetura, engenharia e construção civil (AEC). O artefato técnico, segundo KROES (2002) apresenta três (03) dimensões simultaneamente: função, estrutura física e contexto de ação humana. Na ausência de uma das dimensões, este se torna apenas objeto físico. Poderíamos adaptar a visualização de nosso objeto edifício, segundo o esquema de KROES (2002), referente a natureza dos artefatos técnicos, como a figura 2.3.

Figura 2.3 – Dimensões do Artefato Técnico.

Fonte: Adaptação do esquema de KROES.(2002)

O artefato técnico “edifício” apresenta uma dimensão que o distingue do universo dos produtos, a “habitabilidade”, ou seja, o edifício é um ambiente, um objeto habitável. Podemos compreender a função do edifício como a meta ou o propósito de conceder “habitabilidade”. Entendemos a função enquanto a articulação de três dimensões: funcional, tecnológica e simbólica, segundo características da atividade que comporta. A função é traduzida em especificações entendidas enquanto a definição e caracterização dos espaços vinculados à atividade. Esta especificação é o que chamamos de “qualidade percebida”, e

Edifício Estrutura Física Função Ação humana Projeto Construçã o Materiais Cerâmicos Metálicos Polimérico s Produtos Sistemas Fundações Estruturas Vedações

encontra-se inserida na dimensão cultural dos objetos, que afeta a noção de valor atribuído ao ambiente16, pelo usuário e, conseqüentemente, de todos os agentes envolvidos na geração deste valor.

A coexistência entre níveis arquiteturais pode ser verificada na figura 2.4. Os empreendimentos de construção civil encontram-se, de alguma forma, em uma das situações ilustradas: na situação A, os níveis são igualmente considerados; na situação B, o nível simbólico é hiper-valorizado em relação aos outros dois; na situação C, dois níveis são igualmente considerados (funcional, tecnológico), em detrimento de um terceiro (simbólico). A principal questão levantada para a análise do nível simbólico é “para o que é?”; para o nível funcional “como trabalha ou como funciona?” e, para o nível tecnológico “como faço isto?”. Estas questões são fundamentais para a análise e desenvolvimento de um projeto arquitetural e, sua dificuldade de equacionamento apresenta conseqüências nas etapas iniciais de concepção. O nível diferenciado de intervenção dos agentes do processo de projeto pode determinar as dimensões mais privilegiadas e quais serão negligenciadas. Disto resulta a importância da forma de conduzir o processo. O nível de consideração de determinada dimensão, pode causar conflitos entre o edifício e seus usuários, que podem ser mais evidentes (nível funcional e tecnológico) ou menos (nível simbólico). Conflitos funcionais e tecnológicos podem ainda ser extremamente objetivos, quando associados ás necessidades básicas de sobrevivência, como proteção contra as intempéries, vedação (fissuras, infiltrações, vazamentos), ou ainda, proteção contra predadores ou invasões, proteção mecânica.

Figura 2.4 – Diagramas das três abordagens de integração das dimensões arquiteturais.

Fonte: MALARD (1992)

Enquanto à estrutura física do edifício, a meta ou propósito é prover adequação física, realizada mediante a elaboração de especificação estrutural17, resultante de uma adequada

16 Por exemplo, na prática, a utilização de papel de parede ou cerâmica em revestimentos, ainda que o

compreensão da função, no contexto científico-tecnológico dos objetos disponíveis (materiais, produtos e processos construtivos, ferramentas e equipamentos). Por exemplo, o sistema de vedação pode ser considerado um componente da estrutura física do artefato, que tem como solicitação ou propósito garantir a proteção física, mecânica e psicológica, dos contextos de ação humana. O resultado objetivo é uma especificação material e estrutural de sub-componentes e interfaces. Para garantir proteção física e mecânica, o sistema de vedação quando encontra o sistema estrutural, deve garantir, na interface, continuidade de propósito. A especificação material e estrutural do ponto de encontro, é a interseção entre comportamento e propósito de ambos, com as possibilidades materiais (aderência, permeabilidade, elasticidade) e construtivas (técnica, acesso, ferramenta). A técnica construtiva já é uma inserção do contexto de ação humana, já que é composta pelas possibilidades existentes entre recursos humanos e materiais. No quadro 2.1, a seguir, são organizados alguns parâmetros de caracterização de um determinado sistema construtivo.

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estrutura, enquanto sistema de distribuição de cargas para sustentação mecânica proveniente da engenharia de estruturas.

E ; ! K C $ K $ L E ; - I ? B - ) $ % H - 7 $ % $ $ - - + & - $ '- &M ($ ) + 9 ? ($ 9 $ % K $ % % K $ 8 ) + + 9 $

Quadro 2.1 – Dimensões funcionais e elementos físicos

Fonte: SÁNCHEZ (2005)

Na prática podemos exemplificar com o sistema estrutural e sistema de vedação (este último já mencionado). O sistema estrutural tem como principal meta conferir segurança estrutural. Esta segurança, do ponto de vista do desempenho18, pode ser avaliada em estabilidade, resistência mecânica e deformabilidade. O tratamento da interface é estratégico para que ambas as metas sejam alcançadas sem prejuízo do conjunto. As ligações entre os sistemas devem ser previstos, de forma que a função de vedar tenha continuidade. Limitações à função estrutural devem ser previstas, para que seu trabalho seja garantido sem prejuízo do conjunto (por exemplo, fissuras em paredes). Quando os sistemas são pensados de forma isolada, as interfaces são extremamente exigidas, o que normalmente é acompanhado por uma carência de recursos e de tempo necessários à sua adequada integração. Neste caso, podemos afirmar que a otimização individual é a sub-otimização do conjunto.

“Apesar de estarmos na era dos concretos de alto desempenho, não conseguimos fazer estruturas ou edifícios de alto desempenho.” (THOMAZ, 2001)

O que parece paradoxal é que a conformação dos edifícios hoje, não expressa relações com uso ou funcional; também não expressam simbolicamente relações com o uso; também não apresentam elevado desempenho estrutural e construtivo, consideradas as listas de patologias verificadas. Há um grande gap entre as potenciais fontes que fundamentam as interpretações e descrições funcionais e, destas, para as descrições estruturais, voltadas á construção civil (ver esquema da figura 2.5). Há dificuldades verificadas, portanto, na fase de concepção e desenvolvimento do projeto. O edifício é concebido mediante um contexto de ação humana de projeto, com seu leque de conhecimentos científico-tecnológicos (disciplinas), mediado pela experiência dos agentes individual e coletivamente. A

18 Segurança também pode ser avaliada do ponto de vista psicológico, como a geometria preferencial de muros

variabilidade de disciplinas técnicas pode ser ilustrada no quadro 2.2. Neste contexto, podemos identificar o projeto arquitetural, os projetos de engenharia e projetos técnicos.

Figura 2.5 – Esquema Geral de Produção do Edifício.

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Quadro 2.2 – Complexidade técnica do edifício.

O perfil dos agentes no processo de projeto e seu nível de intervenção têm estreita associação com as dimensões arquiteturais acentuadas conforme o perfil do

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Especialidades: em concreto armado, em aço, madeira, alvenaria estrutural, estruturas compostas, entre outras;

Conteúdo de informação p/concreto armado, p/alvenaria estrutural, etc.H

Fases de desenvolvimento: estudo, básico, ante-projeto, executivo.

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Especialidades: alvenaria, placas de concreto, metálicas, entre outras

Conteúdo de informação para alvenarias: condições de recebimento de alvenaria/estrutura, caracterização de argamassas, caracterização de revestimentos, técnicas de assentamento, juntas, parâmetros de aceitação dos revestimentos, limpeza final;

Fases de desenvolvimento: executivo.

I $ I (,2'>2( ? ($ $ $ < F M ($ $ 9 $ - ' $ @ + C - ? M $ < + $ ) < $ $ - ' $ - % ($ + ZZ DEMANDAS Input CONCEPÇÃO E DESENVOLVIMENTO Output/ Input Descrição Estrutural EDIFÍCIO Output IMPLEMENTAÇÃO USO...

empreendimento. Neste aspecto é interessante destacar as dimensões do edifício enquanto espaço arquitetural, por ser esta uma área, eminentemente, multidisciplinar.

“(...) o ambiente construído, é qualquer tipo de ambiente que tenha sofrido qualquer tipo de intervenção humana, em oposição ao ambiente natural. Os espaços arquiteturais são lugares do ambiente construído nos quais eventos humanos ocorrem.”19(MALARD, 1992:20)

Destacamos o texto anterior, pois demonstra que os espaços arquiteturais estão associados as atividades humanas, que podem ser parcialmente negligenciados. A correlação entre especificação funcional e conhecimento da atividade está na base de uma adequada concepção do edifício. Este aspecto torna difícil a realização prática de um projeto singular fundamentado, com exclusividade, numa lista de espaços e dimensões, o que acaba acarretando uma montagem. Nesta situação, na implementação, predomina uma economia de recursos materiais por simples subtração, o que quase sempre acarreta redução da qualidade das soluções de projeto. A necessidade de elaboração e compartilhamento de justificativas de projeto, aliado a uma análise de valor torna-se essencial. A dinâmica das listas estruturadas é mais eficaz em projetos repetitivos, onde se pressupõe que já houve a consideração de parâmetros reais da experiência, para um adequado ajuste da solução adotada. A compreensão da atividade exige a interação e elaboração de perguntas adequadas. As principais questões a serem levantadas se encontram na fase de elaboração do briefing, em relação ao qual, diversas críticas tem sido feitas, com propostas para sua reformulação (RYD, 2004).

Amos Rapoport20 destaca a excessiva importância dada a fatores mensuráveis, apoiados por evidência objetiva, resultante de uma analogia entre metodologia de projeto e metodologia científica positivista. Neste ponto reside a principal diferença entre empreendimentos de acentuados parâmetros culturais (residência, tribunais, teatros) de empreendimentos no outro extremo, de acentuados parâmetros técnicos (indústrias, instalações laboratoriais).

A produção do edifício também apresenta características que o distinguem do ponto de vista dos processos de produção e trabalho, pois constitui um empreendimento único e, local de produção vulnerável (canteiro de obras). Para dar maior previsibilidade ao processo,

19

Tradução nossa.

20 Professor emérito do Departamento de Arquitetura, da Escola de Arquitetura e Planejamento Urbano em

University of Wisconsin-Milwaukee. Desenvolveu em pesquisa no campo das relações ambiente-comportamento (Environment-Behavior Relations - EBR). Principais obras: House Form and Culture, 1969; Human Aspects of

Urban Form, 1977; The Meaning of the Built Environment, 1982 (nova edição em 1990); History and Precedent

in Environmental Design, 1990; Culture, Architecture and Design, 2003.

http://www.uwm.edu/SARUP/faculty/rapoport.htm.

padronizam-se aspectos do produto edifício (componentes, especificações, soluções projetuais de espaço, etc.). Paradoxalmente, a inadequação resultante consiste na carência de processos capazes de aproveitar os benefícios incorporados na padronização de produtos. O produto edifício caracteriza-se por ser um “artefato técnico” e neste sentido, sua produção apresenta características e solicitações provenientes das dimensões funcional, tecnológica e simbólica; da sua estrutura física (materiais, sistemas construtivos) e contextual (atividades de projeto, construção e uso).