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Minhas razões para sustentar isso são três Primeiro, sustentar que uma conclusão imperativa pode ser derivada de <

Imperativos e lógica

3.5. Minhas razões para sustentar isso são três Primeiro, sustentar que uma conclusão imperativa pode ser derivada de &lt;

premissas puramente indicativas leva a representar questões de substância como se fossem questões verbais. Nesse contexto, é interessante recordar o equívoco análogo do Professor Carnap a respeito das leis físicas. Carnap certa vez sustentou que, pela inclusão de regras adequadas de inferência no que denominou Linguagem-P (i.e., a linguagem de uma ciência), seria possível demonstrar que as afirmações da ciência são verdadeiras ape­ nas em virtude de sua forma; e dizer isso é assimilar essas afir­ mações ao que normalmente chamamos afirmações analíticas/ - embora o próprio Carnap as chame sintéticas, empregando a palavra num sentido especial5. Essa pode parecer uma maneira concisa de demonstrar como é possível dizer que as verdades científicas são necessárias e, assim, resolver o espinhoso “pro­ blema da indução”. Mas se perguntarmos “Quais são essas regras especiais de inferência?” com certeza revelar-se-á que são apenas as leis da ciência em outra roupagem. Portanto, se temos uma regra de inferência no sentido de que podemos par­ tir de “Isto é uma mula” para “Esta (mula) é estéril”, então, obviamente, nossa regra de inferência apenas afirma de outra maneira a velha lei, “Todas as mulas são estéreis”. Surge, então, a pergunta: “É adequado tratar uma lei da ciência como se fosse uma regra de inferência?”. É natural dizer que não,

pois, como deixou claro o trabalho já mencionado do Professor Popper, pode-se demonstrar que as regras de inferência da lógi­ ca comum dependem das definições das palavras lógicas (2.4, nota). Assim, por exemplo, faz parte do significado da palavra “todas” podermos inferir, a partir de “Todas as mulas são esté­ reis e isto é uma mula”, a sentença “Esta (mula) é estéril” . Se¿ portanto,, queremos assim ilar as leis da ciência às regras de inferência, teremos de mostrar que elas, igualmente, resultam: dos significados das palayras empregada^; por exemplo, tere­ mos de mostrar que a razão por que podemos passar de “Isto é uma mula” para “Esta (mula) é estéril” tem algo a ver com o significado das palavras “mula” e “estéril”. Porém dizer isso é ser culpado de convencionalismo, cujos defeitos foram mostra­ dos pelo trabalho (entre outros) do P rofessorV onW right6. A sentença “Todas as mulas são estéreis” diz-nos algo, não sobre as palavras, mas sobre o mundo, e, por conseguinte, não pode ser tratada como uma definição nem como algo análogo a uma regra lógica de inferência. O único tipo de definição ao qual é minimamente similar é uma definição “real” aristotélica, ou parte de uma, no sentido de que é - na realidade - uma proprie­ dade das mulas ser estéreis; por mais improvável que seja os convencionalistas admitirem isso, suas definições e regras de inferência têm de ser tratadas como “reais” nesse sentido se se espera que cumpram a tarefa que delas se exige.

A posição quanto à conduta é similar. O ponto de vista que estou atacando sustenta que, tendo regras de inferência espe­ ciais, podemos dizer que podem existir inferências a partir de um conjunto de premissas indicativas para uma conclusão im­ perativa. Se perguntamos “Que são essas regras especiais de inferência?” fica evidente que nada m ais são que as velhas regras de conduta em nova roupagem. O que na disposição anti­ ga aparece como uma premissa maior imperativa reaparece na nova como uma regra de inferência. O critério que sugiro para decidir sobre os méritos dessas duas formas de colocar a maté­ ria é o mesmo de antes. Tomemos um exemplo. Suponha que eu

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diga “Não diga isso porque é falso” . Devemos representar esse argumento da seguinte forma:

S é falso. Não diga S,

ou devemos acrescentar a prem issa m aior imperativa “Nunca diga o que é falso”? Se for esta última, a inferência é válida pelas regras comuns da lógica, mas se for a primeira, temos de ter «ma regra especial de inferência,, que será justamente essa premissa maior imperativa em outra função. Importa qual des­

sas alternativas escolhemos? Certamente que sim, se estamos preocupados em distinguir, por um lado, princípios gerais sobre- nossa conduta, que têm conteúdo e nos mandam fazer ou deixar de fazer determinados atos positivos em nossa conduta externa, e, por outro, regras lógicas, que não são regras para o compor­ tar-se corretamente, mas para o falar e pensar corretamente, e dizem respeito, se se deve crer em Popper, não a nossas ações, mas aos significados das palavras empregadas.

Esse argumento pesaria igualmente contra uma teoria que reduzisse as regras de conduta a definições de palavras de valor, pois, nesse caso, também argumentos sobre como uma pessoa deve comportar-se seriam transformados em disputas meramen­ te verbais. Suponha que um comunista e eu estamos discutindo se devo fazer determinada ação A e que, segundo seus princípios, não devo fazê-la, enquanto segundo os meus, devo. Um defen­ sor da espécie de teoria que estou atacando poderia tratar essa disputa da seguinte maneira: cada um dos disputantes tem sua própria maneira de verificar a sentença “Devo, nestas circuns­ tâncias, fazer A”, e essas formas diferem. Portanto, a fim de evi­ tar tais disputas, seria melhor para nós substituir o único termo ambíguo por dois termos não ambíguos; por exemplo, o comu­ nista deveria usar o termo “dever!” para o conceito regido por suas regras de verificação, e eu deveria usar “dever2” para o meu conceito. Mas o ponto é que há uma disputa, e não meramente

um mal-entendido verbal entre mim e o comunista; estamos di­ vergindo sobre o que eu devo fa zer (não dizer) e, se ele me con­ vencer, minha conduta será substancialmente diferente do que seria se eu não me convencesse.

3.6. Minha segunda razão para objetar a esse tipo de enfo­ que é que, se vamos introduzir imprecisão em nosso debate sobre conduta, é m elhor deixar claro em que consiste exata­ mente essa imprecisão; e mesmo eu estou bem pouco seguro do que está sendo proposto. Admitamos, à guisa de argumento, que temos liberdade, se assim desejarmos, para íratar princí­ pios como “Nunca diga o que é falso” como regras de inferên­ cia; temos então de perguntar em que aspecto essas regras de inferência diferem das regras comuns da lógica. Já dei minha própria resposta: diferem da mesma maneira que as leis cientí­ ficas diferem^ das regras da lógica, porque dizem respeito á questões de substância, não a palavras - embora, neste caso, as questões de substância não sejam questões de fato, mas do que deveríamos fazer. A resposta dada pelo tipo de teoria que estou criticando é que essas regras de inferência são mais imprecisas do que as regras da lógica. Assim, se digo “Isto é falso, mas diga-o”, não estou me contradizendo, mas apenas burlando a regra mais imprecisa, no sentido de que

S é falso. ,*. Não diga S.

é, “em geral”, válida, Seria possível argumentar em favor dessa maneira de tratar a questão o fato de que muitas vezes dizemos “Não diga S porque é falso” , o que, presumivelmente, se baseia numa inferência como aquela apresentada há pouco, mas que isso não pode ser uma implicação estrita porque nor­ malmente não diriam que me contradigo se dissesse “ S é falso, mas diga-o” ,

Temos, portanto, de investigar o que se pretende ao dizer que uma regra é válida “em geral”, mas nâo universalmente.

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Parece razoável dizer que a regra “Nunca diga o que é falso” é urna regra dessa espécie, pois, na verdade, realmente achamos certo observá-la na maioria dos casos, mas também achamos cer­ to violá-las em casos excepcionais, no interesse, por exemplo, do tato, da vitória em guerras ou da proteção de inocentes con­ tra maníacos homicidas. Ora, posso pensar em pelo menos duas maneiras em que uma regra ou princípio ló g ic o "^ d e ser in­ completamente rigoroso. A primeira maneira é quando a regra estipula que um determinado tipo de ação deve ser realizado sob determ ma^Fsr cireunstâncias. mas entende-se que é sufi­ ciente fazer isso na grande maioria dos casos; p ermitem-se exceções se estas não forem inulto numerosas em proporção ao n ^ e r o T o M de casos. Um exemplo de tal princípio seria o princípio de que estudantes não devem tirar uma semana de fol­ ga durante o período letivo; evidentemente, se unia ou duas vezes durante o curso, um estudante cuja aplicação é normal­ mente exemplar, tira algum tempo de folga, mesmo uma sema­ na, não vemos nenhum mal nisso; mas se tira folga todas as semanas, ou mesmo a maioria, ele provavelmente terá sérios problemas. É óbvio que o princípio de não dizer o que é falso não é dessa natureza, porque não dizemos “Não tem importân­

cia você dizer ocasionalmente o que é falso, contanto que você não o faça com muita freqüência” .

Q caráter distintivo desse primeiro tipo de princípio impre­ ciso é que as exceções a ele são limitadas apenas em numero e não determinadas de outra forma. Desde que o estudante não tire folga constantemente, não importa se ele escolhe uma se­ mana em vez de outra qualquer. Assim, cabe a ele próprio deci- dir^u an d o devem ser feitas, se é que devem, as exceções ao princípio, contanto que não sejam numerosas. Além disso, sua decisão de tirar esta semana de íoíga em vez daquela não causa nenhuma m odificação no princípio, não estabelece um novo precedente iõsiífadFque não estivesse là a n te j. Por­ tanto, podemos dizer que o princípio é, v is - w í s suas exceções, estático.

Bem diferente é o caso do outro tipo de princípio “impreci­ so”, ao qual pertence “Nunca diga o que é falso”. Aqui, as exce­ ções não são limitadas por uma restrição numérica, mas pelas peculiaridades de classes particulares de casos, Não dizemos “Fale a verdade em geral, mas não tem importância se você dis­ ser o que é falso ocasionalmente”; dizemos antes “Fale a verda­ de em geral, mas há determinadas classes de casos a que este princípio não se aplica; por exemplo, você pode dizer o que é falso para salvar a vida, e há outras exceções que deve aprender a reconhecer”. Esse tipo de princípio é um tanto diferente do primeiro, É verdade que, aqui também, a1 decisão?cabe ao agen­ te do caso individual; ele tem de decidir fazer ou não uma exce­ ção, mas o que está decidindo é bastante diferente. O estudante, ao decidir se tira algum tempo de folga, não tem de perguntar a si mesmo se esse é um caso de uma classe que deva ser tratada como excepcional. No primeiro tipo de princípio não existem classes de casos excepcionais, existem apenas exceções que não diferem em nenhuma particularidade significante dos casos em que o princípio é obsem do./M a ^ n ^ e a s(ré õ ^ riffcipio

uma exceção, não,,temos de cogitar “Tenho burlado este princípio muitas veze s recentemente?”, mas “Há algo neste caso que o torna di­ ferente do tipo geral de casos, de tal forma que eu deva coloçar casos compieste num a classe especial e tratá -los como exce­ ções?” . Assim, no caso de regras desse tipo, mesmo as exce- ções são o que chamarei decisões de princípio porque, ao fazê- las, estamos na verdade modificando o princípio. Há uma rela­ ção dinâmica entre as exceções e o princípio~

Isso toma evidente que, se falamos do segundo tipo de prin­ cípio como impreciso, estamos sendo gravemente enganosos. A imprecisão na conduta é geralmente considerada uma coisa ruim e seria perigoso se os filósofos difundissem a idéia de que os princípios de conduta são imprecisos; pois não se pode espe­ rar que a pessoa comum distinga prontamente em que sentido estão sendo denominados imprecisos. Ela naturalmente consi­

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derará que são como o primeiro tipo de princípio e que, porque são frouxos, não precisa preocupar-se em observá-los sempre, contanto que o faça com freqüência suficiente para manter as aparências. Mas, nesse sentido, nossos princípios de conduta, como na verdade também a maioria dos princípios de capacida- de, não são imprecisos de modo algum. O fato de que se fazem exceções a eles não é sinal de alguma imprecisão essencial, mas de nosso desejo de torná-los tão rigorosos quanto possível. Pois o que estamos fazendo ao perm itir classes de exceções é tornar o princípio não mais impreciso, mas mais rigoroso. Su­ ponha-se que partimos do princípio de nunca dizer o que é falso, mas que consideramos esse princípio como provisório e reconhecemos que pode haver exceções. Suponha-rse, então, que decidimos fazer uma exceção no caso de mentiras contadas em tempos de guerra para enganar o inimigo. A regra tornou-se agora “Nunca diga o que é falso, exceto em tempo de guerra para enganar o inimigo” . Egse princípio, desde que a excecão torne-se explícita e seja incluída na formulação do princípio, não é mais impreciso do que era antes, mas mais estrito. Numa grande classe de casos, onde previamente se deixava ab erta^ possibilidade de exceções e tínhamos de decidir p o fn ó s m es­ mos, a posição agora está regulamentada; o princípio determina queTuessãs circunstâncias, podemo"s dizer o que é falso.

Essa expressão simplificada da maneira como m odifica­ mos princípios através da admissão de classes de exceções abrange somente os casos em que o próprio princípio é expresso em palavras que não deixam dúvida quanto a como reconhecer os casos que se enquadram nele. “Nunca diga o que é falso” é um exemplo de tal princípio. Muitas vezes, porém, os princípios são formulados de uma forma que tom a impossível tratar a questão, saber se um caso enquadra-se neles ou não, como uma mera questão de fato. Freqüentemente, embora nem sempre, isso ocorre porque o próprio princípio contém, além dos verbos imperativos ou palavras de valor necessários para a formulação de um princípio de ação, outras palavras de valor ocupando o

lugar que, num caso normal, seria ocupado por termos pura­ mente descritivos. Por exemplo, poderíamos colocar nosso prin­ cípio sobre falsidade mima forma diferente: “Não conte menti­

ras” , Poderíamos subseqüentemente admitir uma exceção no

caso de falsidades ditas, não com a intenção de enganar, mas para outros propósitos, para divertir, por exemplo. Depois pode­ ríamos dizer que contar sobre alguém uma história que todo mundo sabe que é ben trovam não é mentir. Podemos dizer isso porque “mentir” não significa simplesmente dizer falsidades, mas dizer falsidades que são repreensíveis. Assim poderíamos fazer, e às vezes fazemos, uma distinção entre mentiras propria­ mente ditas e mentiras inofensivas; mentiras propriamente ditas são todas repreensíveis; uma mentira inofensiva, por outro lado, é, nas palavras do Oxford English D ictionaty, “uma afirmação conscientemente inverídica que não é considerada criminosa: uma falsidade tornada venial ou elogiável por seu motivo”. Em todos esses casos, a m odificação do princípio assume a forma de uma alteraçao, náo de sua rormulaçaoefetiva, mas das condi­ ções sob as quais se sustenta que o principio é válido, isto é, uma alteração dólim STúTda palavra crucial ou, como vamos denomT ná-la mais adiante, de seu sigmticádo descritivofcom a retenção de seu significado avaliatório. E assim, como salientou o Pro­ fessor H. L. A. Hart, que os princípios jurídicos são muitas ve- zes m odificados por meio de decisões judiciais, como, por exemplo, pela decisão de determinar se a queda ocasional de uma bola de críquete numa rua pública deve ou não ser adequa- damente denominada uma “infração”. A palavra em questão não precisa (como aqui) ser uma palavra de valor; pode ser uma palavra descritiva cujo significado é impreciso o bastante para admitir tal tratamento. Tais decisões, é claro, tomam a lei mais precisa, não menos. O âmbito da palavra pode ser efetivamente alterado ou pode meramente tomar-se mais preciso. E não seria necessário salientar que decisões desse tipo são decisões e não, como Aristóteles parece pensar às vezes, exercícios de um tipo peculiar de percepção7. Percebemos, na verdade, uma diferença

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na classe do caso; mas decidimos se essa diferença justifica que a tratemos como excepcional.

Assim, longe de querer dizer que princípios como “Nunca diga o que é falso” são, por natureza, irremediavelmente impre­ cisos, é parte de nosso desenvolvimento moral transformã-los de princípios provisórios em princípios precisos, com suas exceções claramente determinadas; esse processo, está claro, nunca é completado, mas está sempre acontecendo em qual­ quer existência individual. Se aceitamos e continuamos a acei­ tar tal princípio, não podemos, como no caso da regra sobre tirar folga, violá-lo e deixar o princípio intacto; temos de deci­ dir se devemos observar o princípio e recusarmo-nos a modifi- cá-lo, ou violá-lo e modificá-lo admitindo um a classe de exce­ ções; ao passo que se o princípio fosse realmente impreciso por natureza, poderíamos violá-lo sem m odificá-lo. No próximo capítulo analisarei com mais detalhes como desenvolvemos e modificamos nossos princípios.

3.7. O erro mais grave, contudo, do tipo de teoria que estou criticando é que ^ a ^ e ^ f e i ^ e ^ o sso^a-^iocínio sobre a conduta um fator que é da própria essência da moral. Esse fator é a decisão. Em ambos os tipos de princípio que venho discutindo, o princípio, em certo sentido, não é universal ape­ nas porque em casos particulares cabe à decisão do agente agir segundo o princípio ou não. Ora, usar a palavra “inferência” 5 para i f f ^ õ i^ e iim e n tq como esse é seriamente enganoso,. Quando alguém diz “Isto é falso, portanto não vou dizê-lo” ou “Isto é falso, mas vou dizê-lo mesmo assim e abrir uma exce­ ção ao meu princípio” , está fazendo muito m ais que in fe rir' Ü m ^cJc^go^F^inferência, sozinho, não lhe diria qual dessas duas coisas ele deve dizer em qualquer caso individual que se enquadre no princípio. Ele tem de decidir qual delas dizer. Inferir consiste em dizer que se ele conta um a falsidade, estará violando o princípio, ao passo que se conta a verdade, estará ob­ servando-o. Essa é um a inferência dedutiva perfeitamente sa? tisfatória, e não é preciso dizer mais nada sobre ela. O restante

do que ele faz não é inferência, mas algo bem diferente, a saber, decidir alterar ou não o princípio.

Assim, não vejo razão para retirar o que disse sobre a maneira como os princípios de conduta implicam comandos particulares. A implicação é rigorosa, O que temos de investi­ gar é, não alguma imprecisão na implicação, mas a maneira como formamos e m odificam os nossos princípios e a relação entre esse processo e as decisões particulares que tomamos no curso dela.