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Recordemos outra coisa que eu disse anteriormente (4.7) Princípios práticos, se aceitos por tempo suficientemente

No documento A Linguagem da Moral (diniz) - R. M. Hare.pdf (páginas 190-195)

“Dever” e imperativos

11.2. Recordemos outra coisa que eu disse anteriormente (4.7) Princípios práticos, se aceitos por tempo suficientemente

longo e incondicionalmente, passam a ter a força de intuição. Portanto, nossos princípios morais máximos podem tornar-se tão completamente aceitos por nós que os tratamos, não como imperativos universais, mas como questõesTfè^ato'; eles têm a mesma obstinada mdubitabilidade. E há realmente uma ques­ tão de fato à qual, com muita facilidade, podemos achar se refe­ rem, a saber, o que denominamos nosso “senso de obrigação”. Este é um conceito que requer investigação agora.

É fácil perceber como, se fomos criados desde tenra idade em obediência a um princípio, a idéia de não obedecê-lo tom a­ se abominável para nós. Se deixamos de obedecê-lo, experi­ mentamos remorso; quando o obedecemos, sentimo-nos em paz conosco. Esses sentimentos são reforçados por todos os fatores relacionados pelos psicólogos1, e o resultado total é que

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geralmente se denomina um sentimento de obrigação. É f'ato que temos esse sentimento de obrigação ~ pessoas diversas em graus diversos, e com conteúdos diversos. Juízos de que tenho um sentimento de obrigação de fazer X o u Y sao afirmações de fato empírico. Este não é o lugar para argumentar sobre sua interpretação; é sem dúvida possível discutir se sentenças como “A está sentindo remorso” ou “B acha que é seu dever fazer Y” são relatos de eventos mentais privados ou se devem ser inter­ pretados comportamentaímente, mas tais controvérsias não nos preocupam aqui. Aqui é importante assinalar um fato que é sin­ gularmente ignorado por alguns moralistas: que dizer que alguém tem um sentimento de obrigação não é o mesmo que dizer que tem um a obrigação. 0izer;*im é fazer urna afirm ação de fato psicológico; dizer o outro é faz e ru m ju iz o d e valor. Um homem que foi criado numa família militar, mas que foi influenciado pelo pacifismo, pode muito bem dizer “Tenho um forte sentimento de que devo lutar pelo meu país, mas pergun­ to-me se realmente devo”. Similarmente, um japonês criado de acordo com o Bushido pode dizer “Tenho um forte sentimento de que devo torturar este prisioneiro a fim de arrancar informa­ ções que serão do proveito para meu Imperador; mas devo real­ mente fazer isso?”

A confusão entre afirmações psicológicas sobre um senti­ mento ou senso de obrigação e juízos de valor sobre a própria obrigação não é restrita a filósofos profissionais. O homem comum questiona tão raramente os princípios sob os quais foi criado, que, em geral, sempre que tem um sentimento de que deve fazer X, está pronto a dizer, com base apenas nisso, que deve fazer X; e, portanto, muitas vezes expressa esse sentimento dizendo “Devo fazer X ”. Essa sentença não é uma afirmação de? que ele tem o sentimento ;íé um juízo de valor feito como resul­ tado de ter o sentimento» Contudo, para os que não estudaram o comportamento lógico dos juízos de valoree não refletiram sobre exemplos como os do pacifista e do japonês dados acima, é fácil encarar essa observação como uma afirmação de fato no

sentido de que ele tem o sentimento ou confundi-la, em signifi­ cado, com essa afirmação. Mas qualquer um, exceto um filóso­ fo profissional sustentando a todo custo uma teoria do senso moral, poderia ser levado a perceber que o significado não é o mesmo se lhe perguntassem “Não seria possível sentir-se do mes­ mo jeito, embora não devesse fazer X?” ou “Você não poderia sentir-se assim e estar errado?”

A confusão, porém, é ainda mais profunda. Vimos que há um emprego entre aspas consciente de palavras de valor em que, por exemplo, “Devo fazer X” torna-se aproximadamente equivalente a “X é necessário para a conformidade a um padrão que as pessoas geralmente aceitam ” . Mas também é possível empregar a palavra “dever” e outras palavras de valor entre aspas inconscientemente, por assim dizer, pois o padrão que as pessoas em geral aceitam pode também ser o padrão que uma pes­ soa foi educada para aceitar e, portanto, não somente esta pes­ soa se refere a esse padrão dizendo “Devo fazer X” , mas tem sentimentos de obrigação para conformar-se ao padrão.

É então possível tratar “Devo fazer X” como uma mistura confusa de três juízos.

(1) “X é necessário para a conformidade ao padrão que as pessoas geralmente aceitam (afirmação de fato socio­ lógico);

(2) “Tenho um sentimento de que devo fazer X”(afirm a­ ção de fato psicológico);

(3) “Devo fazer X” (juízo de valor).

Mesmo essa divisão tripartite esconde a complexidade do significado de tais sentenças, pois cada um dos três elementos é complexo e pode ser tomado em sentidos diferentes. Mas mesmo que nos restrinjamos aos três elementos dados há pouco, geralmente é impossível para uma pessoa comum, não treinada em sutilezas lógicas, fazer a pergunta “Qual dentre três juízos você está fazendo, somente (1), (1) e (2), todos os três ou

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alguma outra combinação?”, ou responder a ela. A situação é muito similar à do cientista que é questionado pelo lógico: “Sua afirmação de que o fósforo funde-se a 44°C é analítica ou sinté­ tica; se você encontrasse uma substância que fosse, em outros aspectos, exatamente como o fósforo, m as que se fundisse a outra temperatura, você diria ‘Não é realmente fósforo’ ou ‘Então, apesar de tudo, determinados tipos de fósforo fundem- se a outras tem peraturas’?” 2. O cientista poderia muito bem, como o Sr. A. G. N. Flew apontou, responder “Não sei; ainda não deparei com o caso que me faria resolver essa questão; te­ nho coisas melhores com que me preocupar” . Similarmente, a pessoa comum, ao tomar decisões m orais com base em seus princípios aceitos, muito raramente tem de fazer a si mesma a pergunta que acabamos de fazer. Contanto que seus juízos de valor correspondam aos padrões aceitos e aos seus sentimentos, ele não tem de decidir qual deles está dizendo porque, como poderíamos dizer, todos os três ainda são materialmente equi­ valentes para ele, isto é, não surge a ocasião para dizer um que não seja também uma ocasião para dizer os outros dois, Ele, portanto, não pergunta a si mesmo “Como estou empregando a palavra ‘dever5, as sentenças ‘Devo fazer o que sinto que devo’ e ‘Devo fazer o que todos diriam que devo’ são analíticas ou sintéticas?”.

E o caso crucial que o faz responder a tal pergunta e, na moral, o caso crucial surge quando estamos pensando se toma­ mos ou não uma decisão de valor em desacordo com os padrões aceitos ou com nossos próprios sentimentos m orais - casos como os que citei. São esses casos que realmente revelam a diferença de significado entre os três juízos que relacionei.

Minha resposta à objeção, então, é que sempre se descobri­ rá, após investigação, que casos que se alega serem juízos de valor que não implicam imperativos são casos em que o signifi­ cado que se pretende não é do tipo (3) acima, mas dos tipos (1) ou (2) ou uma mistura de ambos. É impossível, é claro, provar ou mesmo tornar plausível essa asserção, a menos que saiba­

mos quando devemos considerar um juízo como do tipo (3); mas proponho superar essa dificuldade da única maneira possí­ vel, transform ando-a numa questão de definição. Proponho dizer que o teste para verificar se alguém está ou não usando o juízo “Devo fazer X” como juízo de valor é: “Ele reconhece ou não reconhece que se assentir ao juízo também tem de assentir ao comando ‘Que eu faça X ’?”. Portanto, neste caso, não estou pretendendo provar nada substancial a respeito da forma como usamos a linguagem; estou meramente sugerindo uma termino­ logia que, se aplicada ao estudo da linguagem moral, estou con­ vencido, revelar-se-á esclarecedora. A parte substancial do que estou tentando demonstrar é esta, que, no sentido de “juízo de valor” definido agora, fazemos juízos de valor e que eles são a classe de sentenças contendo palavras de valor que é de interes­ se primário para o lógico que estuda a linguagem moral. Já que o que estamos discutindo é a lógica da linguagem moral e não a intricada matéria conhecida como psicologia moral, não inves­ tigarei profundamente aqui o problema fascinante, discutido por Aristóteles, da abxisia ou “fraqueza da vontade”3 - o pro­ blema apresentado pela pessoa que pensa, ou professa pensar, que deve fazer algo, mas não o faz. As distinções lógicas que venho fazendo esclarecem consideravelmente essa questão: mas muito mais precisa ser dito, principalmente no sentido de uma análise mais m eticulosa da expressão “pensa que deve”. Pois se interpretamos minha definição de forma estrita e toma- mo-la em conjunção com o que foi dito anteriormente (2.2) sobre os critérios para “assentir sinceramente a um comando” , surge o conhecido “paradoxo socrático” porque se tom a analíti­ co dizer que todos sempre" fazem o que pensam que devem fazer (no sentido avaliatório). E essa, para colocar a objeção aristotélica em roupagem moderna, não é a forma como empre­ gamos o verbo “pensar” . O problem a surge porque nossos cri­ térios, no discurso comum, para d-izef “Ele pensa que deve” são muitíssimo elásticos. Se uma pessoa não faz algo, mas a omis­ são é acompanhada de sentimentos de culpa, etc., normalmente

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