“Dever” e imperativos
11.2. Recordemos outra coisa que eu disse anteriormente (4.7) Princípios práticos, se aceitos por tempo suficientemente
longo e incondicionalmente, passam a ter a força de intuição. Portanto, nossos princípios morais máximos podem tornar-se tão completamente aceitos por nós que os tratamos, não como imperativos universais, mas como questõesTfè^ato'; eles têm a mesma obstinada mdubitabilidade. E há realmente uma ques tão de fato à qual, com muita facilidade, podemos achar se refe rem, a saber, o que denominamos nosso “senso de obrigação”. Este é um conceito que requer investigação agora.
É fácil perceber como, se fomos criados desde tenra idade em obediência a um princípio, a idéia de não obedecê-lo tom a se abominável para nós. Se deixamos de obedecê-lo, experi mentamos remorso; quando o obedecemos, sentimo-nos em paz conosco. Esses sentimentos são reforçados por todos os fatores relacionados pelos psicólogos1, e o resultado total é que
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geralmente se denomina um sentimento de obrigação. É f'ato que temos esse sentimento de obrigação ~ pessoas diversas em graus diversos, e com conteúdos diversos. Juízos de que tenho um sentimento de obrigação de fazer X o u Y sao afirmações de fato empírico. Este não é o lugar para argumentar sobre sua interpretação; é sem dúvida possível discutir se sentenças como “A está sentindo remorso” ou “B acha que é seu dever fazer Y” são relatos de eventos mentais privados ou se devem ser inter pretados comportamentaímente, mas tais controvérsias não nos preocupam aqui. Aqui é importante assinalar um fato que é sin gularmente ignorado por alguns moralistas: que dizer que alguém tem um sentimento de obrigação não é o mesmo que dizer que tem um a obrigação. 0izer;*im é fazer urna afirm ação de fato psicológico; dizer o outro é faz e ru m ju iz o d e valor. Um homem que foi criado numa família militar, mas que foi influenciado pelo pacifismo, pode muito bem dizer “Tenho um forte sentimento de que devo lutar pelo meu país, mas pergun to-me se realmente devo”. Similarmente, um japonês criado de acordo com o Bushido pode dizer “Tenho um forte sentimento de que devo torturar este prisioneiro a fim de arrancar informa ções que serão do proveito para meu Imperador; mas devo real mente fazer isso?”
A confusão entre afirmações psicológicas sobre um senti mento ou senso de obrigação e juízos de valor sobre a própria obrigação não é restrita a filósofos profissionais. O homem comum questiona tão raramente os princípios sob os quais foi criado, que, em geral, sempre que tem um sentimento de que deve fazer X, está pronto a dizer, com base apenas nisso, que deve fazer X; e, portanto, muitas vezes expressa esse sentimento dizendo “Devo fazer X ”. Essa sentença não é uma afirmação de? que ele tem o sentimento ;íé um juízo de valor feito como resul tado de ter o sentimento» Contudo, para os que não estudaram o comportamento lógico dos juízos de valoree não refletiram sobre exemplos como os do pacifista e do japonês dados acima, é fácil encarar essa observação como uma afirmação de fato no
sentido de que ele tem o sentimento ou confundi-la, em signifi cado, com essa afirmação. Mas qualquer um, exceto um filóso fo profissional sustentando a todo custo uma teoria do senso moral, poderia ser levado a perceber que o significado não é o mesmo se lhe perguntassem “Não seria possível sentir-se do mes mo jeito, embora não devesse fazer X?” ou “Você não poderia sentir-se assim e estar errado?”
A confusão, porém, é ainda mais profunda. Vimos que há um emprego entre aspas consciente de palavras de valor em que, por exemplo, “Devo fazer X” torna-se aproximadamente equivalente a “X é necessário para a conformidade a um padrão que as pessoas geralmente aceitam ” . Mas também é possível empregar a palavra “dever” e outras palavras de valor entre aspas inconscientemente, por assim dizer, pois o padrão que as pessoas em geral aceitam pode também ser o padrão que uma pes soa foi educada para aceitar e, portanto, não somente esta pes soa se refere a esse padrão dizendo “Devo fazer X” , mas tem sentimentos de obrigação para conformar-se ao padrão.
É então possível tratar “Devo fazer X” como uma mistura confusa de três juízos.
(1) “X é necessário para a conformidade ao padrão que as pessoas geralmente aceitam (afirmação de fato socio lógico);
(2) “Tenho um sentimento de que devo fazer X”(afirm a ção de fato psicológico);
(3) “Devo fazer X” (juízo de valor).
Mesmo essa divisão tripartite esconde a complexidade do significado de tais sentenças, pois cada um dos três elementos é complexo e pode ser tomado em sentidos diferentes. Mas mesmo que nos restrinjamos aos três elementos dados há pouco, geralmente é impossível para uma pessoa comum, não treinada em sutilezas lógicas, fazer a pergunta “Qual dentre três juízos você está fazendo, somente (1), (1) e (2), todos os três ou
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alguma outra combinação?”, ou responder a ela. A situação é muito similar à do cientista que é questionado pelo lógico: “Sua afirmação de que o fósforo funde-se a 44°C é analítica ou sinté tica; se você encontrasse uma substância que fosse, em outros aspectos, exatamente como o fósforo, m as que se fundisse a outra temperatura, você diria ‘Não é realmente fósforo’ ou ‘Então, apesar de tudo, determinados tipos de fósforo fundem- se a outras tem peraturas’?” 2. O cientista poderia muito bem, como o Sr. A. G. N. Flew apontou, responder “Não sei; ainda não deparei com o caso que me faria resolver essa questão; te nho coisas melhores com que me preocupar” . Similarmente, a pessoa comum, ao tomar decisões m orais com base em seus princípios aceitos, muito raramente tem de fazer a si mesma a pergunta que acabamos de fazer. Contanto que seus juízos de valor correspondam aos padrões aceitos e aos seus sentimentos, ele não tem de decidir qual deles está dizendo porque, como poderíamos dizer, todos os três ainda são materialmente equi valentes para ele, isto é, não surge a ocasião para dizer um que não seja também uma ocasião para dizer os outros dois, Ele, portanto, não pergunta a si mesmo “Como estou empregando a palavra ‘dever5, as sentenças ‘Devo fazer o que sinto que devo’ e ‘Devo fazer o que todos diriam que devo’ são analíticas ou sintéticas?”.
E o caso crucial que o faz responder a tal pergunta e, na moral, o caso crucial surge quando estamos pensando se toma mos ou não uma decisão de valor em desacordo com os padrões aceitos ou com nossos próprios sentimentos m orais - casos como os que citei. São esses casos que realmente revelam a diferença de significado entre os três juízos que relacionei.
Minha resposta à objeção, então, é que sempre se descobri rá, após investigação, que casos que se alega serem juízos de valor que não implicam imperativos são casos em que o signifi cado que se pretende não é do tipo (3) acima, mas dos tipos (1) ou (2) ou uma mistura de ambos. É impossível, é claro, provar ou mesmo tornar plausível essa asserção, a menos que saiba
mos quando devemos considerar um juízo como do tipo (3); mas proponho superar essa dificuldade da única maneira possí vel, transform ando-a numa questão de definição. Proponho dizer que o teste para verificar se alguém está ou não usando o juízo “Devo fazer X” como juízo de valor é: “Ele reconhece ou não reconhece que se assentir ao juízo também tem de assentir ao comando ‘Que eu faça X ’?”. Portanto, neste caso, não estou pretendendo provar nada substancial a respeito da forma como usamos a linguagem; estou meramente sugerindo uma termino logia que, se aplicada ao estudo da linguagem moral, estou con vencido, revelar-se-á esclarecedora. A parte substancial do que estou tentando demonstrar é esta, que, no sentido de “juízo de valor” definido agora, fazemos juízos de valor e que eles são a classe de sentenças contendo palavras de valor que é de interes se primário para o lógico que estuda a linguagem moral. Já que o que estamos discutindo é a lógica da linguagem moral e não a intricada matéria conhecida como psicologia moral, não inves tigarei profundamente aqui o problema fascinante, discutido por Aristóteles, da abxisia ou “fraqueza da vontade”3 - o pro blema apresentado pela pessoa que pensa, ou professa pensar, que deve fazer algo, mas não o faz. As distinções lógicas que venho fazendo esclarecem consideravelmente essa questão: mas muito mais precisa ser dito, principalmente no sentido de uma análise mais m eticulosa da expressão “pensa que deve”. Pois se interpretamos minha definição de forma estrita e toma- mo-la em conjunção com o que foi dito anteriormente (2.2) sobre os critérios para “assentir sinceramente a um comando” , surge o conhecido “paradoxo socrático” porque se tom a analíti co dizer que todos sempre" fazem o que pensam que devem fazer (no sentido avaliatório). E essa, para colocar a objeção aristotélica em roupagem moderna, não é a forma como empre gamos o verbo “pensar” . O problem a surge porque nossos cri térios, no discurso comum, para d-izef “Ele pensa que deve” são muitíssimo elásticos. Se uma pessoa não faz algo, mas a omis são é acompanhada de sentimentos de culpa, etc., normalmente