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2 ACESSIBILIDADE E QUESTÕES RELACIONADAS

2.1 Mobilidade Urbana

Tratamos da Mobilidade Urbana, com o intuito de diferenciar alguns conceitos atualmente incorporados às questões relativas aos deslocamentos urbanos e à acessibilidade, e deixar claro, como já se antecipava no discurso de Isaac Joseph, que a acessibilidade é um critério que qualifica os deslocamentos das pessoas em espaços (edificados ou não) que integram o sistema urbano de circulação. Isso equivale a dizer que a mobilidade urbana retrata as formas integradas de circulação nas cidades, onde pessoas, produtos e serviços, devem estar servidos por uma rede de infra - estruturas de trânsito (vias, sinalizações) e transportes (modos de deslocamentos sustentáveis) sendo um atributo das cidades e se refere à facilidade de deslocamentos de pessoas e bens no espaço urbano. Tais deslocamentos são feitos através de veículos, vias e toda a infra - estrutura (vias, calçadas, etc.) que possibilitam esse ir e vir cotidiano. (...) É o resultado da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens com a cidade. (...)13

A Mobilidade urbana é, portanto, o resultado de um conjunto de políticas integradoras de todos os atores que compõe o ambiente urbano, se inserindo no processo democrático do qual faz parte a reestruturação das cidades e, como tal, motivada por projetos de integração, seja pela fruição dos usuários ou pela criação de espaços que possam promover, difundir e preservar o ambiente natural e os

patrimônios cultural, histórico e artístico de uma cidade. Nesse sentido, os meios de transportes e a circulação livre de barreiras devem estar inseridos em políticas públicas baseadas nas pessoas e não nos veículos, proporcionando acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não motorizados e coletivos de transporte, que não gerem segregação espacial, sejam socialmente inclusivos e ecologicamente sustentáveis. (Figuras 11, 12, 13 e 14).

Fotografia 11 - Mobilidade acessível: modo de circulação não motorizada por bicicletas.

Lido - Veneza/It Foto: Teresa Pires (Jun./2006)

Fotografia 12 - Integração de elementos urbanos para mobilidade acessível: guias e

sinalização. Roma/It Foto: Teresa Pires (Jun./2006)

Um dos fatores de articulação da eficiência da mobilidade urbana, segundo seus modos de deslocamento, está calcado na utilização dos meios de transportes públicos, em detrimento dos veículos particulares, que ocupam espaços irrecuperáveis nas vias e promovem a poluição ambiental. No entanto, as grandes obras viárias realizadas nas metrópoles brasileiras nos últimos 20 anos, pressionadas pelo extraordinário aumento do número de veículos, produziram resultados contrários e muito semelhantes entre si. Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre, Fortaleza, Goiânia, Florianópolis e até mesmo Natal, são cidades onde as presenças de vias expressas, cortando os bairros centrais e periféricos já plenamente consolidados, provocaram uma profunda desorganização urbana.

O sistema viário adaptado às novas dimensões dos deslocamentos urbanos propostos a partir do advento do automóvel, criou rupturas urbanas muito intensas, segregou trechos de bairros, afastou setores urbanos onde a vida cotidiana era, até bem pouco tempo atrás, equilibrada e integrada. As grandes rodovias e as avenidas

centrais passaram nas últimas décadas a confundir - se no interior de um único sistema cujo objetivo primordial é fazer fluir o tráfego, em detrimento das pessoas.

Fotografia13 Integração e Mobilidade Urbana: Estação de Transferência de Transportes coletivos.

(Ligeirinhos) Curitiba/PR Foto: Teresa Pires (Dez. /1999)

Fotografia 14 Integração e Mobilidade Urbana: Estação de

Transferência na Cidade Alta. Foto: Teresa Pires (Jan./2007)

A mobilidade acessível propõe, diante disto, um modelo de deslocamentos que inclui o modo a pé, oferecendo suporte adequado, projetos que privilegiam a fruição do pedestre e a criação de setores de mobilidade que atentem, principalmente para a qualidade do espaço urbano construído. Esse espaço pode ser considerado sustentável se consubstanciado por meio de Políticas Públicas em transportes e circulação integradas com a política de desenvolvimento urbano, com a finalidade de proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, priorizando os modos de transporte coletivo e os não motorizados, de forma segura, socialmente inclusiva e sustentável. A mobilidade, a exemplo do que já se antevia em Curitiba, com a implantação de um sistema de circulação articulada, compõe então, o conjunto dessas atividades urbanas, constituindo um sistema de deslocamento que se pretende, acessível.

A mobilidade urbana sustentável e acessível aponta, assim, para a condição de manutenção dos setores que a integram, operando e melhorando no longo prazo,

constituindo - se em uma extensão do conceito utilizado na área ambiental14, sendo também definida como o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visam proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não motorizados e coletivos de transportes, de forma efetiva, que não gere segregações espaciais, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável, baseado nas pessoas e não nos veículos.15 Assim as atuais políticas públicas colocam o pedestre como protagonista da cena urbana e, a calçada passa a ser a principal infra - estrutura do espaço público.

2.1.1 A mobilidade social urbana

O estudo da mobilidade urbana e das trajetórias sociais dialoga com uma clássica linhagem de estudos da sociologia urbana. Desde a Escola de Chicago e seguindo matrizes teóricas diversas, as mobilidades urbanas e as relações entre os deslocamentos espaciais, ocupacionais e habitacionais foram pesquisadas por muitos como cifra para o entendimento das transformações urbanas, de suas linhas de ruptura e fratura, mas também de recomposições e convergências, processos multifacetados por onde diferenciações sociais vão ganhando forma e materialidade nos espaços das cidades.

Esse é um prisma de análise que ganha, no debate contemporâneo, renovado interesse no contexto de transformações que se seguem em ritmo acelerado, alterando tempos e espaços da experiência social, redefinindo as práticas e seus circuitos, desestabilizando referências e identidades coletivas, criando outras tantas junto com novas clivagens sociais e outros campos de gravitação da experiência social.16

14 Revista dos Transportes Públicos ANTP, ano 25, 3° trimestre 2003, p. 65 15 Boareto, Renato: Revista dos Transportes Públicos - ANTP, 3o Trimestre/ 2003

18 Alain Tarrius (1994, 2000), por exemplo, propõe o paradigma da mobilidade como perspectiva descritiva e analítica para apreender as tramas de relações sociais urdidas nos pontos de entrecruzamento de mudanças que afetam espaços econômicos, normas sociais e racionalidades políticas. Entre os pesquisadores urbanos, o estudo da mobilidade urbana vem sendo relançado como perspectiva que promete superar muitas das limitações da noções, categorias e parâmetros estabelecidos para medir e caracterizar a segregação urbana, já que transbordados por uma complexidade inédita das realidades que exigem abordagens aptas a captar movimentos e deslocamentos, processos, práticas e o jogo dos atores. Entre outros: Brun, 1993; Levy, 2002; Bonnet & Desjeux,2000.

Sob essa perspectiva a questão da segregação urbana pode ser situada segundo cronologias diferentes, pois, ao embora abrigue várias temporalidades, a cidade é inteiramente presentificada por atores sociais nos quais se apóia toda a carga temporal . (Lepetit, 2001: p.141,143).

O alvo da crítica de Joseph são as armadilhas de uma suposta nova cidadania pensada em termos locais. Contra isso, o autor propõe pensar a cultura urbana da circulação e coloca no seu centro a questão da acessibilidade: não se trata, diz o autor, de fazer a apologia da mobilidade e muito menos do nomadismo. A acessibilidade diz respeito a espaços, objetos e serviços nos seus percursos e deslocamentos. Temos uma chave para apreender as dinâmicas urbanas que (re) definem as condições de acesso à cidade e seus espaços.

Por sua vez, Flavio Villaça (2001) indica que mobilidades urbanas, deslocamentos espaciais e acessibilidade são fenômenos sociais entrelaçados; não uma relação meramente física dada por escalas de distância/proximidade, mensuráveis em um mapa, e sim relações sociais que relacionadas à dinâmica da cidade, aos modos como a riqueza é distribuída (e disputada) e à corporificada nas suas materialidades, formas e artefatos (Harvey), definindo as condições desiguais de acesso aos seus espaços, bens e serviços.

Sob esse ponto de vista a cidade oferece grande multiplicidade de possibilidades, cuja utilização reconhece a importância dos diferentes recursos que os atores dispõem e a diversidade dos campos em que são capazes de agir. Considerar tais questões em uma perspectiva mais ampla significa situar as práticas nos seus espaços e territórios, colocá-las em relação com as formas e a materialidade da cidade, o jogo dos atores e a trama das relações e suas conexões. Novamente, não se trata apenas de recursos materiais e formas urbanas, mas, sobretudo, de considerar as relações entre os atores, as modalidades de apropriação/apreensão dos espaços e as possibilidades ou barreiras para os indivíduos transformarem bens e recursos em formas valiosas de vida .