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4 A DIMENSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

4.3 As relações Pessoa Ambiente

O comportamento humano, independente das habilidades individuais, diante das condições ambientais, os diferentes modos de viver o espaço, decorrentes de heranças culturais, nicho social, ou oriundo do seu próprio imaginário, remete - nos a uma reflexão de como o homem tem construído o espaço à sua volta; aquele que mantém a distância entre cada indivíduo ou grupo, ou aproxima pessoas com interesses iguais, cenários onde todas as trocas acontecem e por fim a própria existência.

A abordagem das relações entre as pessoas e o meio - ambiente constitui uma base teórica para o desenvolvimento de pesquisas focadas na observação de comportamentos de usuários em determinados espaços. Remete - nos, ainda, a refletir como as pessoas são afetadas pelas condições dos ambientes onde vivem, os quais podem promover articulações positivas ou dificultar a circulação, favorecendo ou inibindo seus comportamentos.

As relações do homem com o espaço urbano sejam elas os modos de deslocamentos ou as dinâmicas de ocupação e usos, têm sido objeto de estudo em vários campos de conhecimento, gerando interpretações que, no entanto, ao privilegiar um ou outro ponto de vista, dificultam a plena compreensão dessa mesma realidade. As cidades são vivenciadas por pessoas diferentes, em momentos diferentes e em função de um conjunto de elementos que constituem os espaços, elas são dinâmicas e oferecem continuamente, novos cenários a serem explorados e conhecidos. Nessa acepção, Canter (1997) indica que o ambiente deve ser analisado em função de seus atributos físicos, do(s) significado(s) que assume na vida das pessoas e do(s) comportamento(s) que permite. Ao integrar o enfoque cognitivo, perceptivo e comportamental, o autor reforça a importância dos valores culturais.

Sabe-se, no entanto, que todo espaço, ao ser analisado encerra um conjunto de informações que dificilmente podem ser tratadas isoladamente, pois segundo Lynch, nada na cidade é vivenciado em si mesmo, devendo ser considerado com relação ao seu entorno e as inter-relações entre seus elementos, além das experiências pessoais - o background de cada um na elaboração da sua imagem. Em outras palavras, cada pessoa, tem, portanto, uma imagem da cidade que lhe é peculiar, e guarda essa imagem segundo referências pessoais,

lembranças e significados (LYNCH, 1999). Além disso, segundo Yazigi (2001), para que uma imagem exista é necessário que seu objeto seja percebido no contexto, evidenciando que cada espaço tem suas especificidades, mas que o conjunto de informações sobre ele, é como um sistema que transforma e é transformado, continuamente.

Dentro dessa linha de raciocínio, a pesquisa aqui empreendida se apóia nas relações cotidianas que caracterizam a área central do bairro da Cidade Alta, especialmente na observação de como as pessoas interagem com as condições de acessibilidade ofertadas. Trata - se, desta feita, de considerar, tão somente como o espaço consolidado interfere ou não nos deslocamentos destas pessoas, e também, entender as relações imersas em uma rotina cotidiana, confirmando que muitas vezes, as pessoas não se dão conta, efetivamente, das especificidades do ambiente, e de certa forma, relegando - as a um plano secundário.

Segundo COHEN e DUARTE (2004), apesar de alguns autores terem, por muito tempo, enfatizado a necessidade de adaptação das pessoas às circunstâncias ambientais, outros, inversamente, vêem no ambiente construído as causas para determinados conflitos humanos. Pode - se afirmar que as características físicas e pessoais e as dificuldades de locomoção se constituíram por muito tempo na explicação para o desajuste social das PDL31. No entanto, já é possível encontrar,

em diversas áreas do conhecimento, teorias e conceitos que vinculam o comportamento humano com o meio, atribuindo às barreiras físicas espaciais, as dificuldades quanto a esta relação. (Figuras 45 e 46).

Retomando algumas considerações ao pensamento de Lynch sobre essas relações, pode - se dizer que o espaço das cidades deve oferecer uma legibilidade, ou seja, uma clareza de informações capaz de propiciar que seu usuário construa um modelo coerente e organizado - uma imagem, um mapa mental que pode ser materializado a cada caminhada.

Fotografia 45 - Conhecendo o novo piso tátil nas calçadas. Vitória/ES Fonte: Projeto Calçada Cidadã

Fotografia 46 - Piso aplicado e sendo reconhecido. Calçadas de Vitória/ ES

Fonte: Projeto Calçada Cidadã

Essas imagens, como já foi dito, no entanto, são construídas conforme o indivíduo, pois segundo YAZIGI (2001), a natureza existe como é, em si; enquanto a paisagem é uma construção mental de cada indivíduo e assim é a percepção dessa natureza que constrói diversas imagens de um mesmo ambiente.

Intervir, portanto, nos espaços de uma cidade torna - se uma tarefa complexa no atendimento de todas as necessidades de seus usuários, considerando estas diferentes formas de apreender os espaços e utilizar elementos físicos fixos como referencial.

Para as pessoas que possuem deficiência visual a construção da imagem mental da cidade é ainda mais difícil, pois é a partir da qualidade visual dos espaços das cidades que são reconhecidos e organizados os modelos e as relações entre as várias partes que as compõem, ainda que não seja a visão o sentido exclusivamente utilizado para essas associações. Desta forma, os elementos que constituem a cidade, os mobiliários, equipamentos, tipos de sinalizações, devem conter informações e compreensíveis à assimilação dos usuários, estabelecendo uma linguagem padronizada, sobretudo como forma de atender às dificuldades de apreensão e formação de imagem mental das pessoas com problemas de cognição e acuidade visual. Aplica-se a essa idéia um dos fundamentos do Desenho Universal no que se refere à informação que o objeto ou espaço devem transmitir ao usuário, devendo ser evitadas, portanto, informações dúbias por meio de um design complexo. (Figuras 47 e 48).

A orientação das pessoas no espaço urbano pode contar com outras capacidades na orientação, aguçadas pela audição, sinestesia, olfato e sensação, cromática, de modo que neste processo, é necessário que estejam organizadas mentalmente as trajetórias a serem percorridas, em função de alguns marcos estabelecidos na lembrança de fatos ou experiências.

Fotografia 47 - Falta de identidade imediata com a função do mobiliário urbano: Telefone

Público - Praia de Ponta Negra/Natal Fotos: Teresa Pires (Nov./2007)

Fotografia 48 - Falta de identidade imediata com a função do mobiliário urbano:

Telefone Público - Praia de Ponta Negra/Natal

Fotos: Teresa Pires (Nov./2007)

Assim, a necessidade de padronizar as informações mais usuais em acessibilidade no ambiente urbano é tão importante quanto a própria condição de se locomover de forma prática e ágil, como um modo de se construir uma identidade facilmente reconhecível, sobretudo pelas pessoas com problemas de cognição ou limitação visual. Dentro desse contexto, as relações dos usuários dos espaços urbanos organizados, passam a exigir competências relativas à possibilidade de escolhas para circular facilmente ou adquirirem novas informações sobre como se deslocar entre pontos de interesse coletivo.

Numa proximidade com o tema abordado na dissertação, para a construção de mapas mentais, por parte de pessoas com deficiência visual, as sinalizações podotáteis indicativas de rotas acessíveis podem constituir o elemento chave para os deslocamentos seguros e autônimos. Nesse sentido, elas devem manter uma

padronização quanto ao tipo e quanto à forma de utilização, correspondendo sempre à mesma informação que se deseja oferecer, sem, no entanto, desconsiderar as relações visuais - a legibilidade do espaço, quando nos referimos à totalidade dos usuários, pois independente dos sentidos utilizados na construção dessa imagem mental do ambiente, a percepção de cada elemento se dá diferentemente, cuja participação deve ser ativa, de modo a ajustar essas imagens adequando-as às necessidades variáveis.

O espaço é mutável, exige a interatividade de seus usuários, porém são mantidos elementos fixos ou símbolos que fornecem o sentido da orientação e a elaboração da necessária identidade entre usuário e espaço urbano.

A questão alçada nesta dissertação retrata as relações das pessoas usuárias do espaço urbano na Cidade Alta, como limitante ou facilitador dos deslocamentos, sem considerar, no entanto, se a imagem construída qualifica ou não o espaço, uma vez que será procedida a observação dos deslocamentos sem que sejam realizadas entrevistas com os pedestres buscando uma avaliação da satisfação destes usuários diante das ofertas em acessibilidade.

Objetiva - se, entretanto, verificar as diversas competências que interagem nos deslocamentos e usos daquele espaço; ou seja, se o espaço é competente em oferecer acessibilidade, e por outro lado, se o usuário é competente no enfrentamento das condições físicas, por vezes, incapacitantes.

Trata-se de, a partir do próximo item, discorrer sobre alguns conceitos existentes quanto ao que se refere à competência ambiental e como é feito o rebatimento do tema sobre as pessoas com deficiência ou dificuldades de locomoção.