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2.3 Inovação em Serviços

2.3.2 Modelo de inovação baseado em características

A descrição a seguir corresponde ao modelo baseado em características proposto por Gallouj e Weinstein (1997) acrescido dos trabalhos de de Vries (2006) e Gallouj e Toivonen (2011). A inclusão dessas colaborações é relevante a fim de lidar com elementos característicos de serviços de TI. Esses serviços envolvem desenvolvimento de soluções tecnológicas que são integradas às tecnologias já existentes nos clientes, envolvendo a contribuição de de Vries (2006) sobre as características tecnológicas do cliente. O desenvolvimento das soluções ocorre geralmente em ciclos, onde as características do processo e a participação do cliente influenciam o resultado do serviço. A proposta de Gallouj e Toivonen (2011) retoma a dimensão de processo, que no modelo inicial havia sido incorporada às características técnicas, agregando a distinção entre competências e características que envolvem interação direta com os clientes (front-office) e aquelas utilizadas internamente na realização das atividades (back-office), perspectiva proposta por Windrum e García-Goñi (2008).

No modelo de Gallouj e Weinstein (1997), serviços são descritos por um conjunto de características, que representam suas propriedades externas (características finais) e sua estrutura interna (características técnicas e de processo), e por competências.

As características finais (Y) correspondem às propriedades externas, definem o produto ou serviço do ponto de vista do consumidor, podendo ser hierarquizadas como características principais, características complementares ou externalidades (GALLOUJ & WEINSTEIN, 1997). Essas características explicitam os benefícios, a utilidade do serviço, por exemplo, em termos de qualidade, quantidade ou conveniência. Características finais podem ser diretas, utilidades que se manifestam durante o processo de prestação do serviço, e indiretas, utilidades que se manifestam no longo prazo (GALLOUJ & TOIVONEN, 2011).

A estrutura interna do produto ou serviço é representada por características técnicas, ou seja, características internas das tecnologias utilizadas (X), e por características de processo (Z), métodos utilizados na produção. A separação entre características técnicas e de processo parte das ações realizadas nas etapas do processo de prestação do serviço, considerando design, marketing e produção. Características técnicas são os elementos tangíveis e intangíveis que viabilizam a prestação do serviço, incluindo o conceito do serviço, protótipos do processo, como diagramas e modelos, tecnologias tangíveis e intangíveis, organização, ambiente físico, entre outros (GALLOUJ & TOIVONEN, 2011).

As características técnicas e de processo são baseadas em competências. Na prestação de um serviço, competências podem ser mobilizadas diretamente ou pela utilização de características técnicas. As competências mobilizadas (C) se referem às competências individuais ou do grupo responsável pela realização do serviço (GALLOUJ & WEINSTEIN, 1997). Competências individuais ou do grupo diretamente envolvido na prestação do serviço são consideradas competências front-office. Competências individuais ou de grupo envolvidos nas atividades de suporte e competências da organização são consideradas competências back-office (WINDRUM & GARCÍA-GONI, 2008; GALLOUJ & TOIVONEN, 2011).

Uma das características fundamentais dos serviços é a participação do cliente na sua produção. A fim de contemplar essa característica, o modelo proposto por Gallouj e Weinstein (1997) considera, além das competências da organização (C), a participação do cliente, através do conjunto de competências do cliente (C’) necessárias à realização do serviço. Como observado por De Vries (2006), a tendência de introdução de tecnologias de informação e comunicação (TIC) faz com que o contato entre produtor e cliente ocorra também através de novos canais tecnológicos. Dessa forma, as características técnicas do cliente (X’) também compõem o modelo, representando a interação entre tecnologias do cliente e tecnologias dos provedores, e nova fonte de possíveis inovações na prestação do

serviço (DE VRIES, 2006). Em alguns setores, como desenvolvimento de software sob medida e integração de sistemas, os clientes participam ativamente da produção do serviço, nesses casos também as características de processo do cliente (Z’) devem ser consideradas (GALLOUJ & TOIVONEN, 2011).

De Vries (2006) observa que a oferta de produtos e serviços depende cada vez mais de redes de organizações, portanto a inovação deixa de ser baseada apenas nas características e competências internas e do cliente, mas também nas características técnicas e competências de todas as organizações envolvidas. A Figura 2-10 ilustra o modelo, onde características finais (Y) são obtidas através da combinação de características de processo, características técnicas e competências das organizações e do cliente.

Figura 2-10 Modelo de inovação baseado em características

Fonte: Adaptado de Gallouj e Weinstein (1997), De Vries (2006) e Gallouj e Toivonen (2011).

Gallouj e Weinstein (1997) propõem que inovação seja definida como qualquer mudança que afete o conjunto de características, sejam essas características finais, características técnicas, características de processo ou competências da organização ou do cliente, distinguindo os seguintes modos de inovação:

 Inovações radicais correspondem a novos tipos de serviços, que se constituem de arranjos de competências e características que não existiam antes na empresa.

 Inovações por melhoria consistem na melhoria de alguma característica ou competência, sem que o sistema seja modificado. Esse tipo de inovação está associado ao processo de aprendizado da empresa.

 Inovações incrementais pela adição, remoção ou substituição de características ou competências.

Inovações ad hoc pela combinação de características e competências para a construção de soluções específicas para o cliente. Essas inovações ocorrem no processo de prestação do serviço, e geralmente são reconhecidas apenas ao final do processo de prestação do serviço. Uma inovação ad hoc colabora para a produção de novos conhecimentos e competências, que devem ser formalizados e codificados para que possam ser reutilizados.

 Inovações arquiteturais pela recombinação de características e competências para criar novos serviços.

 Inovações por formalização, na qual se busca modificar o grau de padronização das características.

A capacidade de inovação da empresa dependerá da sua habilidade para mobilizar e explorar características e competências que podem ser internas ou externas à organização (GALLOUJ & WEINSTEIN, 1997).

A perspectiva da inovação a partir da combinação de competências e características é interessante, mas alguns pontos devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, a simples combinação de competências e características por si só não compõe uma inovação, ou seja, uma iniciativa única não constitui uma inovação. Nem toda a solução criada sob medida constitui uma inovação para a empresa de serviços. Inovação se refere à primeira aplicação por parte da empresa de uma combinação de características e competências que a possibilitem auferir lucros extraordinários (SCHUMPETER, 1912), podendo ser replicada na prestação de serviços para outros clientes (DREJER, 2004).

Em segundo lugar, apesar de Gallouj e Weinstein (1997) utilizarem termos como inovação radical e inovação incremental, essa tipologia não se propõe a analisar o grau da inovação para o mercado ou a empresa, mas sim modos de inovação, ou seja, diferentes formas pelas quais a inovação pode ser criada dentro de uma organização. Essa é uma das vantagens apontada por Gallouj e Weinstein (1997), assim como o fato de não ser articulada na dicotomia de inovação de produto ou processo. Entretanto, essa tipologia engloba diferentes aspectos da inovação, que por seu caráter distinto poderiam ter sido considerados separadamente.

O primeiro aspecto se concentra nos elementos que compõem uma inovação, compreendida como qualquer mudança que afete um ou mais elementos do conjunto de características e competências. Inovações radicais, inovações por melhoria, inovações incrementais e inovações arquiteturais são modos de inovação relacionados a mudanças, significativas ou não, no conjunto de características e competências que compõem um serviço.

O segundo aspecto se refere a padronização das características, perspectiva na qual se insere a inovação por formalização. Essas inovações ocorrem quando a empresa especifica, coloca em ordem as características que compõem um serviço, geralmente especificando características técnicas. O processo de formalização envolve transformar conhecimento tácito e elementos que existiam implicitamente na empresa em características técnicas tangíveis e intangíveis (GALLOUJ & WEINSTEIN, 1997). A questão que se coloca é, até que ponto um processo de formalização constitui uma inovação ou a inovação se encontra na adição, substituição e combinação das características técnicas especificadas. Partindo da premissa que inovação causa impacto econômico, a mera formalização não constitui uma inovação, mas sim quando as características técnicas formalizadas são inseridas em um serviço novo ou existente resultando em inovações incrementais ou arquiteturais.

O terceiro aspecto se refere ao modo como a inovação é desenvolvida, ou seja, se ela é programada e intencional ou emergente. Nessa perspectiva se insere a inovação ad hoc, definida por Gallouj e Weinstein como “a construção social interativa de uma solução para um problema particular colocado por um dado cliente” (GALLOUJ & WEINSTEIN, 1997, p. 549). Essas inovações geralmente são reconhecidas ao final do processo de prestação do serviço, sendo um tipo de inovação não programada. Drejer (2004) aponta que é importante especificar que aprendizado, desenvolvimento de competências e codificação de aprendizado

decorrente da prestação de um serviço para um certo cliente não pode ser igualado a uma inovação. A inovação ad hoc somente deve ser considerada quando permite um serviço novo ou significativamente melhorado, que represente uma nova oportunidade de negócio para a empresa (DREJER, 2004).

A perspectiva de serviço como um sistema composto de características e competências, de inovação como mudanças nesse sistema e sua ocorrência de maneira planejada ou emergente são aspectos relevantes para a análise das empresas da amostra.