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ANEXO 1 – Estatutos do Partido Communista do Brazil, março de 1922

1. A IMPRENSA OPERÁRIA EM QUESTÃO

2.1 O modelo francês: um olhar mais aprofundado sobre o nascimento do desenho de imprensa

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O desenho de imprensa de trato político, considerado como uma manifestação artística moderna, reivindica suas origens ao fim do século XIII, em paralelo à própria evolução técnica da imprensa, incluindo o processo de desenvolvimento dos recursos de impressão e de composição dos elementos na página. Isso nos reporta às discussões posteriores em torno da necessidade de integração entre imagem o texto, de maneira a promover uma unidade mais harmoniosa, não somente em termos estéticos, como também no que diz respeito à compreensão do conteúdo por parte do leitor, considerando sua capacidade de assimilação de apropriação desse substrato apresentado pelo jornal de maneira mais homogênea.

Além dos aprimoramentos técnicos, devemos também pensar acerca das particularidades de um período histórico que lança luz sobre uma série de acontecimentos promotores de série de mudanças na forma de compreender o papel da imprensa na sociedade, transformando o desenho político numa ferramenta de resistência. A modernização da imprensa esteve sempre associada às consideráveis inovações engendradas pelo efeito da Revolução Industrial, não somente em termos de maquinário, como também no que concerne à divisão do trabalho, embora essas mudanças não tenham se manifestado imediatamente.

No fim do século XVIII, os gráficos se encontravam bem diferentes daquilo que havia previsto a utopia funcional da Encyclopédie

217; de acordo com Minard, “a gráfica é toda apertada, barulhenta e encardida, como

os homens que nela trabalham218”, o que demonstra as dificuldades encontradas por

esses profissionais ao longo de suas atividades. Depois de um século, essa estrutura de trabalho ainda não sofrera consideráveis mudanças: nesse ínterim “as tarefas eram distribuídas em acordo com as habilidades individuais, sabendo-se que não existia uma divisão clara de trabalho219 ”. Todo esse sistema bastante

improvisado nos leva a pensar numa irregularidade constante no fluxo de produção

217 Cf. MINARD, Philippe. A Agitação da força de trabalho. In: DARTON, Robert; ROCHE, Daniel

(orgs.). Revolução Impressa: a imprensa na França 1775-1800. São Paulo: Edusp, 1996. p.160.

218 Ibid. p.160. 219 Idem.

e circulação desses conteúdos elaborados pelos serviços gráficos durante esse período220.

A Revolução Francesa não modificou muito esse espaço de trabalho, tampouco produziu um repertório técnico novo. Por outro lado, ela saiu vitoriosa no domínio da promoção de uma “nova atmosfera nos locais de trabalho”, isto é, ela desenvolveu uma vontade reivindicatória que motivou uma parte dos empregados gráficos na luta pelo aumento de seus direitos e pela manutenção de sua capacidade de comercialização. Exatamente nesse momento é que começam a surgir os organismos representativos dos tipógrafos. Desta maneira, Minard assinala que:

Só as circunstâncias excepcionais da Revolução podem explicar tal situação. Os operários participavam da agitação política em geral, e é possível encontra-los fazendo sua parte nas manifestações políticas. Várias vezes em 1970 os jornais noticiaram contingentes de impressores marchando sob uma bandeira proclamando “Liberdade de imprensa!” ou “A imprensa, a tocha da liberdade”. São pronunciamentos políticos, mas que têm óbvias conotações sociais: uma imprensa livre significa uma abundância de trabalho para os gráficos.

Os trabalhadores também se estavam organizando institucionalmente. Em 27 de julho de 1790, eles fundaram uma associação de ajuda mútua, cujos estatutos chegaram até nós com o título de “Regulamentos Gerais dos Impressores Tipográficos de Paris”221.

Dito de outra forma, apesar do atraso nas inovações técnicas, a imprensa toma um papel importante num período em que a propaganda política revolucionária estava, sobretudo, alocada nas páginas da imprensa e dos mais variados panfletos; “a imprensa revolucionária esteve entre as principais instituições que contribuíram para a estruturação de uma nova dimensão da cultura política na França222”. Essa

reconfiguração de amplitude da imprensa revolucionária coloca em evidência a questão da censura, um ponto delicado si consideramos que “a monarquia tolerou muitas manifestações impressas, contanto que tratassem de um combate dos vícios ou dos inimigos da nação223”.

220 Ibid. p. 167

221 Ibid. p. 171.

222 POPKIN, Jeremy D. Jornais: a nova face das notícias. In: Op. cit. p. 199.

223 Cf. FONSECA, Joaquim da. Caricatura: a imagem gráfica do humor. Porto Alegre: Artes e

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Associada à expansão da liberdade de imprensa, devemos assinalar o crescimento da produção de gravuras políticas. Durante o primeiro quarto do século XVIII, a crise financeira pela qual passou o governo francês, no concernente às reivindicações do Parlamento ligadas à diminuição do poder do Rei, logo após a convocação dos “Estados Gerais”, gerou uma abertura maior para o debate político, o mesmo ocorreu com os profissionais engajados no métier de produção de gravuras com base nos discursos políticos professados. Além disso, os temas sociais começam a ganhar um crescimento de igual magnitude. Em “1835 o rei coloca em votação uma lei restabelecendo uma censura específica sobre as caricaturas224”, período no qual observamos mais largamente as incursões desses

artistas pela chamada caricatura de costumes.

Não obstante, a censura continuou conectada ao fluxo dos acontecimentos, e, por isso mesmo, oscilou na promoção de períodos de maior ou menor espaço de efervescência da crítica política. É evidente que durante o período revolucionário a produção de gravuras políticas veiculada nos jornais é ostensivamente maior, como forma de transgredir uma ordem que se faz flutuante a todo o instante.

Essas gravuras eram ao mesmo tempo um meio de educação política e um testemunho das ideias populares. Muitas delas fazem parte de uma cultura oral que, depois de ter sido silenciada pelo absolutismo e pelo iluminismo, reviveu com a Revolução e teve parte na sua ascensão225.

Por outro lado, o desenho satírico, falando mais genericamente, nos reporta a um período mais distante da história, ele era produzido antes mesmo da monarquia, para fazer circular as imagens idealizadas da natureza, os retratos de personalidades importantes, as imagens religiosas e as cenas de família226. No

entanto, há uma diferença importante a ser considerada, para que seja possível compreender com maior clareza porque nos centramos unicamente sobre o desenho

224 THIVILLON, Séverine. La caricature dans les médias. Institut d’Études Politiques de Lyon.

Université Lumière Lyon II. 2003. p. 11.

225 REICHARDT, Rolf. Estampas: imagens da Bastilha. In: DARTON, Robert; ROCHE, Daniel (orgs).

Op. cit. p. 311.

de imprensa227. Trabalhamos aqui, em cima de um conceito mais específico, que

compreende a caricatura e a charge em relação ao seu suporte, como formas constitutivas de uma expressão artística caracterizada, notadamente, e particularmente na França, por uma tradição que produziu dois caminhos distintos onde esse tipo de gravura de conteúdo visual e textual vai se manifestar. Partimos então, da diferença existente entre a caricatura de costumes, a qual mencionamos anteriormente, e a caricatura política.

A caricatura de costumes (ou o desenho de costumes), mais antiga e portanto

situada sobre o terreno da sátira que se projeta em direção às questões morais, tem por finalidade provocar o riso a partir de um desenho que coloca em evidência os costumes e as modos de diferentes grupos sociais, através da exploração do lado ridículo de seus gestos e atitudes que se manifestam, seja na vida privada, seja no domínio público. Se concentrado, fundamentalmente, sobre o meio burguês e a nobreza, esse tipo de expressão artística perdeu muito de sua popularidade no início do século XX, em razão da superexploração de temas pornográficos de uma aristocracia em decadência que suscitava pouco interesse de um público leitor inserido em um contexto de profundas mudanças sociais e políticas.

No início do século XX, e, apesar do talento dos desenhistas, o pensamento dos jornais de costumes parece degenerar até o ponto de se refugiar em domínios discutíveis. Ora, esse é o momento onde a caricatura política vai alcançar uma violência extraordinária. Certamente, depois de alguns anos existiria uma imprensa satírica extremista. Ao menos podemos dizer que ela foi de qualidade medíocre ou de difusão limitada. Foi o caso, por exemplo, do Père

Peinard que tinha retomado desde 1889 o tom popularesco

inaugurado cem anos mais cedo pelo Le Père Duschesne: ele passou a abrigar caricaturas em suas páginas a partir de 25 de maio de 1890228.

227 Segundo Doizy, o desenho de imprensa nasceu em 1830 na França, através da combinação de

dois fatores principais: a revolução política e social que levou a uma verdadeira ebulição no domínio das ideias e promoveu uma grande liberdade de expressão, e as inovações nas técnicas de impressão dos jornais, mas, sobretudo, de produção de imagens, notadamente com a emergência da litografia. Cf. DOIZY, Guilhaume. Quel avenir pour le dessin de presse ? Texte de la conférence donnée le 26 septembre 2008 à la BPI. p. 6. http://editionsdelabibliotheque.bpi.fr/livre/?GCOI=84240100382470&fa=complements. Acesso em: 14/03/2015.

228 LETHÈVE, Jacques. La Caricature sous la IIIe République. Paris: Armand Colin Éditeur, 1986. p.

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A caricatura política, aquela que obteve mais popularidade durante e depois do período revolucionário, e que está fortemente centrada na crítica política propriamente dita, utilizava recursos artísticos para criar uma imagem risível e deformada do personagem representado, invocando, por vezes, o sarcasmo e o ridículo para conceber uma série de desconstruções sobre aqueles que se fazia conhecer em seu produto final. Enquanto a caricatura de costumes se utilizava frequentemente de personagens imaginários para estabelecer uma conexão com a realidade, a caricatura política, contrariamente, fixa a identidade do personagem ou da cena representada. É como se ela quisesse mostrar que a imagem forjada corresponde à essência do fenômeno representado, o qual não somos capazes de perceber, senão a partir do momento em que o artista retira essa espécie de véu que cobre e esconde a alma do real, impedindo o espectador de ver aquilo que lhe parece essencial.

Sem embargo, há uma profunda relação entre esse tipo de criação artística e o tempo. O real tão visado pelo desenho satírico, é pontual e contextual. Esse real não existe, senão em função de um momento determinado, de um fato excepcional, de uma expressão significativa. É a partir do acontecimento que se dá o seu nascimento. Levando em conta esse ponto, podemos melhor refletir sobre a incapacidade de uma caricatura política de se fazer compreender por ela mesma, se completamente isolada. O espectador não será capaz de compreender um motivo satírico no desenho de imprensa se ele não conhece o contexto e mesmo a cultura de onde o mesmo provém229. Essas imagens políticas:

Não se interessam, senão por aquilo que elas revelam sobre os fatos e as mentalidades políticas: o que conta não é sua qualidade estética eventual, mas o seu valor funcional de representação, assim como suas condições de criação, de difusão, de recepção ou de rejeição pela sociedade na qual elas tomam lugar, mesmo se o seu valor artístico pôde de alguma forma favorecer a sua acolhida230.

O desenho de imprensa coloca em evidência um jogo de reciprocidade que se faz entre o artista e o jornal. Ele exprime uma dinâmica de presenças, a presença

229 Essa premissa nos será essencial mais tarde para a compreensão das mudanças e do processo

de ressignificação que cartas imagens vão sofrer no contexto brasileiro.

230 RICHARD, Bernard. Les emblèmes de la République. Paris: CNRS Éditions, 2012. pp. 15-16.

do desenho sobre a página de um veículo que circula em diferentes territórios em relação ao reforço de uma tomada de posição do jornal desde a escolha para a publicação da gravura. Segundo Lethève, “o caricaturista foi feliz ao confiar sua obra ao jornal, capaz de multiplicá-la e dotá-la da convivência do leitor e do jornal; por seu turno, ele ganha em aprovação e mesmo algumas vezes em influência, pois a caricatura confere clareza e habitualmente reforça sua ação e sua opinião231”. Existe

ainda uma terceira presença, essa mais abstrata, porém, não menos importante. Ela se manifesta pelo desenho propriamente dito, a partir do momento em que os traços e as configurações de montagem do personagem ou da cena oferecem aos leitores os signos de um real que já é independente do artista quando de sua circulação.

Em todo caso, devemos notar que o desenho de imprensa é o resultado também do aumento do número de gráficas, resultante de uma demanda social pela informação; “durante toda a Revolução, a imprensa de Paris provavelmente consistiu em 25 ou 30 jornais políticos de sucesso, com talvez o dobro de projetos marginais, tentando entrar no mercado de trabalho independentemente do momento232”. Por

outro lado, o progresso técnico não mudou significativamente a apresentação tradicional do conteúdo publicado na página. Os jornais franceses, na sua maioria, e mesmo após a revolução, vão preservar um estilo muito próximo dos livros, conservando a sua aparência233.

Depois de um período de grave censura, que entrou em vigor durante o Segundo Império, a caricatura vai voltar seu olhar para outros temas, abandonando o desenho político, no momento marginalizado. Apesar das numerosas exposições artísticas em Paris e a efervescência cultural notável desse período visando mostrar ao resto do mundo a extraordinária evolução econômica e industrial da França, os artistas ligados ao desenho de imprensa preservaram o silêncio de sua arte.

Entre os temas mais privilegiados por esses artistas estavam aqueles que versavam sobre os valores do progresso e da modernidade, perfeitamente em acordo com as obras executadas na França, tais como a expansão das ferrovias e a

231 LETHÈVE, Jacques. Op. cit. p. 5. 232 POPKIN, Jeremy D. Op. cit. p. 207. 233 Ibid. p. 212.

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modernização e embelezamento de Paris sob a direção do Barão Georges Haussmann. De igual maneira, a atmosfera de progresso que a França conheceu durante esses anos não tocou na mesma medida o campesinato afetado pelos altos impostos. O mundo rural começa a mudar suas formas de organização, oscilando entre alguns elementos de uma ideologia individualista e o movimento associativo.

O mundo rural toma parte na revolução para fazer valer o interesse dos pequenos proprietários que formam a massa do campesinato. O sentimento democrático se aprofundou no campo; os contemporâneos campesinos, compreendidos nesse processo, descobrem a necessidade de expressão doravante eleitoral das reivindicações de uma moral às vezes comunitária, às vezes individualista, expressa nas províncias. A tomada de consciência do descontentamento rural pelos republicanos de 1848 é tardia, mas decisiva para os fatos que seguem. Um novo tipo de porta-voz agrônomo e de origens modestas inventa o modelo de um possível campesinato republicano, emancipado da tutela dos notáveis234.

Na cena urbana, o alargamento das avenidas lançou luz sobre o desejo manifesto de conter qualquer tipo de agitação ou revolta popular, facilitando o deslocamento das forças de repressão pela cidade. Os eventos de 1848 plantaram as sementes que fariam germinar as aspirações de autonomia popular. No mais, Napoleão III precisou encontrar no mundo operário os apoios destinados a compensar a deserção dos católicos conservadores e dos adversários do livre- comércio, assim as organizações operárias começaram a se movimentar no terreno político discretamente235.

É a partir dessa configuração política que a França verá nascer a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), o primeiro organismo verdadeiramente capaz de superar as fronteiras geográficas e de aproximar os trabalhadores no seio de uma ideia de unidade. As lutas operárias na França para a obtenção do direito de voto contribuíram igualmente para a fundação da AIT236. Depois de perceber que a

AIT começava a ganhar credibilidade, as autoridades vão tentar se impor contra a

234 HINCKER, Louis. Figures et inconnus. In : PIGENET, Michel; TARTAKOWSKY, Danielle. (orgs.). Histoire des mouvements sociaux en France : de 1814 à nos jours. Paris : La Découverte, 2012.

p. 106. [Tradução da autora].

235 CORDILLOT, Michel. L’Association internationale des travailleurs et les origines du mouvement

ouvrier moderne. In: Ibid. p. 90. [Tradução da autora].

236 Para consulta acerca das particularidades concernentes à fundação da AIT, ver: BOTTOMORE,

organização. Em vão, pois enquanto isso a AIT estabelecia seu espaço de intervenção em meio às greves às manifestações operárias, como mecanismo de resistência diante das autoridades e do patronato; o governo, a seu turno, hesitava em negociar com a AIT, posto que a considerava a mais radical das organizações, preferindo encorajar a Comissão Operária de 1867, sem se dar conta que dentro da Comissão estavam os membros mais radicalizados da AIT237.

O resultado dessa negociação foi que a AIT se tornou ainda mais forte, capaz de legitimar seus dirigentes; “ela vai rapidamente se tornar uma verdadeira força social238”. Ao final do Segundo Império e no início da III República, uma nova cena

se apresenta ao movimento operário, já conformada e organizada.

Os debates entre a direita e a esquerda dentro do regime republicano permitem a elaboração de um novo repertório de personagens, signos e discursos. Ora, desde a conformação do que Cordillot nominou como: “força social” é que nasceram, a partir do desenho de imprensa, os traços estereotipados da coletividade. Se no período do Segundo Império, pudemos observar uma efervescência cultural no domínio das artes, a manifestação criativa no terreno do desenho político de imprensa se fará notável, sobretudo, durante a III República.

Entre 1876 e 1881, o sucesso dos republicanos nas eleições legislativas abriram uma nova era política: com a natureza do regime não estando mais em evidência, a liberdade republicana se institui no mesmo instante e transforma as condições sobre as quais trabalharam até então os caricaturistas. Uma dupla oposição, de esquerda e de direita, vai se afirmar, dividindo o grosso da opinião em três setores que os jornais satíricos vão sustentar de diferentes maneiras. O essencial, contudo, é o clima de segurança sobre o qual eles passam a trabalhar.

Entre as reformas de maioria republicana, a lei do 29 de julho de 1881 foi, com efeito, capital: ela dá à imprensa um estatuto que, no conjunto, permanecerá seu até a queda da III República. Substituindo quarenta e duas leis, decretos e ordens anteriores, esse texto, teve primeiramente o mérito da simplicidade; ele suprimiu toda medida preventiva e todo delito de opinião. Os delitos visados caem doravante ao direito comum e são levados à júri; somente a difamação e as injúrias cometidas em torno de particulares permanecem passíveis de punições judiciais. Muitos bons espíritos teriam desejado à época, medidas ainda mais liberais. Infelizmente! Os acontecimentos que se

237 Cf. CORDILLOT, Michel. Op. cit. p. 95. 238 Ibid. p. 96.

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seguiram deveriam seguir em sentido contrário, isto é, novas restrições.

Desamarrados das autorizações prévias e das autorizações da justiça, os jornais vão poder se multiplicar muito mais facilmente, a tal ponto que o financiamento de uma nova publicação está longe de representar o volume de capital proporcionalmente comparável a esse necessário nos dias de hoje. Os desenhistas, não tendo mais empecilhos em termos de acordos ou de censura, tampouco no que concerne aos personagens sobre os quais eles faziam suas charges, podem ceder sem inquietude às fantasias de sua imaginação e ao vigor de seu espírito satírico239.

Esse período é marcado pela retomada do desenho de imprensa político e pela configuração de um espaço de reconhecimento do trabalho dos artistas caricaturistas pelos jornais de perfil mais atrevido. O métier desses artistas ganha valor nas publicações, cuja a maioria têm o hábito de consagrar cada número do jornal a um tema, o mesmo que compõe a página de abertura do jornal, a partir de um desenho assinado pelo artista que o produziu.

O sentido mais essencial da caricatura, percebida como desenho de imprensa, reside justamente na questão temporal. Ela vai sempre estabelecer um jogo entre o desenho e o espectador através dos signos de um contexto efêmero que pode, por outro lado, ser reconhecido pelo público ao qual se dirige. É, por isso, que o suporte não pode jamais ser negligenciado por uma análise que trate do desenho de imprensa. A relação entre o pensamento do artista e as escolhas editoriais formam um sistema que nos oferece certas vezes a chave para a compreensão da presença e/ou da ausência, ou ainda da frequência de um tema