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ANEXO 1 – Estatutos do Partido Communista do Brazil, março de 1922

1. A IMPRENSA OPERÁRIA EM QUESTÃO

2.3 O papel da imagem na cultura operária

Para que possamos compreender a real importância da imagética política referente à cultura operária, devemos inicialmente pensar no papel da imagem na sociedade em geral, nas múltiplas maneiras de compreendê-la, sublinhando suas especificidades em termos de apreensão, o que a diferencia enormemente de uma experiência vivida a partir de um texto ou de um objeto cujo conteúdo se coloca inteiramente no plano discursivo. Além disso, devemos assinalar que o objeto desse estudo são as imagens produzidas tencionando circular na imprensa operária, implicando nisso, sua relação com o texto que é apresentado nas páginas do jornal, seja em forma de legenda, seja como texto (artigo, crônica) em torno do qual a imagem é colocada como se fosse uma ilustração, mesmo se analiticamente nos recusemos aqui a tomá-la enquanto elemento acessório nos jornais.

Pensar a imagem é ao mesmo tempo estabelecer um olhar capaz de misturar os detalhes e a composição, os elementos figurativos, bem como os formais que não

302 THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 185. [Grifo do autor].

são tão definidos. A imagem estabelece uma relação de trocas entre o indivíduo e o universo muito particular que ela cria. Se trata de um jogo de fechamento e abertura às possibilidades expressas pelo momento em que os mecanismos ópticos do sujeito observador transmitem um esquema visível ao cérebro, e esse último se ocupa do arranjo desses elementos numa ordem que lhe é própria, de acordo com seu repertório de experiências guardadas na memória e, portanto, inscritas no campo das sensibilidades. Sendo tão particular, a questão que nos colocamos gravita em torno disso e se dirige a uma reflexão sobre a capacidade desse jogo instável entre o visível e o sensível de mobilizar uma coletividade a ponto de lhe render um conjunto simbólico capaz de provocar uma identificação, ou ainda, de lhe inquietar a tal ponto que dessa inquietação nasceria um referencial, fértil em nível de ações, assim como de ideias.

Confrontada com o tempo, a imagem é renovada, não no sentido de estar em acordo com o presente, mas em relação ao que estará habilitada à suscitar no espectador ou nos espectadores. Compreender a imagem é também compreender a maneira pela qual nós contemplamos o mundo, considerando que “nossa visão é sustentada por certos estados mentais de caráter emocional, não porque resultam de acontecimentos extremos, mas porque a constituição cultural desse olhar implica já na existência de estados mentais conectados a ele, em acordo com certos elementos externos304”. Existe ainda uma esfera a mais para examinarmos nesse

jogo estabelecido entre a imagem e o espectador, a ocasião ou a experiência do visível gera reminiscências que se manifestam como pequenos clarões na cabeça do sujeito observador, mesmo na ausência do objeto contemplado. Trata-se da aparição dos vagalumes305, esses pequenos seres que portam luz na escuridão,

metaforicamente falando, sobre os quais Georges Didi-Huberman nos reporta, para fazer referência à maneira pela qual essas permanências visuais reaparecem sem cessar no pensamento do espectador.

304 DOMÈNECH, Josep Català. A forma do real: introdução aos estudos visuais. Op. cit. p. 29. 305 DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos vagalumes. Belo Horizonte: Editora UFMG,

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Mais do que invocar uma ideia no sujeito observador, as imagens produzem ideias independentes, elas “são formas que comunicam e dialogam entre si306”. Os

elementos figurativos, os traços, a disposição das cores ou a demarcação dos contrastes no espaço cênico, tudo isso contribui para gerar ideias. A enorme gama de imagens que circulam e misturam diferentes territórios da sociedade ocidental, sobretudo após a modernidade e o processo de desmaterialização da imagem, tornou possível pensarmos em alguns “padrões visuais307”, isto quer dizer que

podemos nos questionar sobre a maneira pela qual esses sujeitos se deixam tomar pela imagem através de certas recorrências. A arte não se presta a melhorar nossa relação com o mundo, ela complexifica essa relação, 308 associando novas

realidades produzidas sobre o plano das sensibilidades.

Ao mesmo tempo, devemos nos lembrar que a noção de imagem contem um duplo percurso, isto é, a reminiscência (mental e mnemônica) e o produto concreto (gravura, pintura, fotografia). Assim, toda a imagem pode ser geralmente pensada enquanto produto posto em circulação numa sociedade, elaborado segundo as motivações e as diretrizes concernentes a sua época de produção, comercializado, colecionado, exibido, consumido e ressignificado por determinado público. As imagens impregnam os sentidos e valores que são construídos justamente nessa dinâmica social, na qual toda a produção e consumo estético são profundamente imbricados às formas de aproximação social e política que são estabelecidas nos mais variados contextos culturais309.

Para se fazer efetiva, a imagem precisa, em termos de trocas, de uma comunidade capaz de reverberar suas simbologias e, assim, sua capacidade de criar conexões entre os indivíduos310. A relação estabelecida entre o espectador e a

imagem se dá sempre num espaço de encontro entre perdas e ganhos. A partir do momento em que o sujeito contempla a imagem, ele perde as outras referências sobre o objeto que se dá a ver; nesse momento, “ver é sentir que algo

306 SAMAIN, Etienne. As imagens não são bolas de sinuca. Como pensam as imagens. In: SAMAIN,

Etienne (org.). Como pensam as imagens. Op. cit. p. 23.

307 MONTEIRO, Charles; SCHIAVINATO, Charles. A importância do olhar. In: ArtCultura, Uberlância,

v.10, n.16, jan-jun. 2008. p. 7. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/artcultura/article/view/3746 Acesso em: 05/10/2015.

308 COLI, Jorge. O que é arte. São Paulo: brasiliense, 1995. p. 111.

309 KERN, Maria Lúcia Bastos; KAMINSKI, Rosane. Apresentação. As imagens no tempo e os tempos

da imagem. In: História Questões & Debates. v.6, n.2, 2014. p.7. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/historia/article/view/39003 Acesso em: 17/09/2015.

310 DEBRAY, Régis. Vida e morte da imagem: uma história do olhar no Ocidente. Petrópolis, Rio

inevitavelmente lhe escapa, tudo está dado311”. Essa perda se articula e se reafirma,

sobretudo, no espaço onde o texto acompanha a imagem circunscrevendo-a. Chamamos essa atividade de “tautologia312”, a qual tem por finalidade promover no

espectador a falsa noção de certeza visual.

O eterno paradoxo dessa relação reside no fato de que a imagem evoca e suscita simultaneamente um olhar mais profundo que aquele engendrado fisicamente pelos mecanismos ópticos humanos. Ver será sempre sentir e sentir estará sempre relacionado ao inconsciente, entendendo que cada experiência instaurada sobre o plano da imagem será também sustentada por ganhos, mesmo se a tautologia se impõe como um fator de fechamento.

Aqui, voltamos à questão do tempo na experiência visual, porque essa problemática será continuamente invocada em nossa análise. Existem muitas maneiras de pensar o tempo sobre as imagens, por exemplo: o tempo que é construído em torno do contato entre a imagem e o espectador, ou o “tempo de ausência” no qual a imagem, enquanto objeto, não mais se faz presente diante do olhar atento do espectador, porém preserva resíduos desse passado através das reminiscências que aparecem e desaparecem no pensamento do observador, conforme mencionamos anteriormente. Existe ainda uma teceria maneira de pensar o tempo da imagem, o tempo impuro capaz de criar um amálgama entre o passado, o presente e o futuro e que, na sua complexidade, pode se anunciar através de gestos, expressões, obsessões simbólicas anormais ou em termos de ideias.

As múltiplas temporalidades presentes numa imagem podem ser traduzidas por uma manifestação inconsciente centrada sobre o trabalho do artista com toda a carga de experiências e de impressões que ele porta e que se farão de qualquer maneira presentes, como vestígios de múltiplos passados. Além disso, devemos também olhar as imagens pelo cruzamento do tempo; elas têm a capacidade de rasgar o tempo, de cortar as regularidades estilísticas e, por causa disso, nos parece impossível analisá-las segundo certas categorizações de ordem formal.

311 DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. Op. cit. p. 34. 312 Ibid. p. 57-58.

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No caso do desenho de imprensa, isso é ainda mais notável. Existem, é claro, influências mais marcadas nas modalidades formais, tal qual: o primitivismo consagrado aos estudos sobre a África, América ou Oceania313, alguns elementos

da chamada art nouveau314, influência do expressionismo alemão, já mencionado, mais ligado ao progresso das artes gráficas, do neoimpressionismo e de suas aproximações com os artistas engajados no movimento operário do fim do século XIX315, do fauvismo que soube jogar com “as formas abreviadas e as faixas

complementares de cor316” e, no início do século XX, as influências marcantes do

surrealismo e do dadaísmo317.

Essas influências, no entanto, não são puras e gravitam em torno de espaços temporais configurando uma “desterritorialização”318 que se manifesta não apenas

nessa mistura de formas artísticas, como também através das permanências traçadas que nos remetem a certos modelos formais, que não fazem mais parte da consagração vanguardista. As variações formais são também colocadas sobre as escolhas do artista, sobre sua identificação com determinadas maneiras de produzir uma obra, em paralelo às demandas sociais da época e à dimensão social e política na qual ele se encontra enquanto artista.

Com Steinlen, Hermann-Paul, Grandjouan, Forain, por exemplo, a força do desenho nasce, principalmente, nas situações apresentadas, nos personagens, eventualmente nos símbolos utilizados, nas legendas. Para alguns outros, porém, como Roubille, Valloton, Jossot, a cor, a dinâmica das formas e suas ligações expressam um sentimento tão forte quanto o tema e a legenda.

Roubille criou um estilo muito elegante e flexível. Seus personagens são traçados por arabescos. Visivelmente a art nouveau teve uma influência sobre a forma de duas criações.

Valloton e Jossot podem ser considerados como pré-expressionistas. Eles utilizam todas as duas zonas planas de cores não moduladas. A significação dos desenhos, sua violência às vezes nascente mais das justaposições de cores contrastadas – ou mesmo, em Jossot, nas deformações das formas – do que nas situações apresentadas.

313 TILLIER, Bertrand. Du caricatural au XXe siècle. In: Perspective. n. 4, 2009. Disponível em:

https://perspective.revues.org/1266. p. 545.

314 DIXMIER, Elisabeth; DIXMIER, Michel. Op. cit. p.166.

315 THOMPSON, Richard. Rhétoriques et Révolution : Paul Signac et l’anarchisme dans les années

1890. In : Arts et Sociétés. n. 35, 09 décembre 2010. p. 10. Disponível em: https://perspective.revues.org/1266 Acesso em: 30/09/2015.

316 Ibid. p. 544. 317 Ibid. pp. 548-554. 318 Ibid. p.544.

Quanto a Villon, Galanis, Gris, Marcoussis... os historiadores da arte algumas vezes veem nas suas caricaturas os reflexos de suas pesquisas na pintura. É verdade que algumas páginas de Villon (por exemplo no La Vie facile de fevereiro de 1920), de Galanis (em 1910 e 1911) são reproduções de aquarelas; apenas em alguns (raros) desenhos de Gris (por exemplo no número do 9 de setembro de 1911) os curiosos rostos triangulares, podem levar a pensar em seus estudos cubistas do momento. Mas, em geral, nos parece que os desenhos de imprensa desses futuros pintores célebres, longe de serem audaciosos, eram caminhos distantes de sua pintura319.

As fronteiras formais são muito fluidas considerando igualmente as rupturas sobre o tempo de classificação, de separação em série das imagens com base em seus elementos figurativos. No que diz respeito a imagética, o tempo será sempre um vetor de instabilidade para as regras, contra as classificações baseadas em convenções acadêmicas. O tempo das imagens não é o mesmo que o da história, ao contrário, ele pode se mostrar muito fecundo se nos propomos a fazer uma análise diacrônica apta a prestar atenção nas permanências. Estas, nos interessam em duplo sentido: pela sua relação com as especificidades figurativas e de composição, assim como pelas permanências reveladas no terreno das mentalidades, de uma história que se interroga sobre as razões pelas quais certos elementos se repetem ao longo do tempo e por qual razão são mais utilizados por determinados grupos sociais.

Há pelo menos duas maneiras de pensar esses questionamentos, a primeira toma como referência o trabalho de uma vida inteira desenvolvido pelo historiador da arte Aby Warburg, o qual abriu a porta àqueles que tinham a intenção de pensar as imagens a partir do tempo, e não o contrário. Warburg, historiador da arte de origem alemã, concentrou seus esforços na reflexão sobre as manifestações obsessivas, as sobrevivências, os reaparecimentos constantes de formas de uma maneira involuntária no curso do tempo320, são os “fantasmas” de que fala Warburg e dos

319 DIXMIER, Elisabeth; DIXMIER, Michel. Op. cit. pp. 171-172. [Tradução da autora].

320 Aby Warburg teve a oportunidade de vivenciar a cultura de tribos pagãs para melhor conhecer a

maneira pela qual eles elaboravam e se relacionavam com suas imagens religiosas. Sua longa trajetória de estudos no campo da psicologia, bem como no domínio da arte da renascença, o convenceu de que para compreender bem a imagética era preciso tomá-la em relação a outras manifestações artísticas, tais como a literatura, e de igual maneira a atmosfera social de onde provêm a obra, assim como sua finalidade na vida do grupo ao qual ela está destinada. Ele rompeu com os modelos abstratos que pensavam a imagem baseada em questões de ordem formal ou estética. A comparação entre diferentes imagens produzidas em contextos distintos o forneceu material

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quais Didi-Huberman faz referência para problematizar a questão das múltiplas temporalidades presentes no interior de uma mesma imagem.

Os “fantasmas” ou as manifestações obsessivas não são senão formas do comportamento patético humano, que se repetem em diferentes temporalidades e que não podem ser compreendidas a partir da linearidade cronológica. Denominados metaforicamente como “fantasmas”, por sua capacidade de se esconder e reaparecer nos mais variados contextos, esses gestos se colocam em diálogo com o tempo e constituem o conceito de pathosformel321 criado por Warburg, no qual o jogo de sobrevivências dessas formas fantasmagóricas configura o

nachleben322. Dois conceitos somente possíveis graças à abordagem antropológica que Warburg lançou sobre as imagens e suas propriedades. Ele chegou a esse aporte metodológico depois de conceber quatro teses:

1. O manuseio de formas acidentais dinamizadoras se desenvolve dentro da “grande” arte autônoma a partir da imagem dinâmica de situações observadas na realidade em seus detalhes.

2. O abandono, pelo artista, do meio real do objeto facilita o acessório dinamizador; por isso este se manifesta nas obras de arte denominadas simbólicas (alegóricas), pois seu contexto real é dispensado, pela “comparação”, desde o princípio.

3. A imagem recordada de estados dinâmicos gerais, através da qual se apercebe a nova impressão, é depois projetada inconscientemente sobre a obra de arte como forma de um contorno idealizante.

4. O maneirismo ou idealismo artístico é apenas um caso especial do reflexo automático da imaginação artística323.

O que nos interessa especialmente nessa abordagem antropológica construída por Warburg é a noção de confluência de memórias de maneira involuntária através do tempo. Sobretudo, porque acreditamos que as imagens, sobre as quais concentramos nossa análise, são portadoras de vestígios memorialísticos, e, mais do que comunicar, evocam sentimentos a partir de formas já consagradas na figuração. Assim, o conceito se faz apropriado à aplicação nesses casos, levando-se em conta que ele desterritorializa as obras de arte simbólicas,

necessário para a elaboração de uma nova fórmula conceitual aplicável à história da arte. Cf. WARBURG, Aby. Op. cit.

321 Idem. 322 Idem. 323 Ibid. p. 55.

evocando uma característica essencial do desenho político de imprensa, que atravessa os territórios, bem como o tempo, desde o momento em que certas marcas figurativas restam independentes dos movimentos artísticos, se aproximando do que Didi-Huberman referencia quando trata de uma “genealogia das semelhanças324”.

Existe ainda outra maneira de pensar as imagens e o tempo, essa abordagem metodológica vem justamente reforçar as inovações epistemológicas desenvolvidas por Warburg ao longo de sua vida. Carlo Ginzburg se questionou sobre a validade desse esquema se baseando nas iconologias políticas modernas, onde o ponto de inflexão reside na maneira a partir da qual ele vai observar a emoção expressa numa forma figurativa, e na maneira pela qual ela pode se fazer útil para suscitar ou portar ideias em diferentes contextos políticos. Observando a emoção enquanto um fenômeno de evocação de ideias, Ginzburg concebeu o conceito de logosformel325.

A concepção que percebe a circulação de ideias ao longo do tempo evocada por Ginzburg não impede que vejamos nesses dois conceitos: o nachleben e o

logosformel certa complementaridade. Se sobre a base das sobrevivências de

formas e de gestos figuradas podemos investigar a utilização de imagens por um público específico, da mesma maneira podemos nos interrogar sobre a utilização das ideias evocadas pelas imagens e o processo de ressignificação de uma imagem em relação ao seu tempo e ao seu espaço de circulação. A abordagem antropológica persiste nas duas esferas analíticas, pois as duas chamam nossa atenção para as práticas culturais de certos grupos e o papel da visualidade num determinado intervalo de tempo. Segundo Ginzburg, “Warburg reconheceu bem ao analisar a arte da renascença italiana que o significado das fórmulas antigas são algumas vezes invertidos na sua transmissão326”.

A temporalidade das imagens é bastante complexa, trabalhamos a partir da perspectiva antropológica. Desconectada do passado e do presente, quando o observador possui um papel fundamental no cerne desse regime memorialista. A

324 DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. p. 152.

325 GINZBURG, Carlo. Op. cit. p. 12. 326 Ibid. p. 95.

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imagem possui uma vantagem temporal sobre o ser humano, ela o ultrapassa através do tempo, sobrevive a ele, e sai vitoriosa em termos de duração.

Diante de uma imagem, quer seja recente ou contemporânea, - o passado ao mesmo tempo não cessa jamais de se reconfigurar, desde que essa imagem não se torna pensável, senão a partir de uma construção da memória, tal qual uma assombração. Diante de uma imagem, humildemente reconhecemos: ela nos sobreviverá, posto que somos diante dela o elemento frágil, o elemento de passagem, e ela é diante de nós o elemento do futuro, o elemento da duração. A imagem possui frequentemente mais memória e mais devir do que o ser que a contempla327.

Por que razão seria tão importante para os historiadores que se dedicam ao estudo da imagética política produzida em determinada época a partir de demandas sociais de um grupo específico, pensar sobre os avanços e recuos de certas formulas figurativas ao longo do tempo? Além disso, seria realmente possível colocar a questão em termos de demandas sociais? Será possível compreender uma dinâmica social falando de inflexões figurativas? Primeiramente, partimos do princípio de que mais do que nos interrogarmos sobre as intenções dos sujeitos tratados nessa imagética política, devemos realizar o inverso, e tratar precisamente das formas a partir das quais surgem uma série de imagens que cruzam o tempo e o espaço.

Esses questionamentos nos levam a construir uma reflexão em torno das estratégias utilizadas pelos artistas, notadamente os desenhistas de imprensa, para criar uma dimensão simbólica poderosa para o movimento operário no mundo inteiro. A associação entre a crítica direta suscitada pela caricatura e os instrumentos de linguagem que ela se apropria são dois recursos essenciais para entendermos como o movimento operário lhe destinou tamanha atenção. O desenho político de imprensa recorre, muitas vezes, à inserção de estereótipos na cena figurada, um tipo de dimensão baseada sobre algum objeto ou situação real, cujo objetivo está completamente em acordo com o princípio de exagero da caricatura.

327 DIDI-HUBERMAN, Georges. Devant le temps : histoire de l’art et anachronisme des images.

A caricatura, por sua vez, tem o poder de atrair a atenção do espectador para algum acontecimento momentâneo, efêmero, a partir de uma figuração bastante simplificada e usualmente engraçada ou sarcástica; “autônomas, as ilustrações não duplicam quase nunca os artigos, elas não adquirem, no entanto, seu sentido verdadeiro, senão através das legendas, dos diálogos, das palavras de ordem que as apoiam328”. O mesmo acontece com as publicações brasileiras, existe uma

escolha de temas que se fazem circular no periódico, porém a imagem permanece quase sempre independente do texto, mesmo no caso em que ela é apresentada