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ANEXO 1 – Estatutos do Partido Communista do Brazil, março de 1922

1. A IMPRENSA OPERÁRIA EM QUESTÃO

1.5 Voz Cosmopolita

Voz Cosmopolita177 (VC) surge em 1922 dando prosseguimento ao trabalho que vinha sendo desenvolvido em O Cosmopolita até 1918, vinculado ao Centro

175 A imagem citada será analisada posteriormente neste estudo. 176 Cf. COSTA, Adailton Pires. Op. cit. p. 223.

177 Todos os números de Voz Cosmopolita analisados nesta pesquisa, correspondentes aos anos de

1922 até 1926, com algumas lacunas na série, encontram-se no Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista (CEDEM), armazenados no fundo: Archivio Storico Operaio

Cosmopolita do Rio de Janeiro. A publicação tinha periodicidade quinzenal (exceto por algumas interrupções), e era produzida pelo Sindicato dos Empregados em Hotéis e Similares178 do Rio de Janeiro. Sua redação e administração ficavam

localizadas junto ao mesmo endereço do antigo periódico (OC), e sua distribuição era feita através dos mesmos mecanismos pelos quais se fazia difundir, ou seja: listas de subscrição, venda por número avulso no valor de $100, distribuição gratuita (de acordo com as demandas do momento), e assinaturas semestral e anual nos valores de 3$000 e 5$000 respectivamente.

Voz Cosmopolita dá seguimento à mudança gradual de seu conteúdo o que,

em termos políticos, já vinha sendo empreendido por O Cosmopolita, mas que fica ainda mais evidente nesta segunda fase da publicação. Outro fato relevante é o ano em que ressurge a folha do Sindicato dos Empregados em Hotéis e Similares, exatamente no ano de fundação do Partido Communista do Brazil, o que não nos parece uma mera casualidade, tendo em vista que João Jorge da Costa Pimenta, diretor do jornal, foi um dos fundadores do Partido. Além disso, data igualmente de 1922 a intensa campanha levada a cabo pelo Centro Cosmopolita que pretendia unificar os sindicatos atuantes na categoria; conforme assinala Batalha:

Até abril daquele ano, haviam aderido ao Centro Cosmopolita, a Aliança dos Caixeiros de Hotéis e Restaurantes e a União dos Empregados em Cafés , Bares e Leiterias, faltando ao Sindicatos Culinário e a União dos Caixeiros em Casas de Pasto.

Em 1923, era um dos sindicatos no campo de influência do PCB. Em 1931 cogitava seguir a nova lei de sindicalização, convidando

Agripino Nazaré para, em nome do Departamento Nacional do

Trabalho, dar explicações sobre alguns artigos da lei, particularmente o que dizia respeito à porcentagem de brasileiros natos nos quadros das associações. Isso teria conduzido o Centro a iniciar campanha para atrair um maior número de brasileiros179.

Fica evidente as razões pelas quais o conteúdo do jornal vai sofrendo mudanças ao longo do tempo, a vinculação de alguns de seus principais colaboradores com o Partido Communista do Brazil altera o perfil do jornal. Todavia,

Brasiliano (ASMOB) em propriedade do Instituto Astrojildo Pereira (AIP). Dispomos para fins de análise de um total de 73 exemplares do jornal Voz Cosmopolita, correspondentes aos anos de 1922 a 1933.

178 FERREIRA, Maria Nazareth. op. cit. p. 78.

179 BATALHA, Cláudio H. M. (org.). Dicionário do movimento operário: Rio de Janeiro do século XIX aos anos 1920, militantes e organizações. Op. cit. p. 203. [Grifo do autor].

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no ano inicial em que volta à ativa, VC se declara um periódico aberto às múltiplas manifestações da classe, conquanto estivessem em acordo com as orientações do grupo editor. Salientava ainda que entre as suas principais funções estavam:

Promover conferências sociológicas, de propaganda associativa e meios de luta contra a exploração capitalista, batendo-se desta forma pela emancipação coletiva.

Corresponder-se e manter assídua correspondência com todos os jornais de classes congêneres. [...]

Empenhar seus esforços pelo congraçamento unilateral das classes congêneres de todo o país, criando um organismo máximo e forte. Criar e aprimorar em seu seio uma seção de debates sociais, afim de aprimorar e desenvolver os conhecimentos intelectuais de seus componentes180.

Existia uma preocupação, por parte do grupo editor181, em manter o leitor

informado acerca da própria estrutura administrativa do jornal, fazendo com que este se sentisse parte dela. Portanto, Voz Cosmopolita, no uso de suas atribuições, esclarecia seus leitores acerca dos recursos financeiros responsáveis por sua manutenção e circulação, que dependia, sobremaneira, das quotas dos aderentes, das assinaturas e dos anúncios publicitários.

Uma comissão executiva composta por seis membros tinha a incumbência de realizar os trabalhos182; essa comissão era aclamada em reunião mensal de todo

o grupo. Ao secretário geral caberia a tarefa de redigir um balancete minucioso de receitas e despesas, o qual deveria ser apresentado na reunião seguinte. Era mister a cada aderente o compromisso de conceder a quantia de 5$000 já no ato da

180 Sem autor, Bases de acordo do grupo editor da Voz Cosmopolita, Voz Cosmopolita, Rio de

Janeiro, 01.01.1922. p. 3.

181 O Grupo Editor de Voz Cosmopolita era constituído por: José Moreira, Sergio Gonzalez Blanco,

Eladio Cid, Anthero Corrêa, José Baptista Ferreira, Antonio J. Da Costa, Luiz do Nascimento, Francisco Bastos, José J. Da Costa Júnior, Argemiro Doval, Alexandre Rodrigues, Francisco Villar, José Gomes Pereira de Faria, Pedro Giotti, Augusto Moreira, Antonio Soares Valente, Angelo de Souza, Guilherme Saraiva, Antonio Pinto Moreira, Julio Moreno, Bento Alonso, José Ferreira Morgado, Manoel Solfo Aljam, Antonio Belmonte, Verissimo Solha Fernandes, Joaquim Ribeiro e Antonio Pontes. Cf. Sem autor, “Grupo Voz Cosmopolita”, Voz Cosmopolita, Rio de Janeiro, 01.02.1922. p. 3.

182 A Comissão Executiva de Voz Cosmopolita no primeiro semestre de 1922 era composta por: José

Moreira (secretário geral), Augusto Moreira (secretário de correspondência), José J. Da Costa Júnior (tesoureiro), Argemiro Doval (corpo de redação), José Baptista Ferreira (corpo de redação) e Antonio Pontes (corpo de redação). Cf. Ibid. p. 3.

inscrição, devendo pagar mensalmente, após adesão, o valor correspondente a 2$000183.

O desrespeito às normas adotadas pelo jornal, bem como aos acordos firmados entre os aderentes em reuniões e assembleias, era devidamente punido, tão logo se identificasse a infração e seu autor; danos aos cofres da associação eram rigorosamente penalizados com multas ou a expulsão sumária do envolvido no delito, pois tais iniciativas feriam os princípios de solidariedade e respeito estabelecidos entre os membros do grupo. Além das sanções cabíveis nesses casos, também era de praxe publicar no exemplar o mau passo do filiado acompanhado pela identificação do infrator o que provavelmente lhe renderia a exclusão, quase que natural, em outra agremiação operária ou sindical. Astrojildo Pereira, em um texto publicado em 1923 no Voz Cosmopolita, se refere exatamente a casos como esses quando escreve que:

Na passada diretoria, foram demitidos dos cargos respectivamente o 2º tesoureiro e 2º secretário, os sócios Coryntho de Souza e Antonio Gonçalves. Tal exemplo constitui uma demonstração de que de fato ainda há quem queira zelar e tomar a sério o desenvolvimento e a estabilidade de determinados princípios que são o ponto de partida e a razão da própria existência de uma associação de classe. Jamais se poderia permitir que, seja por ignorância ou seja por vaidade, consciente ou inconscientemente, se pratiquem e sejam tolerados quaisquer atentados de lesa solidariedade. [...]

Lições e exemplos como este aproveitam sempre, e já que não livram de sermos atraiçoados ao menos servem para levar ao terreno pantanoso de onde jamais deviam ter saído, esta ou aquela lesma que, arrastando-se da base aos píncaros das montanhas, conseguem de tal forma, aproximar-se dos ninhos dos condores184.

O cuidado em não macular a imagem da organização sempre foi uma prioridade, pois por si só já consistia numa maneira de atribuir legitimidade ao movimento e às reivindicações do grupo; também por essa postura imbuída de prudência é que a diretoria era renovada regularmente, evitando vícios e condutas duvidosas. As eleições ocorriam através de convenções em que duas ou mais

183 Idem. p. 3.

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chapas se candidatavam para que uma delas fosse eleita. Imediatamente após a vitória de determinada chapa, seu programa era publicado nas páginas do jornal185.

Em 1926 foram publicadas duas estimativas de tiragem do jornal Voz

Cosmopolita. Em 6 de fevereiro de 1912 a tiragem alcançou um total de quinze mil

exemplares, enquanto em 22 de fevereiro esse número cai significativamente para cinco mil exemplares. Esses valores são publicados logo na página inicial do periódico, possivelmente no intuito de incentivar a aquisição e a venda por parte dos militantes ou, visto por outro lado, para expor aos leitores a oscilação constante desses números o que poderia transmitir uma mensagem de “transparência” e honestidade por parte do grupo editor, sobretudo, no que se refere às prestações de contas.

Em termos de diagramação os exemplares, usualmente, eram compostos por quatro páginas. Na primeira delas eram geralmente publicados os artigos e crônicas de colaboradores, além de informes sobre reuniões e assembleias. A segunda página, por sua vez, abrigava outros textos, alguns poemas e epígrafes de lideranças emblemáticas para o movimento, bem como parte de algum folhetim. Na terceira página constavam as prestações de contas, informes aos leitores e alguns anúncios, enquanto a quarta página era inteiramente preenchida com publicidade.

Percebemos nesta segunda fase de Voz Cosmopolita um afinco por parte do grupo editor em publicar textos que remontam à organização e, sobretudo, unidade da classe, algo que até então não observávamos com tanta ênfase em outras publicações operárias e sindicais. Tal iniciativa está ancorada precisamente nesse contexto de ebulição ideológica no qual se inseriam os sujeitos históricos aqui estudados, ou seja, lideranças que interagiam com as transformações pelas quais o mundo passava e que agregavam novas visões de mundo à luta política empreendida no Brasil.

No que se refere às imagens, elas eram geralmente publicadas na primeira página do exemplar, prática comum como já vimos, em outras publicações do

185 Cf. Sem autor, Eleições administrativas para 1925-26: chapa aprovada na convenção do dia 7 de

gênero. No Voz Cosmopolita, entretanto, observamos que o número de imagens cai em relação à sua primeira fase de circulação, quando se chamava O Cosmopolita. Temos aqui um total de apenas 9 imagens; se levarmos em consideração que esta segunda fase de circulação do jornal compreende um período mais longo, essa diminuição no conteúdo imagético fica ainda mais evidente.

Entre desenhos e caricaturas veiculadas no jornal, constatamos que além de algumas autorias serem recorrentes, se relacionam à uma produção imagética que já vinha sendo veiculada no periódico em sua primeira fase. Outro fator relevante diz respeito às características formais dessas imagens. Há um aumento de desenhos com traços mais rudimentares em relação às litografias mais rebuscadas circulantes na primeira fase da publicação, o que pode nos sugerir uma produção interna de imagens feita por colaboradores especialmente para veiculação no Voz

Cosmopolita.

A retórica da unidade classista também insere no debate, mesmo que não diretamente, a ideia de classe trabalhadora como um todo. Em VC os conteúdos referentes à categoria profissional ainda se mesclam àqueles que tratam da questão da unidade do movimento operário como um todo, tendo em vista o forte potencial mobilizador do discurso sindical em voga no período e a política reformista de muitas dessas lideranças, algumas delas inseridas no próprio Centro Cosmopolita.

A partir do momento em que percebemos que ao longo da primeira e da segunda fase do jornal o número de imagens veiculadas em suas páginas sofreu uma diminuição (passando de 12 imagens em OC para 9 em VC) e levando em conta a grande circulação imagética observada nos jornais paulistas: A Lanterna e A

Plebe, constatamos que existia uma profunda diferença entre as propostas editoriais

construídas por cada publicação, o que reitera a ideia de que cada uma delas possuía suas próprias características.

O fato é que a diminuição da incidência de imagens nessas publicações foi significativa também na imprensa partidária como foi o caso dos periódicos oficiais do Partido Communista do Brazil, criados a partir do ato de sua fundação. A vinculação do Centro Cosmopolita ao próprio PC do Brazil pode ser um indício

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dessa permanência. A mudança nas características formais observadas nessas imagens confirma outras formas de acesso e de produção dessas imagens, se antes muitas delas eram produzidas por artistas estrangeiros e tinham grande circularidade na imprensa operária não só brasileira186, veremos que na imprensa

partidária a participação de colaboradores profissionais começa e se delinear como prática constante. Passemos então ao surgimento da imprensa oficial do Partido Communista do Brazil.